A noite até ia calma, até Danilo fazer o primeiro golo. À porta do restaurante O Braseiro das Antas, junto ao Estádio do Dragão, ouve-se uma explosão de alegria. Entre gritos, abraços e brindes com cerveja, Rosa Novais está aparentemente calma. Afinal, “ainda falta muito para o jogo acabar”. “O golo foi bom e não saio daqui até sermos campeões”, garante ao Observador.

A PSP fechou a Alameda das Antas, ficando apenas reservada para a comunicação social, o que obrigou os adeptos a verem o jogo em cafés e restaurantes nas imediações e até os vendedores de cachecóis tiveram que encontrar outro posição. Belo Dias tem 85 anos e segura junto a um semáforo vários cachecóis azuis e brancos, já com a inscrição de campeão nacional 2020. “Estou a vender cada um por 10€, o negócio está fraco, mas sempre são mais uns tostões”, diz, acrescentando que ao nascer nas Antas, “não tinha outro remédio se não ser portista”.

Atravessando a rua, vislumbra-se um ambiente de festa, mais vistosa e ruidosa, junto ao Café Velasquez, um dos preferidos em dias de jogo. As bandeiras XXL dos Super Dragões imperavam num cenário onde a distância social era apenas uma miragem. Os motores de motas decoradas com dragões, os bombos ou os cânticos orelhudos, como a “Pronúncia do Norte”, não deixavam ninguém dormir. Marega marca o segundo e há fogo de artifício. “Cheira a título”, gritava alguém que segurava uma faixa com o apelo da noite: “Binde pá festa”.

No jardim, entre os caixotes do lixo empilhados com caixas da Mc Donald’s, que deixavam adivinhar muitos jantares improvisados, Marisa Francisco está vestida a rigor e segura a filha no colo. “Somos de Cantanhede mas viemos ao Porto tratar de umas coisas e aproveitamos para ficar mais esta noite”, diz entre as primeiras buzinas. “Não vejo o jogo, mas os golos conseguimos ouvir bem”, assegura.

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Eis o apito final e as dezenas de adeptos ali concentrados começam a dispersar para a Avenida de Fernão de Magalhães. Há tochas, petardos, foguetes, gritos das varandas e algumas discussões provocadas pelo álcool, tudo ao som de “o campeão voltou”. Debaixo de uma árvore aos saltos, Sandra Neto canta de máscara e já com a voz rouca. “Não posso festejar a noite toda porque trabalho amanhã”, lamenta.

Veio de Santo Tirso para ver o jogo junto ao Dragão, hoje não pode lá entrar, mas quando for possível promete marcar presença. “Este ano é quase tudo impossível, menos o Campeonato”, brinca. Sobre as regras ditadas pela Direção Geral da Saúde não tem dúvidas que “a emoção fala mais alto que o distanciamento social”, embora reconheça “que é preciso as pessoas serem conscientes e usarem máscara”. Olhando à volta, nem todos parecem ser da mesma opinião. A festa já tinha começado no relvado e fora dele a euforia aumentava a cada minuto.

Carros e pessoas preencheram a Avenida de Fernão de Magalhães, junto ao Dragão, durante várias horas

Arnaldo Oliveira está literalmente parado no meio da rua e, sorridente, só lhe resta buzinar. “Venho festejar com cuidado, dentro do carro. O calor humano é sempre importante nestes festejos e o vírus corta toda essa dinâmica. A festa será diferente, mas não deixa de existir. Era o que mais faltava.” O portista diz não ter sofrido durante o clássico, pois já estava a contar com o título há vários jogos, o que o faz mesmo “sofrer” é não ir ao estádio. “Tenho duas cadeiras no Dragão e é triste não poder ir lá, como é costume”.

Um sentimento partilhado pelo social democrata Carlos Abreu Amorim, vestido a rigor no passeio, a segurar a trela da sua cadela “portista desde que nasceu”, também ela vestida a combinar com a ocasião. “Costumo ir ao estádio e posso dizer que se sofre mais em casa do que lá”, garante, sublinhando que este ano a festa é, necessariamente, diferente. “Quem viveu noites de vitória do FC Porto, como eu vivi, com 200, 300 ou 500 mil pessoas na rua, é muito diferente, mas há alegria na mesma.” E nem a sequência de derrotas do rival Benfica parece explicar o título, pois para o político, o grande responsável pela conquista dos dragões é mesmo o treinador, Sérgio Conceição. “Se não fosse o murro na mesa que deu na final da taça da liga, o Porto não seria hoje campeão.”

Do outro lado da estrada está Miguel Neves, num carro descapotável. De máscara no rosto, fala ao telefone com amigos para combinar um ponto de encontro, uma tarefa difícil quando se está no epicentro da confusão. “Não estava à espera de uma festa tão grande, sinceramente. Quero ir para os Aliados, isto se conseguir passar.”

Próxima paragem? Avenida dos Aliados

A claque dos Super Dragões ainda tentou festejar na Alameda das Antas, mas o cordão de segurança montado pela PSP não vacilou. Não restavam dúvidas de que o próximo destino seria o salão de festas da cidade: Avenida dos Aliados. Já passava da meia noite e meia e na baixa viam-se mais carros, a andar em passo de caracol, a buzinar e com bandeiras nas janelas, do que pessoas a andarem a pé. “Ainda não temos ordens para fechar a avenida ao trânsito. Até agora tudo decorre sem incidentes”, revelou fonte da PSP no local ao Observador.

Tiago Lopes está junto à estátua de D. Pedro IV, outrora coberta de adeptos portistas, a tirar uma fotografia com o telemóvel. “Os Aliados continuam a ser o palco das festas, eles ainda tentaram a Alameda, mas não nos chega, não vale a pena.” O portista fala sem máscara e explica porquê. “Tenho a máscara no bolso, vim com dois amigos que conheço bem e ainda não me aproximei de muita gente, tento evitar cruzamentos. Acho que não é assim tão grave se tivermos as precauções necessárias.”

Mais carros do que pessoas a pé, foi este o cenário na Avenida dos Aliados

Tiago saiu à rua para celebrar, mas não concorda que a vitória do Futebol Clube do Porto seja merecida. “Não gostava que o Conceição continuasse, penso que ele não aguenta muito mais no clube e devia sair na próxima época. É a minha opinião.” A avaliar pela camisola que tem vestida, Ema Oliveira tem outra opinião. “Sérgio Conceição” é o nome que tem escrito nas costas e nem o calor provocado pela máscara a impedem de comemorar esta espécie de São João fora de horas. “É horrível festejar de máscara, já estou cheia de calor, mas tinha que vir. Vou agora para casa, mas antes preciso de ir ver o Estádio do Dragão.”

E se Ema tem uma camisola personalizada, a máscara de Carlos Costa não lhe fica atrás. Um desenho de uma baliza e “campeão 2020” escrito em letras garrafais. Veio sozinho aos Aliados e de capacete debaixo do braço, encostado à estação de metro, aprecia a festa portista, que já conta com alguns confrontos com a polícia. “Acho que as pessoas estão a respeitar. Isto é uma manifestação espontânea espetacular.” Olhando para o edifício da câmara municipal, ali mesmo em frente, diz não ter dúvidas de que “Rui Moreira abrirá as portas à equipa”. O autarca tinha apelado ao civismo dos adeptos no final do campeonato, pedindo que evitassem concentrações na rua, mas a emoção falou mais alto no apito final e a vontade de celebrar foi mais do que muita.

“Confio no nosso presidente Pinto da Costa, Deus lhe dê muita saúde para continuar a candidatar-se”, remata Carlos Costa. Como diria um verdadeiro Papa, “assim seja”.