“Já não existe diferenças entre géneros. Estamos a tratar homens e mulheres igualmente”. Esta é a frase que todas as jogadoras de futebol, mais novas ou mais velhas, europeias, africanas ou asiáticas, querem ouvir. É a frase que anula o enorme clivagem que ainda existe na remuneração entre homens e mulheres no futebol, que dissipa um dos grandes problemas do futebol feminino e que oferece esperança para aquilo que é e será o futuro de todas as raparigas que querem um dia pisar os relvados mais importantes do mundo. E é esta a frase que ecoa esta quarta-feira em todo o mundo e que deixou milhares de brasileiras a sentir que estavam a viver um dia que pensaram poder nunca chegar.

Esta quarta-feira, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou que todas as jogadoras da seleção feminina vão receber exatamente o mesmo que os jogadores da seleção masculina recebem sempre que são convocados. “Desde março deste ano que a CBF chegou a um valor igual em termos de prémios e remuneração diária entre homens e mulheres. Quer isto dizer que as jogadoras ganham o mesmo que os jogadores durante as convocatórias. O que eles recebem por dia em cada convocatória, as mulheres também recebem”, explicou Rogério Caboclo, na mesma declaração em que anunciou a contratação de duas novas coordenadoras para o futebol feminino por parte da Confederação.

Caboclo detalhou ainda que a igualdade de salários será global, ou seja, vai aplicar-se também aos grandes torneios: os prémios que os homens recebem por vitórias ou a conquista final de um Campeonato do Mundo, da Copa América ou dos Jogos Olímpicos, as mulheres também vão receber. O Brasil junta-se assim a países como a Noruega, a Austrália e a Nova Zelândia, onde as seleções masculina e feminina já recebem exatamente o mesmo em cada convocatória. Algo que ainda não acontece nos Estados Unidos — onde a equipa feminina é largamente mais bem sucedida e popular do que a masculina –, apesar dos esforços e do ativismo de todas as jogadoras, que até já chegou às instâncias judiciais.

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A decisão da Confederação Brasileira de Futebol oferece um significado extra às palavras de Marta, uma das melhores jogadoras de sempre — no verão de 2019 e logo depois de o Brasil ser eliminado por França nos oitavos de final do Mundial, a brasileira de 34 anos não escondeu as lágrimas enquanto fez um apelo ainda no relvado. “É isto que peço às raparigas brasileiras. O futuro do futebol feminino depende de vocês para sobreviver. É sobre querer mais. É sobre cuidarem mais de vocês. É sobre treinar mais. É estarem prontas para jogar 90 minutos e ser capazes de jogar mais 30″, começou por dizer Marta, que lembrou depois que a atual geração de jogadoras brasileiras está a precisar de uma renovação.

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“Não vai haver uma Formiga para sempre, não vai haver uma Marta para sempre, não vai haver uma Cristiane para sempre. Pensem sobre aquilo que estou a dizer. Chorem no início para que possam sorrir no final. Estamos a tentar representar as mulheres e mostrar como as mulheres podem desempenhar qualquer tipo de papel. Todas as equipas que aqui estão, estão todas a representar as mulheres. E deixem-me ser clara: isto não tem a ver apenas com o desporto”, concluiu Marta, que já venceu a Bola de Ouro em seis ocasiões, é a jogadora com mais golos na história dos Mundiais (17) e tornou-se a primeira, homem ou mulher, a marcar em cinco edições distintas do Campeonato do Mundo.

De recordar que, em 2017, várias jogadoras anunciaram a retirada da seleção feminina brasileira depois do despedimento da selecionadora Emily Lima, a primeira mulher a assumir o comando da equipa. Cristiane, Rosana, Andreia, Fran e Maurine garantiram que não voltariam a representar o Brasil internacionalmente (Marta não se juntou ao protesto, explicando que queria mudar as coisas “por dentro”) e sublinharam que esperavam que essa decisão servisse como exemplo para os anos seguintes — não só sobre a situação específica da treinadora mas também sobre a ausência de igualdade de salários e tratamento. Com a chegada de Rogério Caboclo à liderança da CBF, em 2018, e a contratação da treinador sueca Pia Sundhage, a decisão de algumas jogadoras acabou revertida, como é o caso de Cristiane.