As imagens começaram a circular pouco depois do final do jogo entre o Manchester United e o Brighton. Depois de fazer dois golos e com a equipa de Solskjaer a ganhar tranquilamente, Bruno Fernandes foi substituído pouco de depois da hora de jogo. De forma natural, e para cumprir as regras do protocolo sanitário da Premier League, o jogador português não se dirigiu para o banco de suplentes mas sim para a bancada, afastado dos restantes colegas. E enquanto esses restantes colegas bebiam água, Bruno Fernandes parecia beber leite. As piadas nas redes sociais não demoraram a aparecer e o médio ganhou uma nova alcunha: “the mikman”, o homem do leite.

Tudo isto numa semana em que Bruno Fernandes se estreou a marcar um bis pelo Manchester United, uma semana em Bruno Fernandes voltou a ser largamente elogiado pelas vozes mais proeminentes do futebol português e uma semana em que Bruno Fernandes foi novamente considerado o Jogador do Mês da Premier League, pelo terceiro mês consecutivo. Mais do que isso, foi uma semana em que o jogador português voltou a ajudar o Manchester United a ser, nesta altura, a equipa mais confiante da liga inglesa.

O Liverpool foi campeão mas acabou goleado pelo Manchester City, o mesmo City perdeu o tricampeonato e tem a enorme probabilidade de não estar nas competições europeias dos próximos anos, o Leicester ainda não ganhou na retoma e o Chelsea perdeu a meio da semana com o West Ham, permitindo desde logo uma aproximação do Manchester United na tabela. Numa extensão daquilo que já vinha a fazer nos últimos dois meses antes da paragem, a equipa de Solskjaer manteve-se tranquila e controladora neste recomeço, tem aproveitado finalmente a ligação entre Bruno Fernandes e Pogba e tem sido a principal interessada nos deslizes de Leicester e Chelsea para almejar lugares que na primeira volta do campeonato pareciam impossíveis de alcançar.

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Bruno Fernandes e Pogba, precisamente, estiveram envolvidos num choque violento durante um treino e, de acordo com a imprensa inglesa, chegaram a estar em dúvida para a receção ao Bournemouth desde sábado. Ainda assim, foram ambos titulares no jogo em que o Manchester United procurava chegar à quarta vitória consecutiva, manter a invencibilidade nesta retoma e ultrapassar provisoriamente o Chelsea, que só jogava mais tarde com o Watford. O médio português teve a primeira oportunidade da partida, ao ser lançado por Rashford com um passe longo, mas o chapéu por cima do guarda-redes saiu demasiado alto (10′). Sem ser asfixiante, o United tinha a partida controlada e até parecia confortável na decisão de oferecer algum espaço ao adversário para depois aproveitar eventuais erros com a exploração do espaço nas costas do setor mais recuado. Até que, e contra esta lógica, Junior Stanislas tirou uma autêntica obra de arte da manga.

Num lance de insistência depois de um cruzamento a partir da direita, Stanislas tentou o remate, que foi intercetado pela defesa do United, ganhou novamente a bola no ressalto, tirou Harry Maguire da frente com um túnel brilhante e atirou, quase sem ângulo, para bater De Gea (16′). Apesar da desvantagem, os red devils eram dentro de campo a imagem que Ole Gunnar Solskjaer transparecia na bancada: tranquilidade, acalmia e certeza de que tudo acabaria por correr bem. Sem perder o discernimento, como tantas vezes aconteceu no passado e na primeira metade da temporada, o Manchester United chegou ao empate pouco antes da meia-hora, por intermédio de uma boa jogada rendilhada. Wan-Bissaka deu largura na direita, Bruno Fernandes apareceu na zona central a assistir Greenwood já em esforço e o jovem inglês, que marcou pelo segundo jogo consecutivo, atirou de pé esquerdo para repor a igualdade (29′).

Daí para a frente, a reviravolta surgiu de forma natural. Adam Smith fez grande penalidade e Rashford — que substituiu Bruno Fernandes na conversão dos penáltis, provavelmente para garantir alguma confiança ao jogador inglês, que ainda recupera a competitividade depois de ter estado lesionado antes da paragem — não falhou (33′) e Martial, que está claramente com o golo no pé, aumentou a vantagem já no tempo extra da primeira parte. Num lance onde ficou novamente patente que é Bruno Fernandes quem organiza todo o movimento ofensivo da equipa, o médio português deu um passo atrás, olhou para os colegas num pedestal e solicitou Martial na esquerda; o avançado francês puxou para dentro, armou o remate e a bola desenhou uma trajetória brilhante, acabando no local onde se costuma dizer que as corujas dormem (45+2′).

Ao intervalo, Solskjaer tirou Lindelof para colocar Bailly, provavelmente por motivos físicos, e a entrada do central francês não poderia ter sido pior. Depois de um passe atrasado mal medido de um colega, Bailly tentou evitar o pontapé de canto mas acabou por tocar a bola com a mão no interior da grande área. Na conversão da grande penalidade, Joshua King não deu hipótese a De Gea (49′) e o Bournemouth parecia começar a desenhar uma surpresa em Old Trafford, até porque o Manchester United demorou a voltar efetivamente do balneário para a segunda parte. A equipa de Eddie Howe ainda marcou o terceiro mas a jogada foi anulada por fora de jogo e conjunto de Solskjaer acabou por agarrar de novo os desígnios da partida com um lance notável de inspiração individual.

Depois de alguns segundos mais anárquicos dentro da área do Bournemouth, o Manchester United conseguiu ganhar um balão de oxigénio alguns metros atrás e Mason Greenwood conquistou metros mais à direita. O lance parecia perdido, até porque o jovem inglês se afastou da baliza, mas Greenwood soube atirar um remate forte de pé direito que surpreendeu Ramsdale (54′) e ofereceu maior tranquilidade aos red devils. Dois jogos seguidos, três golos do avançado de 18 anos que é nesta altura uma de muitas razões para o otimismo do Manchester United. Pouco depois, e como não poderia deixar de ser, Bruno Fernandes ainda foi a tempo de escrever o próprio nome na ficha de jogo, com um livre direto perfeito (59′).

O Manchester United chegou à quarta vitória consecutiva, ultrapassou provisoriamente o Chelsea e continua a mostrar que é a equipa em melhor fase tática, técnica e emocional na Premier League. Pogba já era um jogador muito influente, Greenwood já era um talento em bruto, Martial já tinha uma qualidade acima da média — mas parecia que nenhum desses ovos conseguia fazer uma omelete em Old Trafford. Até que chegou o chef Bruno, no final de janeiro, para unir os ingredientes e tornar um grupo de jogadores numa equipa.