João Bernardo Honwana acredita que Moçambique pode, eventualmente, criar condições para “uma negociação entre o Estado moçambicano e os cidadãos moçambicanos” que “estão a apoiar” a “ofensiva ‘jihadista'” no norte do país. O diplomata apela para que a indiferença dos jovens moçambicanos perante o Estado seja um assunto prioritário a resolver.
O que se está a passar em Cabo Delgado exige uma distinção muito clara entre os elementos moçambicanos nesta insurgência dos seus parceiros e apoiantes externos. Eu não creio que o Estado moçambicano possa conceber a possibilidade de negociar com um movimento jihadista internacional, mas podem criar-se condições, eventualmente, em Moçambique para que haja uma negociação entre o Estado moçambicano e os cidadãos moçambicanos que, de alguma forma, estão a apoiar esta ofensiva jihadista“, afirmou esta quarta-feira João Bernardo Honwana.
João Bernardo Honwana, antigo diretor do Departamento de Assuntos Políticos das Nações Unidas, apontou esta possibilidade durante a conversa “O Jihadismo no Norte de Moçambique”, dinamizada pelo Clube de Lisboa em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e o Instituto Marquês de Valle Flor.
João Bernardo Honwana disse ainda acreditar que em Moçambique, “dentro e fora do Governo, existe certamente a capacidade intelectual de conceptualizar” a situação de violência no norte do país e “de procurar soluções sistemáticas e sistémicas para o problema”.
“Naturalmente que existe também uma grande capacidade em termos da boa vontade e prontidão de apoio dos nossos amigos e dos nossos aliados”, afirmou o diplomata moçambicano, destacando a importância dos vizinhos africanos e de parceiros extracontinentais.
Existe uma boa vontade (…) no sentido de apoiar a capacidade do Estado moçambicano de resolver este problema, mas ele próprio [o Estado moçambicano] tem de também se capacitar para fazer um melhor uso possível dessas boas vontades”, salientou.
Durante a iniciativa, o diplomata assinalou também a necessidade de “resolver a indiferença da juventude” de Moçambique em relação ao Estado.
“Eu diria que isto é uma generalização arriscada, porque naturalmente há exceções a esta, mas grande parte da juventude sente-se negligenciada pelo Estado, sente que não tem perspetivas de futuro”, declarou João Bernardo Honwana.
O diplomata considerou que “os jovens se sentem muito alheios” ao Estado e à possibilidade de obterem emprego, “da capacidade de se tornarem em cidadãos adultos e responsáveis pelas suas famílias” ou enquanto “cidadãos que participam no processo nacional”.
Tem de haver um esforço de fazer da juventude, assim como da totalidade da população moçambicana, aliadas do Estado na resolução dos problemas que se colocam ao desenvolvimento nacional”, vincou.
Nos últimos dois anos e meio, os conflitos no norte de Moçambique, em particular na província de Cabo Delgado, terão provocado a morte a, pelo menos, 700 pessoas e uma crise humanitária que afeta cerca de 211.000 residentes.
As Nações Unidas lançaram, no início de junho, um apelo de 35 milhões de dólares (30 milhões de euros) à comunidade internacional para um Plano de Resposta Rápida para Cabo Delgado para ser aplicado de maio a dezembro.