As vinhas, as árvores de fruto e o Estevão, o meigo cão de gado transmontano que impõe respeito pelo seu porte, dão as boas vindas a quem chega à Quinta de Ventozelo, em Ervedosa do Douro, São João da Pesqueira. Situada na margem esquerda do rio, esta é uma das maiores e mais antigas quintas do Douro – a primeira referência é de 1500. Conta a história que era terra cultivada pelos monges da Ordem de Cister, grandes impulsionadores da agricultura local e fundadores do famoso vinho do Porto, que povoaram a região durante a Idade Média. O seu passado estava essencialmente ligado ao pão, à caça e ao azeite, só mais tarde se fez notar no universo vinícola.

Após a extinção das ordens religiosas, Ventozelo passou por seis proprietários diferentes até que em 2014 se juntou à família da Gran Cruz, a maior empresa exportadora de vinho do Porto em Portugal. O grupo já comprava as uvas da quinta à antiga proprietária espanhola desde 2011, mas decidiu explorar por completo o potencial de um terreno com 400 hectares, dos quais 200 são vinha, 150 são mata e 20 são olival.

“Este foi um projeto adiado por várias famílias ao longo dos anos, ninguém tinha fundos suficientes para transformar Ventozelo. Era algo que estava na gaveta e foi finalmente posto em prática. Não podíamos guardar isto só para nós, seria um pecado não partilhar este pedaço de paraíso”, explica ao Observador Jorge Silva, diretor-geral da Gran Cruz, que quando aqui chegou encontrou edifícios degradados e castas desajustadas.

Durante dois anos, historiadores, geógrafos, paisagistas e engenheiros ambientais traçaram um projeto a regra e esquadro que se ergueu num ano e meio, tendo como premissa preservar a história, o património e a paisagem, fazendo uma vénia ao antigamente. No final de 2019, a Quinta de Ventozelo abriu portas a um hotel rural de quatro estrelas, onde a intenção é que o Douro não seja apenas um postal bonito, mas que o hóspede possa fazer parte do seu quotidiano.

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A Quinta de Ventozelo pertence ao Grupo Gran Cruz desde 2014 (Foto: Luís Ferraz)

Uma casa, um conceito, uma decoração

O projeto de reabilitação arquitetónica, assinado por Carlos Santelmo, faz lembrar uma  típica propriedade duriense, onde imperam as construções modestas em xisto e madeira. Os 29 quartos estão distribuídos por sete casas preexistentes e com tipologias diferentes, cuja decoração ficou a cargo do gabinete vimaranense Nby. A Casa do Feitor tem direito a uma sala comum aos seis quartos, um deles é o único que está preparado para receber pessoas com mobilidade reduzida. Na Casa do Laranjal, todos os quartos têm acesso a uma varanda própria, onde se pode ver um pequeno pátio rodeado por laranjeiras, bancos de ferro e dois tanques onde apenas se ouve a água a cair.

Perto dali está talvez a opção de alojamento mais arrojada. Imagine um antigo balão em cimento capaz de armazenar 200 mil litros de vinho transformado num quarto. Sim, há dois iguais e além de uma acústica perfeita, têm uma pequena claraboia no teto, dando a luz natural suficiente. Descendo uma rampa em pedra chegamos à Casa dos Cardanhos, lugar onde antigamente pernoitavam os trabalhadores da quinta. Aqui todos os quartos têm vista para o rio. Mais abaixo, mergulhada entre a vinha, está a Casa Romântica, com apenas uma suite. Além de um chuveiro exterior, é a única que tem banheira na casa de banho, mas por ser toda envidraçada torna-se bastante exposta a quem passeia por ali.

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Numa quota mais baixa da propriedade mora a Casa do Rio, cujo alpendre parece flutuar nas águas do Douro e a salamandra faz não temer os dias mais frios, e a Casa Grande, uma opção mais exclusiva para quem quer reunir os amigos ou a família. Com um sino antigo à porta, seis quartos batizados com nomes de animais de caça, três salas, uma cozinha equipada, uma piscina privada com balneários, um jardim relvado e até um heliporto, esta casa só pode ser alugada na totalidade e é ideal para festas ou dias especiais.

Com exceção dos hóspedes da Casa Grande, todos os outros podem usufruir de uma piscina sobre o rio com um bar que em breve servirá cocktails, saladas e pequenos snacks. A maioria dos quartos tem televisão, um muito discreto ar condicionado, bastante luz natural e arrumação. O branco e os tons terra são as cores predominantes numa decoração que oscila entre o clássico e o campestre, saltando à vista tapetes tribais, brinquedos antigos, chapéus de palha e cabeças de veado pendurados na parede ou tambores e malas de viagem antigas que foram convertidos em mesas de centro. O silêncio reina durante a noite, os pássaros dão de si pela manhã, mas se tem dificuldade em adormecer com luzes de presença leve um tapa olhos. Entre o ar condicionado, a televisão e a sinalética de saída, são vários os pontos permanentemente iluminados, capazes de ferir um sono tranquilo.

Em cada quarto encontrará um kit à prova de vírus com solução assética, luvas, máscaras e toalhitas higiénicas hidro-alcoólicas. Cada quarto terá um período de 24 horas entre utilizações e na decoração haverá agora a redução de alguns objetos têxteis para simplificar a limpeza.

Colhido da terra ou pescado no rio diretamente para a Cantina de Ventozelo

Esqueça os menus de degustação, os produtos importados ou os empratamentos gourmet. No restaurante Cantina de Ventozelo, local onde antigamente os trabalhadores faziam as suas próprias refeições, a carta tem a consultoria do chef Miguel Castro e Silva e baseia-se fundamentalmente na gastronomia local, feita com ingredientes sazonais. Couve, beterraba ou acelga são alguns ingredientes cultivados na quinta, assim como uma boa dose de limões e laranjas, mas o que não se planta é trocadi com os produtores vizinhos. “O objetivo é disponibilizar o que nos é mais próximo, só se não houver na região ou na freguesia é que vamos buscar fora”, garante Jorge Dias, da Gran Cruz.

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Aberto a hóspedes e a não hóspedes, o espaço, que inclui um wine room, tem diariamente uma oferta diferente e pode variar entre o escabeche de truta, as pataniscas de bacalhau, a vitela barrosã, as empadas de javali ou as alheiras de Vinhais. Certa é a sopa feita num pote de ferro na fogueira circular que está à vista de todos, os doces gulosos, como o crumble de maçã, o pudim de mel com requeijão com doce de abóbora ou a torta de laranja, e os vinhos da casa capazes de harmonizar cada prato. Caso pretenda uma experiência mais rural e fiel ao passado, opte pela refeição servida na mesa do chef, onde todo o menu é feito no fogo. E se pensa que a viagem gastronómica se esgota no restaurante, engana-se. Na mercearia junto à receção vai poder levar para casa tudo o que se produz em Ventozelo, do vinho ao azeite, passando pelo mel, fruta e compotas.

O menu será servido em doses colocadas na mesa e não será feito o serviço à travessa, já a consulta da carta de vinhos e menus pode ser feita digitalmente através de QR code.

A pé, de bicicleta ou de jipe, há muito para descobrir

Pode gozar a piscina com um bom livro, mas se preferir conhecer os cantos à quinta e aventurar-se pelo desconhecido em Ventozelo não faltam atividades para uma autêntica experiência campestre. Calce as sapatilhas e faça-se a um dos sete percursos pedestres, que em breve serão devidamente sinalizados e terão direito a um áudio guia.

“É disponibilizada uma app, através da qual se obtém um áudio-guia  georreferenciado, que permite  fazer de forma autónoma as visitas e percursos pela quinta”, adiantam os responsáveis. Com mais ou menos dificuldade, mais ou menos íngremes, os caminhos variam entre um bosque verdejante com uma ribeira, onde pode encontrar espargos selvagens, a uma paisagem mais seca, onde as vinhas se podem ver bem de perto.

O pó, consequência de alguns trajetos, é capaz de dar cabo do seu nariz, mas, acredite, vale a pena. Caso o seu olfato sobreviva, pergunte as coordenadas do jardim das aromáticas e tente adivinhar onde estão plantados alguns dos ingredientes do gim Ventozelo. Hortelã pimenta, coentros, tomilho limão, alfazema ou perpétua roxa são apenas algumas pistas.

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Se caminhar não é a sua praia, alugue uma bicicleta, tradicional ou elétrica, e perca-se pela quinta, mas se desejar uma visita mais personalizada, que pode culminar numa vista altamente instagramável do Douro a 600 metros de altitude, solicite um passeio de jipe e segure-se bem. Os solos irregulares fazem com que provavelmente a viajem seja todo o terreno e à prova de alguma emoção. Além das provas de vinhos e da possibilidade de participar nas vindimas, há atividades cinegéticas disponíveis todo o ano, devidamente orientadas e licenciadas. Caça a javalis, observação de aves, sessões de espera, passeios noturnos ou largadas de perdizes são apenas alguns exemplos.

Em breve, a quinta terá uma horta biológica visitável e no cais nascerá uma plataforma para poder atracar pequenas embarcações. É precisamente nesta zona que, entre maio a outubro, pode procurar uma sombra no olival, estender uma toalha e fazer um piquenique. A comida, as bebidas e o transporte são assegurados pela quinta.

Não deixe de visitar o Centro Interpretativo, também aberto a não hóspedes, pois é lá que graças a uma exposição sensorial vai poder conhecer a história, a fauna e a flora de Ventozelo. Das instalações nas janelas à roda gigante com perguntas, passando por uma sala onde apenas se ouvem os sons da quinta, dedique algum tempo a este ponto. No fim da visita, espreite também a Capela de Nossa Senhora dos Prazeres, o lagar, o alambique ou a loja do cereal, ainda com moinhos, balanças e utensílios de outros tempos.

O que interessa saber

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Nome: Ventozelo Quinta & Hotel
Abriu em: Novembro de 2019
Onde fica: Ervedosa do Douro. 5130-135 S. João da Pesqueira
O que é: Uma das maiores e mais antigas quintas no Douro convertida num hotel rural
Quem manda: Jorge Dias, grupo Gran Cruz Porto
Quanto custa uma noite: A partir de 115 euros
Qual é a vista: Douro
Contacto: 25 473 2167
Reservas: geral@quintadeventozelo.pt
Links importantes: Site, Facebook e Instagram
Curiosidades: O restaurante Cantina de Ventozelo tem uma carta assinada pelo chef Miguel Castro e Silva

O Observador esteve alojado a convite do Ventozelo Quinta & Hotel