São 65 obras de 54 artistas ou duplas, foram produzidas entre 2005 e 2020 e passam a integrar a Coleção de Arte Contemporânea do Estado, dirigida pelo historiador David Santos — a mesma que esteve sob polémica há alguns meses devido ao desaparecimento de obras (94 que podem ter sido furtadas e 18 cuja localização ainda terá de ser verificada junto dos registos Centro Português de Fotografia).
A lista de aquisições, que o Observador divulgou esta segunda-feira ao início da tarde, foi apresentada pela ministra da Cultura numa cerimónia no jardim do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, pelas 17h00, onde marcaram presença vários galeristas, curadores e artistas. “Esta cerimónia é um marco muito importante para a arte contemporânea portuguesa”, enalteceu Graça Fonseca, confirmando o investimento total de 500 mil euros nas 65 obras e adiantando que no próximo ano o montante ascenderá a 650 mil.
A ministra prometeu um milhão de euros até ao fim do mandato para aquisições de arte contemporânea e revelou que as 65 obras agora divulgadas, mais as 21 compradas no ano passado, vão dar origem a uma “grande exposição” no primeiro semestre de 2021, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia. “Estamos à procura de um local no eixo da sede da presidência da União, em Belém [Lisboa]. É um semestre muito importante no sentido de Portugal ser uma montra para a Europa, é uma oportunidade para mostrar o que de melhor se faz em Portugal na área da criação artística. A programação cultural para a presidência da União inclui uma grande exposição em Bruxelas com mulheres artistas, com curadoria de Helena Freitas, e em Lisboa também estamos a preparar uma programação”, justificou Graça Fonseca.
Ana Pérez-Quiroga, Armanda Duarte, Artur Barrio, Augusto Brázio, Daniel Blaufuks, Fernanda Fragateiro, Gabriel Abrantes, João Onofre, João Pedro Vale, Luís Lázaro Matos, Mariana Caló e Francisco Queimadela, Pauliana Valente Pimentel e Susana Gaudêncio são alguns dos nomes incluídos na lista. Há 16 mulheres, ao todo, e obras de fotografia, pintura, escultura, vídeo e instalação.
A compra foi feita pelo Ministério da Cultura através da Comissão Para a Aquisição de Arte Contemporânea, de que fazem parte desde o ano passado Sandra Vieira Jürgens (crítica e curadora), Eduarda Neves (investigadora e curadora), Manuel João Vieira, Sara Nunes e André Campos (três artistas) e ainda, como representantes do Governo, David Santos (historiador) e David Teles Pereira (assessor da ministra da Cultura, com formação em direito).
A comissão, foi anunciado na cerimónia desta segunda-feira, cessa agora funções mas ficará ainda encarregue da curadoria da exposição em 2021. “Fez um trabalho representativo, democrático e de serviço público em colaboração com artistas, curadores e galerias”, defendeu Graça Fonseca. Os novos nomes, propostos pelos membros cessantes e aceites pela ministra, serão em 2021 e 2022 Ana Anacelto, Carla Cruz, Fernando J. Ribeiro, Horácio Frutuoso, Mariana Pinto dos Santos e Pedro Portugal, além de dois representantes do Governo, cujos nomes só deverão ser decididos a partir de setembro.
Numa primeira reação, ao início da tarde, o curador independente Miguel Mesquita disse ao Observador que estas aquisições são um “fator importante para a dinamização do mercado” português da arte contemporânea e vêm “colmatar a falta de investimento do Estado na produção artística de uma determinada geração ao mesmo tempo que não ignora a produção atual”. No entanto, sublinhou, continua a falar uma “estratégia de investimento no setor das artes plásticas”.
No entender de Miguel Mesquita, a lista agora conhecida “vem salientar” problemas que já tinham ficado patentes no ano passado, quando da primeira leva de aquisições. Primeiro: “Desinteresse pela paridade de género”, pois a proporção de artistas é de 16 mulheres para 35 homens, a que acrescem duas duplas mistas.
O tema da paridade de género tem sido uma constante no discurso da ministra da Cultura, segundo a qual se trata de uma “prioridade”. “Importa resgatar as mulheres artistas, não para afirmar o género, mas para corrigir as assimetrias artísticas por causa do género, que são coisas profundamente diferentes”, afirmou Graça Fonseca em março do ano passado. Esta segunda-feira, no mesmo sentido, referiu-se à coleção como “diversa, representativa e inclusiva”.
Segundo problema, segundo o curador: “A aquisição de obras de um maior número de artistas em detrimento da aquisição de núcleos representativos de um número mais restrito.”
“Se no que diz respeito a artistas mais jovens esta opção pode ser compreendida, porque permite ir adquirindo obras à medida que o seu percurso evolui, em artistas em meio de carreira ou já estabelecidos, como é o caso de Fernanda Fragateiro, não se compreende a aquisição de peças isoladas, que singularmente são pouco representativas das suas investigações artística e dos corpos de trabalho respetivos”, analisou Miguel Mesquita.
O curador disse ainda que faria mais sentido o Ministério da Cultura perceber que nomes ou correntes estão em falta na Coleção do Estado e decidir comprar em função disso. Esta “aquisição compulsiva de artistas” é “preocupante”, na opinião do curador, porque “manifesta a falta de clareza sobre a estratégia expositiva e museológica associada à proposta de consolidação da Coleção do Estado e não traduz um sentimento de continuidade, o que enfraquece o compromisso do Estado no fundo de aquisição”.
Ao Observador, durante a apresentação no MNAA, Sandra Vieira Jürgens, porta-voz da comissão, explicou os critérios utilizados na escolha de obras e artistas. “Fizemos um seleção representativa da arte contemporânea. Tivemos em atenção os artistas mais consagrados, mas também a nova geração, atendemos ao projeto conceptual e plástico de cada artista, para encontrarmos as melhores obras desses mesmo artistas. A internacionalização e a experiência profissional, nomeadamente os sítios onde cada um já expôs, também foram aspetos valorizados.”
Os membros da comissão indicaram nomes de artistas, pediram-lhes portfólios, ou às galerias que os representam, e a partir de uma análise decidiram-se pela compra de uma obra. Segundo Sandra Vieira Jürgens, foi ainda considerada “a pertinência de cada obra no contexto da coleção já existente”. “Esta comissão decidiu não comprar obras de artistas já representados, porque a lacuna de 20 anos é tão grande que não fazia sentido comprar uma terceira ou quarta obra de um mesmo criador e esquecer novos nomes, não necessariamente de artistas jovens”, acrescentou.
Quase 20 anos sem obras novas
A Coleção de Arte Contemporânea do Estado — até há pouco tempo conhecida como Coleção SEC (Secretaria de Estado da Cultura), criada em 1976 pelo então secretário de Estado David Mourão-Ferreira — tem vindo a ser reabilitada pelo Governo de António Costa, desde que Castro Mendes foi ministro da Cultura. A coleção é independente da que constitui o acervo do Museu do Chiado, único museu público de arte moderna e contemporânea.
A exibição das obras em unidades hoteleiras privadas, no âmbito do programa governamental Revive (de recuperação de edifícios históricos e concessão por 50 anos), não deverá verificar-se este ano, disse a ministra, segundo a qual as obras vão futuramente “estar à fruição pública” e circular em centros de arte contemporânea já existentes, como aquele que recentemente abriu portas em Coimbra, e servem até “como incentivo” para o aparecimento de novos espaços.
“Vai ser definido se a coleção fica [em depósito] no Museu de Arte Contemporânea do Chiado. A coleção, como sabem, está em diferentes locais do país: Serralves, CCB… A Coleção de Arte Contemporânea do Estado nunca incluiu o que estava nos museus, estava centralizada e mantém essa autonomia, à guarda da Direção-Geral do Património Cultural. Tem uma determinada unidade, diferente do que cada museu tem como espólio próprio”, precisou a titular da pasta da Cultura. “A coleção é mais do que a soma das 1290 obras que agora a constituem. Não é uma coleção em depósitos, é uma coleção viva para os museus e centros de arte contemporânea. Uma coleção desta dimensão, quando não é visível, não cumpre o seu propósito”, afirmou.
A ausência de aquisições desde 2001 levou um grupo de artistas a apresentar um protesto junto do Governo em outubro de 2018. No ano seguinte, foi constituída a atual Comissão Para a Aquisição de Arte Contemporânea. O primeiro conjunto de aquisições, relativas a 2019, foi conhecido em janeiro deste ano: 21 obras de 20 artistas num investimento de cerca de 300 mil euros. Nenhum nome de 2019 consta da lista deste ano.
No ano passado, a ministra Graça Fonseca deu ordem à Direção-Geral do Património Cultural, que tutela a coleção desde 2017, para conferir o inventário e verificar as peças em falta, tendo-se concluído já em fevereiro deste ano que é desconhecido o paradeiro de 112 obras (e não de 170, como inicialmente se pensava). O caso está a ser investigado pelo Ministério Público, através do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, mas o inquérito ainda se encontra sob segredo de justiça.
Presente na apresentação, a galerista Cristina Guerra, que em entrevista recente ao Observador, se mostrou crítica das políticas culturais do atual Governo, disse-se satisfeita perante o anúncio de aumento da verba para aquisições de arte contemporânea. “Um milhão até ao fim do mandato é muito bom num país onde há quase 20 anos não se fazia nada, mas resta saber se isto será mesmo concretizado”. A Galeria Cristina Guerra vendeu duas obras para a Coleção do Estado, de João Onofre e Mariana Gomes. “Esta ministra tem uma atitude positiva, no sentido em que aparece, ouve e tenta fazer. Já falámos e estou a lutar por um museu de arte contemporânea em Lisboa”, sublinhou.
Eis a lista completa de artistas e obras agora integrados na Coleção do Estado:
- Alice Geirinhas – “Take Me Now, Baby, Here As I Am” (acrílico sobre tela, 2017)
- Ana Manso – “Thoughts in Córdoba” (óleo sobre tela, 2019)
- Ana Pérez-Quiroga – “Breviário do Quotidiano#8” (fotografias e filme, 2016)
- António de Sousa – Sem título7/Loukanikos (cabelos colados em parede, 2010)
- António Olaio – “3 Stripes Weighing Over My Shoulder” (série La Prospettiva is Sucking Reality) (óleo sobre tela, 2010)
- Armanda Duarte – Dorso (arame de zinco, tampas de lata, dobradas e alinhadas, sobre o chão, 2019)
- Artur Barrio – “NADA não é DÁDÁ é NADA” (instalação, 2019)
- Augusto Brázio – “Vende-se #5” (fotografia, 2012)
- Bruno Pacheco – “Seven Figures with a White Mantle” (óleo sobre tela, 2011)
- Carlos Correia – Sem título (nº 4); Sem título (Avião #054; Nº 36); Sem título (Devir; Nº 86) (óleo e acrílico sobre tela, 2005, 2008, 2016)
- Catarina Botelho – Série Qualquer Coisa de Intermédio (fotografia, 2019)
- Cecília Costa – “Ouroboros” (ampulhetas sobre madeira, 2019)
- Cristina Lamas – Sem título/Be Strong (guache sobre papel, 2013)
- Cristina Mateus – “Vértice 2” (fotografia, 2005)
- Daniel Blaufuks – “I Selfish” (fotografia, 2018)
- Diogo Bolota – “Ritmo” (madeira lacada, 2016)
- Eduardo Matos – “Desvio – O Intervalo Entre As Coisas” (Primeira Leitura) (instalação, 2019)
- Fernanda Fragateiro – “Unbuilt, after Casas na Herdade do Mercador” (aglomerado de madeira e aço, 2016)
- Fernão Cruz – “Excalibur” (plástico, papel, fita adesiva…, 2018)
- Gabriel Abrantes – “Les Extraordinaires Mésaventures de La Jeune Fille de Pierre” (filme, 2019)
- Gonçalo Barreiros – Sem título (ferro pintado, 2016)
- Gustavo Sumpta – “Metal Sonante” (esculturas em bronze, 2017)
- Hugo Canoilas – “Ama o Amanhecer e o Pôr do Sol, Pois Não Existe Nada Mais Inútil” (acrílico sobre linho, 2016)
- João Fonte Santa – “Reisen in Brasilien” (acrílico sobre tela, 2016)
- João Gabriel – Sem título (acrílico sobre papel, s.d.)
- João Onofre – “Untitled (N’en Finit Plus)” (video, 2010-2011)
- João Queiroz – Sem título (Encáustica sobre madeira, 2015)
- João Pedro Vale – “Discreet” (wallmate, papel, tecido…, 2015)
- Jorge Queiroz – Sem título (Aguarela, guache, lápis de pastel…, 2014)
- José Maçãs de Carvalho – Arquivo e Democracia; Untitled (HK #10) (imagem, 2017)
- Júlia Ventura – Sem título/“A Imagem Extrínseca” (instalação vídeo, 2005)
- Luís Lázaro Matos – Tomber Dans Le Lac (vídeo, 2018)
- Mafalda Santos – Muro para conter reflexões (papel e madeira, 2019)
- Manuel Santos Maia – “Alheava” (vídeo, 2005-07)
- Mariana Caló e Francisco Queimadela – “Sombra Luminosa” (vídeo, 2018)
- Mariana Gomes – Sem título/”Azul” (acrílico e óleo sobre tela, 2019)
- Mattia Denisse – “História fantástica do mergulho II” (lápis de cor em papel, 2017)
- Miguel Leal – “Caleidoscópio (Pedras, Cavernas e Figuras)” (diaporama, 2010-18)
- Mimi Tavares – “Deslize” (acrílico sobre tela, 2019)
- Nuno Sousa Vieira – “As Portas Mortas” (madeira e ferragens, 2017)
- Pauliana Valente Pimentel – Narcisismo das Pequenas Diferenças (“Casa da família Athayde Motta, Ponta Delgada”) (fotografia, 2018)
- Pedro A. H. Paixão – “L’Innocente” (grafite sobre pepel, 2019)
- Pedro Barateiro – Untitled (“Die Bevölkerungsexplosion”) (fotografia, 2008)
- Pedro Cabral Santo – “Su Pressione” (metal, madeira, 2009)
- Pedro Sousa Vieira – Sem título (fotografia, 2017)
- Ramiro Guerreiro – Sem título (grafite, tinta acrílica sobre pano cru em estrutura de ferro, 2009)
- Renato Ferrão – “Máquinas” (dispositivos óticos, 2016)
- Rui Calçada Bastos – Sem título (“Paapandrecht”) (fotografia, 2017)
- Tiago Alexandre – “Mums Child” (papel, 2018)
- Tiago Baptista – Sem título (óleo sobre tela, 2018)
- Patrícia Garrido – “Mobília em 15 cm” (madeira e ferragens, 2018)
- Rita Castro Neves e Daniel Moreira – Jardins Botânicos, Coimbra e Rio de Janeiro (estudo 02) (madeira, vídeo, papel, fotografia, 2017)
- Susana Gaudêncio – “In a Place Called Lost, Strange Things are Found #3” (cartazes papel, 2020)
- José Luís Neto – “July 1984” (fotografia 2012)