A FDA (Administração de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos) revogou, esta segunda-feira, a autorização de uso de emergência de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. Na base desta decisão está a falta de evidência de que o tratamento seja eficaz no tratamento da doença e os efeitos secundários reportados.
“A agência determinou que os critérios legais para a emissão de uma autorização de uso de emergência já não se verificam. Com base na análise contínua [destas autorizações] e de dados científicos emergentes, a FDA determinou que é improvável que a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam eficazes no tratamento da Covid-19 para os usos autorizados nos Estados Unidos”, refere o comunicado da agência reguladora.
A FDA acrescenta ainda que, perante os efeitos adversos que têm sido reportados, “os benefícios conhecidos e potenciais do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina já não superam os riscos conhecidos e potenciais para o uso que foi autorizado”.
A autorização do uso de emergência, pedida pela Autoridade Biomédica de Investigação e Desenvolvimento Avançado (BARDA), foi concedida a 28 de março, e previa que os doentes hospitalizados com Covid-19, que não tivessem acesso a ensaios clínicos, pudessem ter acesso aos medicamentos doados ao Stock Estratégico Nacional. Agora, foi novamente a BARDA a intervir para pedir a revogação da autorização especial.
“Embora haja ensaios clínicos em curso que continuam a avaliar o potencial benefício desses medicamentos no tratamento ou prevenção da Covid-19, determinamos que a autorização do uso de emergência já não era adequada. Essa decisão foi tomada após uma avaliação rigorosa feita pelos cientistas no nosso Centro de Avaliação e Investigação de Medicamentos”, disse Patrizia Cavazzoni, diretora interina do centro, em comunicado de imprensa.
Esta revogação em nada interfere com os usos anteriores da cloroquina e hidroxicloroquina, enquanto medicamentos antimaláricos (o propósito com que foram criados) e nos doentes com lúpus eritematoso e artrite reumatoide — usando a prescrição off-label (fora das indicações aprovadas).
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Antimaláricos podem interferir com outro medicamento
Num outro comunicado libertado esta segunda-feira, a FDA avisa que o uso de remdesivir em conjunto com cloroquina ou hidroxicloroquina pode diminuir o efeito do remdesivir e, como tal, é desaconselhado.
O remdesivir também recebeu uma autorização de uso de emergência para o tratamento de doentes com Covid-19 hospitalizados e com doença grave. O medicamento tem, neste momento, ensaios clínicos em curso, mas os dados preliminares indicam que, “em média, os doentes tratados com remdesivir tiveram um tempo de recuperação mais curto“.
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Hidroxicloroquina: das promessas de tratamento ao descrédito
Para justificar a decisão de revogar autorização especial no tratamento de doentes com Covid-19, a FDA diz que os “resultados recentes de um grande ensaio clínico randomizado [com distribuição aleatória dos doentes entre tratamento e grupo de controlo] com doentes hospitalizados (…) demonstraram que o uso de hidroxicloroquina não mostrava qualquer benefício na mortalidade ou na aceleração da recuperação“, refere o comunicado.
Resultados que estão, segundo a agência, em linha com outros estudos que mostram que as doses usadas são ineficazes a matar ou inibir o vírus. No entanto, a FDA não indica, no comunicado, que estudos são esses nem onde estão publicados.
A decisão nos Estados Unidos surge dias depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter suspendido e retomado os ensaios clínicos com a hidroxicloroquina. E de o Infarmed, em Portugal, e outros países no mundo terem também desaconselhado ou proibido o uso do medicamento nos doentes com Covid-19.
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A suspensão dos ensaios clínicos pela OMS seguiu-se à publicação de um artigo científico na revista The Lancet que anunciava ter analisado os dados de milhares de doentes em todo o mundo e concluído que a hidroxicloroquina não só não trazia benefícios como podia aumentar o risco de morte.
À publicação do artigo seguiu-se uma onda de críticas por parte de vários cientistas sobre as lacunas que apresentava, questionando mesmo a veracidade dos dados. A própria revista expressou alguma preocupação em relação ao artigo. E alguns dos autores acabaram por retirar o artigo por terem dúvidas se podiam continuar a confiar nos dados.
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A verdade é que a detentora dos dados, a Surgisphere, nunca partilhou os dados em bruto nem com os restantes autores do artigo, nem com os revisores da revista onde o artigo científico foi publicado, nem com os auditores que o solicitaram.
Segundo uma investigação do jornal The Guardian, esta pequena empresa norte-americana tem entre os seus funcionários pessoas sobre as quais não há qualquer referência sobre a formação ou experiência científica. E para alimentar ainda mais a dúvida sobre a veracidade dos dados, o jornal britânico contactou alguns dos hospitais que a Surgisphere diz terem cedidos os dados que afirmam que nunca ouviram falar da empresa nem lhe ter cedido os dados.