“Estava bastante ansioso por pensar que poderia não estar à altura e não entender toda a complexidade da história de Patrick. Mas também estava motivado pela ideia de desempenhar um papel que era o oposto da minha vida.” É assim que Hugo Fernandes, ator luso-francês e protagonista da primeira longa metragem de Gonçalo Waddington, olha para o papel que teve de encarnar: o de um jovem que esteve desaparecido da Sertã durante 12 anos e que acaba por regressar. Numa co-produção entre Alemanha e Portugal — e com o toque da Som e Fúria — a história de “Patrick” é construída em volta da dor e do sofrimento, um filme sobre como reagimos quando o passado regressa a casa. Neste caso, quando um filho, que foi abusado sexualmente por um homem mais velho, parece não querer retornar a casa da mãe.

Hugo Fernandes é Patrick, frio, dormente, a viver em Paris com aquilo que entende ser um namorado, ao mesmo tempo que se perde pela noite, num percurso de drogas e álcool. Um caminho que precisa de atravessar para sentir algo mais, porque a ideia de uma vida normal foi-lhe retirada desde muito cedo. Gere um site de pornografia — que nunca vemos, mas ouvimos –, revelando ser agressivo com as mulheres. Liga para um homem mais velho, possivelmente o seu próprio agressor. Um síndrome de Estocolmo que se torna tão macabro que quase parece amor. Acaba preso depois de uma rusga numa festa. Descobrimos que Patrick é, afinal, Mário, o menino que desapareceu do interior de Portugal em 1999. Descobrimos que, neste filme, a identidade é um processo em constante mutação, à procura de um lugar feliz, que, por vezes, é o mais escuro.

Da boémia francesa, Patrick salta para o mundo rural português, onde se reencontra com a sua terra. Filho e mãe reúnem-se outra vez, desconhecidos, e tentam encontrar a identidade daquela relação — se é que ainda existe. Para Hugo Fernandes foi um desafio ainda maior porque, apesar de o seu pai ser português, admite que não conhece assim tão bem o país. Menos ainda o interior, onde a natureza vai tapando feridas que não ficaram curadas. “Não conhecia Portugal muito bem. Era importante para mim estar imerso nessa cultura que está próxima sem realmente estar”, afirma. É assim que se sente Patrick em solo português: aprende a tomar conta das flores, banha-se no rio, trata da vegetação, mas com o desdém de quem não pertence aquele lugar.

Não faltou tempo para Hugo Fernandes se relacionar com as origens, já que a rodagem em Portugal “foi muito mais lenta” do que na Alemanha. Filmado por ordem cronológica, “Patrick” também se transformou num processo exaustivo para Hugo Fernandes, o que ajudou a construir a intensidade da personagem, a descobrir o lado mais negro de um miúdo que passa rapidamente de vítima a agressor, sem nunca conseguir escolher um. “Estávamos muito longe do meu quotidiano. Fiz idas e vindas durante 5 meses antes das filmagens. Estivemos no campo, muito unidos, entre atores e técnicos. Acho que nunca conheci uma equipa como a que se juntou neste filme. Essa intensidade ajudou-me a construir a personagem”.

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Mais do que um filme, “Patrick” é um exercício visual sobre a dor e o sofrimento, sobre como reagimos quando o passado regressa a casa. © DR

Por outro lado, é na linguagem que se fecham as fronteiras entre os dois “eus”. É que Hugo Fernandes fala pouco português e aquilo que poderia ser entendido como uma falha, acabou por ser o gancho necessário para estabelecer as diferenças entre Mário e Patrick. A língua materna sai a medo, distanciada mas com ternura. Um relembrar de uma infância feliz, de quem está a crescer e a voltar a conhecer-se, interrompida pelo horror de um corpo abusado. O português apropria-se da personagem quando vemos a sua relação com a mãe ou com a prima (Alba Batista). Já o francês surge frio, direto, tenso. A gritar revolta por todos os lados. “No início, o Gonçalo não queria que falasse português, para que mantivesse o mix das duas línguas. Ele gostou bastante do meu português mau. E depois foi muito aberto a nível do acting. Nunca me senti desconfortável. O facto de ele próprio ser ator tornou tudo mais fácil”, confessa.

Mas há, sobretudo, violência nesta narrativa — mais nos silêncios do que nas palavras. Nada que tenha amedrontado Hugo Fernandes, que viu na mudez narrativa uma forma de experimentar outras coisas. “Toda a violência no filme vem de olhares e silêncios. Isso permite que os atores tenham uma ampla gama de interpretações. Também me permitiu conhecer os meus limites”, afirma.

É verdade que este é o primeiro papel do luso-francês como protagonista, mas as câmaras não lhe são estranhas. Em 2011 teve um dos papéis principais em “Les vents contraires” (Jail Lespert), colaborando depois em diversas curtas-metragens e mais uns tantos papéis secundários — e ainda participou em duas séries (“Ad Vitam” e “Sam”) e numa longa metragem (“Sauvages”). Ainda que representar seja “muito importante”, Hugo Fernandes não se quer dedicar “exclusivamente ao cinema”. Até porque está a estudar na Les Arts Déco, uma escola onde consegue explorar a sua veia de artista plástico — ao mesmo tempo que investe na serigrafia, algo que começou quando tinha apenas 14 anos, “sozinho no quarto”. “O meu trabalho nessa área permite-me encontrar um equilíbrio. Estou a realizar a minha primeira curta-metragem, onde coloquei toda a energia. Tenho a impressão de que esse formato pode unir todas as minhas paixões”, conclui.