5 horas e 20 minutos de alegações por parte da defesa de José Sócrates, que não foram mais porque o juiz Ivo Rosa deixou claro que ao fim de tanto tempo seria impossível continuar a acompanhar o raciocínio de Pedro Delille e pôs fim à sessão. O advogado do ex-ministro pediu para ser o último dos arguidos, que pediram a abertura de instrução, a apresentar a sua defesa e fê-lo, esta quarta-feira, de uma forma tão detalhada e extensa que uma parte será depois entregue por escrito. Em resumo, e pondo de parte as críticas à investigação, a defesa garante que não existem quaisquer provas no processo, ou mesmo indícios, contra o antigo líder socialista, que ele nunca corrompeu ninguém e que o dinheiro que recebeu do empresário Carlos Santos Silva não foi mais do que um empréstimo do amigo.
“Eu não tenho apenas um processo”, justificou o advogado ao juiz Ivo Rosa, que irá decidir se acusação do Ministério Público deverá chegar a julgamento, quando o magistrado o chamou à atenção e lhe pediu que fosse “mais sintético”.
Logo nos arranque das alegações, o advogado deixou uma palavra ao colega João Araújo, que não esteve presente por motivos de doença, e que agarrou a defesa do ex-primeiro-ministro desde início como sendo “a defesa do Estado de Direito”. “Mostrou sem hesitações e com aquele jeito, feitio e carisma que é o dele, que as autoridades penais não estão acima da lei”, alegou Delille.
Depois lamentou a ausência do procurador Rosário Teixeira, considerando que a “estratégia” da acusação foi dele e que Sócrates “foi um alvo”. Ainda assim, disse, durante as provas trazidas para o processo nesta fase, Delille confessou ter alguma esperança que o Ministério Público (MP) recuasse na investigação que fez durante os últimos anos. “Esperava que os senhores procuradores tivessem pedido a não pronuncia de José Sócrates” disse o advogado Pedro Delille.
“Estamos aqui a fazer o que os senhores procuradores não fizeram”, acrescentou.
O advogado lamentou, também, que o procurador Rosário Teixeira tivesse perdido apenas “15 minutos” em relação a José Sócrates durante as suas alegações que se prolongaram por quatro horas. Sempre a reforçar que não existem indícios ou provas no processo contra o seu cliente, lembrou que um “empréstimo não é um crime”.” Se está bem ou mal de acordo com o catecismo do procurador não nos cumpre a nós analisar”, rematou.
E aproveitou também para deixar críticas ao Tribunal Central de Instrução Criminal, numa altura em que tinha como único juiz Carlos Alexandre — como aliás têm feito os advogados de outros arguidos. “O Tribunal Central de Instrução Criminal era um tribunal escolhido pelo Ministério Público”, disse, não deixando fora o inspetor tributário, Paulo Silva, escolhido para coadjuvar os procuradores na investigação. Paulo Silva é contabilista, mas “mas isto não vai com contabilidade”, disse.
“Criou se aqui no DCIAP uma polícia privada e um tribunal especial com um só juiz”, acusou.
Pedro Delille voltaria a atacar o Ministério Público três horas depois, quando acusou os investigadores de terem tentado tudo para “perseguir” José Sócrates, mesmo através de buscas à sua sociedade. “Foram pressionados advogados, foram feitas buscas à minha pessoa, aos meus clientes … O que se passou, e com outros advogados do processo, é inaceitável”.
“Esta acusação transforma-nos a todos num estúpido útil”, chegou a dizer, pegando na expressão já usada nestas sessões pelo procurador Rosário Teixeira, em relação ao ex-administrador Joaquim Barroca e ao uso das suas contas na Suíça. E também replicada pela advogada de Carlos Santos Silva, numa espécie de recado ao juiz de instrução Carlos Alexandre.
Sócrates e o Grupo Lena que não seria a empresa do regime
Depois das críticas à investigação, a refutação de toda a tese do Ministério Público. O advogado pegou em todos os pontos da acusação para mostrar que não havia qualquer prova que a fundamentasse. Começou pelo Grupo Lena.
Segundo a acusação, o ex-administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, recebeu numa conta da Suíça uma transferência de dois milhões de euros de um cidadão holandês que comprou uma fração no empreendimento Vale do Lobo, naquilo que terá sido um pagamento de luvas a propósito do financiamento conseguido da Caixa Geral de Depósitos então liderada por Armando Vara. Desse valor 1 milhão foi para Vara, o outro a acusação acredita que foi parar às mãos do ex-primeiro-ministro. Pedro Delille reafirma que Sócrates nunca ouviu falar de tal negócio, que desconhece o cidadão holandês e que, ao contrário do que diz o Ministério Público, o ex-primeiro-ministro nunca teve qualquer influência na escolha de Vara para o cargo que ocupava no banco público. “A única verdade que consta na acusação é a relação de amizade entre José Sócrates e Armando Vara”, garante, recusando que o dinheiro que entrou nas contas de Barroca ou de Santos Silva tenha ido parar à sua esfera. E lembrando que a própria CGD foi sindicada através de várias comissões de inquérito que nunca “confirmaram nada disto”.
“Jamais recebeu quantia alguma do Grupo Lena, Joaquim Barroca ou de Carlos Santos Silva como peita”, disse.
O mesmo em relação ao consórcio Elos, integrado pelo Grupo Lena, para a construção do TGV. O Ministério Público diz que numa reunião entre Sócrates, o então ministro do Ambiente, Mário Lino, e o presidente do júri, em outubro de 2009, serviu para combinar uma alteração ao contrato feito para beneficiar o consórcio. No entanto, a defesa lembra que a alteração contratual advogada pela acusação foi feita seis meses antes a essa reunião, que serviu apenas para “fazer um ponto de situação” numa altura em que Lino estava de saída — como aliás todos os intervenientes na reunião e mesmo o jurista que fez a alteração contratual declararam em tribunal. José Sócrates “nunca transmitiu qualquer indicação ao consórcio”, disse.
Aliás, concluiu, a ter tido influência, Sócrates teria que ter manipulado “ministros, funcionário, equipas de advogados inteiras”. “A acusação diz que a ideia era que o contrato fosse chumbado pelo Tribunal de Contas”, lembrou. “É inimaginável que alguém nos queira fazer acreditar que o Governo de José Sócrates a ambição que tinha era que o projeto fosse chumbado pelo Tribunal de Contas”.
“O Ministério Público inventou que José Sócrates deu instruções, nunca teve uma prova ou um facto indiciário qualquer”, defende.
Também a entrada do Grupo Lena na Venezuela para a construção de casas sociais não teve, segundo a defesa, a mão de José Sócrates. “A acusação deixou o rabo de fora porque em 2007 não havia ideia de casas na Venezuela, muito menos feita por portugueses. Foi em novembro de 2007, seis meses depois do diz o MP, na cimeira ibero americana a primeira vez que se colocou a hipótese de ir à Venezuela por parte do Governo português”, disse. E o Grupo Lena foi como foram outras empresas de “pernil de porco ou leite em pó”, disse. Embora o então assessor económico Vítor Escária ter dito enquanto testemunha que esta hipótese se começou a colocar ainda em 2005 e porque Sócrates tinha uma boa relação com Chavéz. Uma conversa que teria sido mantida com Fernando Serrasqueiro, então Secretário de Estado do Comércio, “que não foi ouvido no processo”.
“José Sócrates nunca deu qualquer orientação. Mário Lino explicou aqui que o Grupo Lena foi apoiado como todas as outras empresas que ali foram no apoio à diplomacia económica”, disse. “José Sócrates cumpriu apenas o dever como primeiro-ministro. Nunca abordou com Chávez esta questão, só no encontro de 2010 em Viana do Castelo”, disse.
A ligação com Ricardo Salgado que não existia. E uma chamada por engano
Pedro Delille lembrou que José Sócrates estava a ser investigado desde 2005, “provavelmente antes de ser primeiro-ministro”, e que o Ministério Público foi juntando ao processo negócios para construir toda a acusação, depois de ter sido “detido em direto”. Daí a alegada ligação a Ricardo Salgado nos negócios da PT e do BES para “facilitar” a aquisição da OI.
“José Sócrates nunca foi próximo de Ricardo Salgado. Nunca foi a sua casa, nunca ligou para o seu telemóvel particular, nem o tinha. Desde que saiu do governo em 2011, Sócrates nunca mais falou com Salgado até 2014, altura em que Salgado lhe ligou por engano”, disse o advogado, afirmando que os poucos contactos que tiveram foram feitos no gabinete do então primeiro-ministro, através de secretárias, e que constam nas agendas entretanto entregues ao processo.
O advogado voltou a tocar no apartamento de Paris, onde Sócrates viveu numa parte da sua estadia em França onde fez um ano sabático, garantindo ser de Carlos Santos Silva. Também o Monte das Margaridas, no Alentejo, é propriedade da sua ex-mulher Sofia Fava e não dele. Pedro Delille garante também que Sócrates só soube das casas que Carlos Santos Silva comprou à mãe dele, Maria Adelaide, já depois do negócio estar consumado.
“Uma tese absurda”, disse a certa altura o advogado.
A defesa garante que Sócrates não cometeu qualquer crime de corrupção, logo os crimes que lhe sucedem caem. “O dinheiro que o José Sócrates utilizou, que não tem a ver com os 30 milhões, é produto de empréstimos que o Dr. Carlos Silva lhe fez”, voltou a referir.
O interrogatório de José Sócrates: “Sempre tive dificuldades financeiras”
Já depois de Ivo Rosa o chamar a atenção do tempo que estava a levar, Pedro Delille passou às nulidades que encontra no processo: a forma como o juiz Carlos Alexandre foi escolhido na fase de inquérito no processo, assim como algumas escutas dadas como prova que não percebe como chegaram ao processo, por não terem a declaração obrigatória de quem as fez e como nos autos.
A última vez de Sócrates com Ivo Rosa
Antes do arranque do debate instrutório, em março, Ivo Rosa ainda quis ouvir o ex-primeiro-ministro para alguns esclarecimentos que foram prestados já com a sala aberta aos jornalistas (a fase de instrução só é pública, por regra, a partir do debate instrutório), mas com um inibidor de sinal colocado na sala para que não houvesse rede na sala e, assim, impedir fugas de informação.
José Sócrates foi questionado sobre estadias no Algarve, sobre a relação com o Grupo Lena e o TGV e a sua expansão internacional para Angola e para a Venezuela. O antigo responsável pelo Governo respondeu a tudo, socorrendo-se de várias agendas de cada um desses anos que quis juntar ao processo. “Que credibilidade tem uma acusação destas? Bastaria ir ao Google”, chegou a dizer, para derrubar alguns pontos da acusação relativamente a encontros que manteve.
“Que credibilidade tem uma acusação destas? Bastaria ir ao Google”, disse José Sócrates
O Ministério Público acredita que José Sócrates recebeu 23 milhões de euros do seu amigo e empresário Carlos Santos Silva que serviria como o seu testa de ferro. Este valor terá sido resultado de luvas de negócios que terá facilitado enquanto primeiro-ministro, foram depositados em contas na Suíça e chegaram a si através de pagamentos, viagens, deslocações e bens. Sócrates é acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento e três fraude fiscal qualificada.
São 28 os arguidos no processo que ganhou o nome de Operação Marquês, 19 dos quais pessoas singulares e os restantes empresas. Na próxima sexta-feira será dada a palavra à defesa dos arguidos que não pediram instrução. Pelo menos a defesa de Ricardo Salgado, assegurada por Francisco Proença de Carvalho, terá alguma coisa a dizer. Depois o Ministério Público também terá tempo de antena e poderá vir a responder a todos os ataques que os advogados têm feito à investigação em alegações finais, na tentativa que o processo morra aqui e não siga para julgamento.