A Bentley escolheu o mês de Agosto para surpreender o mercado, ao anunciar que está a trabalhar há 18 meses num projecto para um novo motor eléctrico, inovador e suportado por duas surpresas sob o ponto de vista tecnológico: primeiro, porque não recorre a terras raras para a produção dos seus magnetos, sem os quais não há motores eléctricos modernos e, depois, porque deixa de recorrer às tradicionais bobinas de cobre.
A Bentley não está só neste projecto, denominado Octopus (de Optimised Components, Test and simulatioOn, toolkits for Powertrains which integrate Ultra high-speed motor Solutions), que conta com o apoio do governo inglês, através do Gabinete para Veículos de Baixas Emissões. Juntamente com o fabricante britânico do Grupo Volkswagen estão empresas especialistas do sector, nomeadamente a Advanced Electric Machines, a HiETA Techonologies e a FD Sims, a que se associaram igualmente centros de investigação universitários como o The Thinking Pod Innovations, na Universidade de Nottingham, e o The Institute for Advanced Automotive Propulsions Systems, na Universidade de Bath.
Segundo a Bentley, após os iniciais 18 meses de investigação, seguem-se mais três anos de desenvolvimento, período ao fim do qual o construtor britânico estará pronto a apresentar ao mercado um novo motor eléctrico revolucionário, com magnetos superiores aos actuais e sem recurso a terras raras e bobinas de cobre, tornando-os mais eficientes, mais baratos e ainda recicláveis quando atingirem o tempo de vida útil.
A Bentley avança ainda que estes avançados motores vão surgir como unidades motrizes completas e integradas, ou seja, com motores eléctricos, transmissão e unidades de gestão, sendo que a marca de Crewe está a contar com esta inovação para locomover o seu primeiro veículo eléctrico em 2026.
Banir as terras raras é uma vantagem importante?
Desde que a Toyota passou a utilizar magnetos produzidos com terras raras nos motores eléctricos do Prius, em 1997, que o recurso a este tipo de minerais passou a ser usual na indústria automóvel, sobretudo no que respeita aos motores.
Há várias minerais que permitem fabricar magnetos, mas os mais potentes são os que recorrem a neodímio (na realidade NdF3B, ou seja, neodímio, ferro e boro), sobretudo quando misturado com disprósio (Dp), para elevar a capacidade de suportar temperaturas mais elevadas. Sucede que um e outro são óxidos de terras raras, o neodímio “leve” e o disprósio “pesado”, cada vez mais caros e escassos, especialmente o segundo.
Os custos têm vindo a obrigar os fabricantes de motores a afastar-se das terras raras, tendo a Toyota anunciado que usa agora 1/5 destes óxidos, face ao que utilizava em 1997. E a Tesla, tida como a referência no domínio da mobilidade eléctrica a bateria, já informou que não usa terras raras nos motores eléctricos por indução, como os dos Tesla Model S à frente, Model X e no Model 3 Standard. No entanto, o fabricante de Palo Alto recorre a estes óxidos nos Model 3 Long Range e no eixo traseiro do Model S, modelos que, por serem mais sensíveis à autonomia, montam motores de magnetos permanentes.
A Bentley não divulgou que tipo de motor está a pensar fabricar, mas a referência a terras raras indicia que se pode estar a referir a uma unidade de magnetos permanentes, o que seria um avanço considerável e bem-vindo.
Acabar com as bobinas de cobre é a solução?
Os longos enrolamentos de cobre fazem parte dos motores eléctricos desde sempre, pelo que será bom vê-los partir. Não porque o cobre seja um mau condutor, uma vez que é o segundo melhor que se conhece (depois da prata), mas porque se perde até 50W por metro de bobina devido à resistência eléctrica do metal. Daí que os ganhos que podem ser atingidos pelo projecto Octopus possam parecer muito prometedores.
Como a Bentley não avança a solução com que pretende substituir o fio de cobre, resta-nos recordar algumas das alternativas estudadas pelos cientistas. Uma das mais populares analisou a possibilidade de substituir o fio de cobre por um bloco do mesmo metal, capaz de realizar a mesma função, mas reduzindo a resistência eléctrica.
Outra hipótese para substituir o fio de cobre é trocá-lo por outro fio, mas construído com nanotubos de carbono. Com esta solução reduz-se consideravelmente o peso e o volume do motor, para a mesma potência. Esta alternativa está a ser trabalhada por cientistas finlandeses desde 2014 e assenta no potencial dos nanotubos de carbono que, além de mais amigos do ambiente, são ainda melhores condutores do que qualquer metal. Os protótipos construídos validaram a solução, mas ainda não há qualquer indicação acerca de quando passará à produção em série. Resta saber qual será a tecnologia em que aposta a Bentley.
Investir em motores pode fazer a diferença?
Com a tecnologia que serve os automóveis eléctricos em franca evolução, todas as áreas podem contribuir para avanços em termos de eficiência. É certo que as baterias são o domínio em que os ganhos têm sido mais relevantes, tendência que se vai manter nos próximos anos e isto ainda antes de surgirem as baterias sólidas.
Os motores podem dar o seu contributo para os ganhos de eficiência, mas o mais provável é que sejam diminutos, com os avanços mais notórios a situarem-se entre a disponibilidade dos materiais e os respectivos custos. Mas toda a evolução é bem-vinda, pois basta ver o que acontece com os chips utilizados nos veículos eléctricos, área onde aumenta a pressão dos construtores junto dos fornecedores para que estes encontrem soluções com menor consumo, para não prejudicar a autonomia.
Se tivermos em conta que na Tesla, por exemplo, um motor de indução tem um rendimento de 93% (estes sem óxidos de terras raras), valor que sobe para 97% no caso dos motores de magnetos permanentes (denominados internamente Raven), é fácil perceber que não há muita margem para melhorias de grande monta. Contudo, a realidade é que este fabricante optou por um motor distinto nas suas versões Long Range, apenas porque isso lhe garante mais 4% de eficiência energética.
Caso o novo conjunto motriz da Bentley e dos seus parceiros ingleses do projecto Octopus esteja à altura das expectativas, é bem possível que permita alguma vantagem face aos melhores motores eléctricos actuais, a começar pelos que utiliza a Tesla. A diferença será necessariamente “magra”, uma vez que há motores no mercado já com 97% de eficiência, mas todos os pozinhos contam quando o objectivo é reduzir o consumo e aumentar a autonomia. Pena é que ainda faltem três anos para ver em funcionamento o motor sem terras raras e sem bobina de cobre, período longo que, numa indústria tão dinâmica quanto esta, vai necessariamente permitir muitos outros avanços por parte da concorrência.