Subiu para 157 o número de vítimas mortais das explosões na zona portuária de Beirute na tarde de terça-feira. Há ainda 5.000 feridos e centenas de desaparecidos, confirmou o ministro da Saúde libanês. As autoridades avisam que o número ainda deve subir à medida que as equipas de busca continuam a operar nas zonas afetadas pelas explosões e no mar junto ao porto de Beirute.

As investigações em torno das explosões já resultaram na detenção de 16 pessoas só nesta quinta-feira. A Agência de Notícias Nacional libanesa divulgou uma notícia que citava o comissário do Governo junto do juiz do tribunal militar Fadi Akiki, na qual este dizia que 18 pessoas foram interrogadas até ao momento. Todas elas são responsáveis do porto e das alfândegas, bem como funcionários encarregados da manutenção do hangar em que as 2.750 toneladas de nitrato de amónio estiveram armazenadas durante anos.

Akiki disse que a investigação começou logo depois da explosão de terça-feira à noite e que vai continuar, abrangendo todos os suspeitos da explosão.

Três pessoas tinham já sido detidas por suspeita de negligência. São três funcionários que soldavam um buraco na porta do Bloco 12, o contentor onde estavam depositadas 2.700 toneladas de nitrato de amónio, e que abandonaram o local pouco antes de o material ter detonado.

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Os detalhes foram publicados por Salem Zahran, diretor do Media Focal Center, no Twitter. O jornalista e analista político defendeu que estas detenções “são o início” e que as responsabilidades “vão desde quem ordenou a soldadura até 2014, no momento do armazenamento” dos químicos: “A investigação pode começar a partir dos pés, mas deve chegar aos altos cargos”:

Logo na terça-feira, uma investigação preliminar teorizou que as explosões podem ter sido detonadas com as faíscas emitidas durante a soldadura de um buraco naquele armazém. O nitrato de amónio, sobretudo quando contaminado com outras substâncias, tem um alto risco de explosão quando exposto a altas temperaturas (260ºC a 300ºC quando fechado num contentor) e emite gases potencialmente tóxicos nessas circunstâncias.

Num comentário aos relatos das explosões com origem nesta substância, Clive Williams, professor do Centre for Military and Security Law, defende que “parece-me improvável que seja obra de um ato malicioso ou externo. A minha conclusão com base nas evidências até agora é que foi um acidente industrial”.

De acordo com Stewart Walke, professor da Escola de Química Forense, Ambiental e Analítica, explicou que o fumo branco e cinzento que antecede a nuvem verme e castanha indica que “os gases libertados são vapores de nitrato de amónio branco, óxido nitroso vermelho ou castanho e água”. 

O secretário-geral da Cruz Vermelha Libanesa tornou público que as unidades de busca e salvamento estão a fazer buscas no mar e a recuperar restos mortais junto ao porto de Beirute. George Kittana afirmou em entrevista à LBCI que esses restos mortais ainda não foram identificados e, por isso, serão guardados em arcas frigoríficas.

Macron em Beirute: “Explosão deve ser início de nova era”

O presidente francês Emmanuel Macron juntou-se ao homónimo libanês, Michel Aoun, esta quinta-feira e juntos foram visitar as regiões mais afetadas pelas explosões. Macron lamentou os acontecimentos de terça-feira, mas deixou um recado aos governadores do país: sem reforma, o Líbano “vai continuar a afundar”.

É preciso “dizer as verdades”, defendeu Macron em declarações aos jornalistas: “Além da explosão, sabemos que a crise aqui é séria, envolve a responsabilidade histórica dos líderes no local. Não podemos deixar de contar uns aos outros algumas verdades”.

Uma multidão reuniu-se em torno do presidente francês enquanto caminhava na baixa de Beirute, entre os escombros dos edifícios: “Ajude-nos, por favor, ajude-nos. O que vai fazer por nós?”, clamavam os libaneses que se encontraram com Emmanuel Macron na rua. E acrescentavam: “Queremos a Revolução, queremos a queda do regime”. Um homem gritou ainda: “Esperemos que esta ajuda vá para o povo libanês, não para os líderes corruptos”.

O presidente francês respondeu às mensagens: “Vejo a emoção nos vossos rostos, a tristeza, a dor. É por isso que estou aqui. Mas o que também é necessário aqui é uma mudança política. Esta explosão deve ser o início de uma nova era“, disse Macron.

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Emmanuel Macron adiantou ainda que França está a organizar uma “conferência internacional” para “ajudar Beirute e a população libanesa de forma a mobilizar financiamento internacional” para cuidados médicos, alimentação e habitação. Esses fundos, garantiu, serão aplicados com “total transparência”.

A visita de Macron ao Líbano foi criticada em França, com o líder do Partido Socialista francês, Olivier Faure, a dizer-se “perplexo” com o discurso do presidente francês. “Independentemente do que se pensa dos líderes libaneses, que legitimidade tem ele para se apresentar como o seu salvador?”, disse.

O líder do movimento França Insubmissa (esquerda), Jean-Luc Mélenchon, alertou, por sua vez, para a “ingerência na vida política do Líbano”. “Não será aceite. O Líbano não é um protetorado francês. Eu aviso os libaneses sobre as reformas de Macron: protejam as reivindicações da sua revolução dos cidadãos.”

George nasceu durante as explosões em Beirute

No meio do desastre, uma história de sobrevivência e esperança brota em Beirute: a de um bebé que nasceu quando o hospital onde a mãe dava à luz foi atingido pela onda de impacto espalhada pela explosão por toda a cidade. O pai, Eddy Khnaisser, filmava a entrada da mulher Emma no bloco de partos e acabou por captar o momento em que o hospital foi atingido pela força das explosões no porto da cidade.

https://www.facebook.com/edmondkhnaisser/posts/10159118501194131

Numa publicação no Facebook, Eddy Khnaisser avança que toda a família está bem e agradece à equipa médica, que rapidamente se reorganizou para trazer ao mundo o bebé George: “Ontem, o meu filho George nasceu sob uma explosão catastrófica! Foi uma loucura! Não acreditei que saímos vivos. A minha mulher está ótima e o bebé George está incrível!”.

A publicação inclui fotografias do parto. Numa delas, a equipa médica usa a lanterna de um telemóvel para vigiar a operação enquanto, lá fora, a fachada do edifício está danificada pela onda de impacto. Noutra imagem, uma enfermeira ausculta a criança numa sala destruída junto a uma janela que permite espreitar o pânico na rua.

Leia esta e mais histórias das explosões de terça-feira no artigo aqui em baixo.

A mulher que continuou ao piano, a sessão de fotos de uma noiva e um parto. O que a explosão de Beirute parou e não parou

Detetadas “violações aéreas” israelistas no dia das explosões

O Comando do Exército libanês anunciou que foram detetadas “13 violações aéreas hostis” israelitas entre as 13h45 de terça-feira e as 14h15 do dia seguinte (horas locais) “sobre as regiões Aley, Chouf e Sul”, nas proximidades de Beirute. As explosões ocorreram às 18h15 locais.

O comunicado, noticiado pela LBCI (o maior canal de televisão do país), afirma que “a 05 de agosto [dia seguinte às explosões], aviões de guerra inimigos israelitas violaram o espaço aéreo libanês e realizaram um voo circular sobre todas as regiões libanesas”.

Além disso, “um drone pertencente ao inimigo israelita violou o espaço aéreo libanês por uma distância de cerca de 100 metros por um período de 15 minutos e captou fotografias de um ponto de observação do exército no sul antes de ter deixado o espaço aéreo em direção ao interior”.

O documento declara ainda que, entre as 14h35 do dia das explosões e as 00h35 da quarta-feira seguinte, “ foi realizado um voo circular sobre o mar entre Tiro e Naqoura, Beirute e seus subúrbios“. O comunicado não afirma se estas violações podem ou não ter alguma relação com as explosões. A Força Interina das Nações Unidas no Líbano está a monitorizar a situação.

Explosões abriram cratera com 123 metros

A Casa Branca confirmou que não exclui a hipótese de ataque em Beirute.  Donald Trump — que nas primeiras horas após as explosões falava do detonamento de “uma bomba de algum tipo” em Beirute — elaborou: “Posso dizer que o que aconteceu, não importa como, é terrível. Mas eles não sabem realmente o que foi. Ninguém sabe ainda”. E prosseguiu: “Eu ouvi as duas coisas. Ouvi que foi um acidente e ouvi que eram explosivos“.

As explosões na zona portuária de Beirute abriram uma cratera com 123 metros de diâmetro e 42 metros de profundidade no local onde ficava o armazém carregado com 2.700 toneladas de nitrato de amónio na origem provável do incidente.

As imagens partilhadas no Twitter pela Airbus Space, assim como as fotografias aéreas que chegam de Beirute desde o fim de tarde de quarta-feira, testemunham a brutalidade das explosões, que varreram por completo a zona portuária da cidade e foram ouvidos no Chipre, a cerca de 250 quilómetros dali.

Uma das vítimas mortais das explosões é uma mulher que trabalhava na embaixada alemã em Beirute, confirmou o ministro Heiko Maas em comunicado de imprensa: “Os nossos piores temores confirmaram-se. Um membro da nossa embaixada em Beirute morreu no seu apartamento na sequência da explosão. Todos os membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros estão em luto”.

Ajuda humanitária já começou a chegar ao Líbano

Depois da Rússia, que enviou o primeiro de três aviões com equipas de socorro, médicos e material médico a bordo, um avião militar turco com ajuda médica, medicamentos e equipamento para detetar pessoas desaparecidas chegou esta noite ao país.

Eram 01h30 locais, menos duas em Portugal Continental, quando o aparelho foi recebido pelo chefe da Organização de Socorro e Emergência da Turquia, pelo assessor do ministro da Saúde e pelo embaixador da Turquia no Líbano.

A presidência argelina também confirmou que enviará quatro aviões e um navio com ajuda humanitária, equipas médicas, bombeiros, alimentos e materiais de construção. A Tunísia juntou-se a estes países e não só enviou dois aviões militares com ajuda humanitária (como, de resto, a Arábia Saudita também planeia fazer em breve) como recolheu 100 dos feridos provocados pela explosão para serem tratados.

UE ajuda com 33 milhões de euros e equipas de buscas

Já esta quinta-feira, depois de um telefonema entre Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia) e Hassan Diab, primeiro-ministro libanês, a União Europeia anunciou que vai enviar 100 bombeiros de busca e resgate altamente treinados, com veículos, cães e equipamentos médicos de emergência; reforços para as equipas de deteção química, biológica, radiológica e nuclear; um navio militar com heliporto para evacuação médica e equipamentos médicos e de proteção; e a ativação do sistema de mapeamento por satélite Copérnico para ajudar a avaliar a extensão dos danos.

A União Europeia prepara-se ainda para mobilizar mais de 33 milhões de euros para as primeiras necessidades de emergência, apoio e equipamento médico e protecção de infra-estruturas críticas. Esse valor pode ser aumentado “dependendo da avaliação das necessidades humanitárias em curso”, diz o comunicado.

Entretanto, Elie Tarbayeh, presidente da Associação de Companhias de Seguros, disse que vai esperar pela conclusão das investigações em torno das explosões em Beirute para determinar se os estragos serão cobertos pelas seguradoras. “No estágio atual, serão nomeados especialistas para descobrir os danos no porto e para descobrir as causas do acidente, desde que a decisão final seja tomada com base nos dados recebidos”, defendeu.

Manifestantes protestam contra o governo junto ao Parlamento. Polícia responde com gás lacrimogéneo

A televisão britânica ITV noticiou que as autoridades libanesas lançaram gás lacrimogéneo para dispersar dezenas de manifestantes, que, em Beirute, protestaram contra o governo, a quem atribuem responsabilidades na explosão de terça-feira.

Os protestos aconteceram perto do parlamento. Os manifestantes vandalizaram lojas e atiraram pedras contras as forças de segurança, de acordo com a agência de notícias estatal. A polícia respondeu com gás lacrimogéneo.