Título: Um Cemitério para Lunáticos
Autor: Ray Bradbury
Editora: Cavalo de Ferro
Ano da Edição: março de 2020
Páginas: 320
Preço: 20,99€
De vez em quando, Hollywood lança um filme que, de forma mais ou menos subtil, fala sobre a própria indústria, quase sempre de forma elegíaca. Os exemplos mais recentes desse fenómeno são o La La Land, de Damien Chazelle, e Once Upon a Time in Hollywood, de Quentin Tarantino. Normalmente remetem para um ponto no passado mítico da indústria, catalisando um sentimento de nostalgia no público. É óbvio que o cinema é o melhor meio para veicular este tipo de produto, mas por vezes, esse trabalho aparece sob a forma de literatura. É aqui que entra Ray Bradbury.
Um Cemitério para Lunáticos é a sequela de A Morte é um Acto Solitário, continuando a acompanhar o escritor sem nome do livro anterior, que mais uma vez serve de narrador, e o seu companheiro detetive, Crumley. Trata-se da segunda obra naquilo a que se pode chamar de trilogia de romances de mistério de Bradbury. Cinco anos após o fim de A Morte é um Acto Solitário, o narrador é contratado para trabalhar como argumentista na Maximus Films, um grande estúdio de Hollywood, juntamente com o seu melhor amigo Roy, responsável pelos efeitos práticos. Na noite de Halloween de 1954, enquanto deambulava pelo cemitério contíguo aos estúdios, o narrador presencia a aparição de um homem que deveria estar morto há vinte anos. Esta experiência fantasmagórica despoleta uma sequência de acontecimentos que o levarão a descobrir muitos dos segredos enterrados naqueles estúdios, ao mesmo tempo que tenta travar uma série de homicídios.
À semelhança do livro anterior, a marca autobiográfica é muito evidente, talvez até mais. Quando o narrador descreve a sua adolescência passada à porta da Maximus Films, à espera que apareça uma estrela de cinema para que pudesse pedir um autógrafo, está tão somente a recordar-se do passado do próprio Bradbury, nascido e criado em Los Angeles. Também ele percorreu muitos dos estúdios de Hollywood, de patins calçados, na esperança de vislumbrar alguma celebridade.
Os próprios projetos em que vemos o narrador trabalhar enquanto argumentista, desde películas de terror onde habitam monstros vindos das profundezas até filmes de época que relatam a vida e morte de Cristo, são os mesmos em que Bradbury trabalhou durante a sua carreira em Hollywood.
Esta proximidade entre autor e personagem transforma o livro numa narrativa muito mais intimista, pois é fruto da experiência. Mais do que um mero policial, esta é uma homenagem à sétima arte, em todas as suas facetas, seja o argumento, direção, atores, produção, edição, maquilhagem, som, luz ou efeitos especiais. Torna-se claro que a magia do cinema começa muito antes do filme estar terminado.
A ilusão da realidade começa nos próprios estúdios. É ali que Cristo é crucificado, e também ali que Quasimodo toca os sinos de Notre Dame, ou que um monstro surge de uma nave para atacar os humanos. A Maximus Films, representante da indústria cinematográfica, é princípio, meio e fim de toda a história e imaginação humana. É no cinema que o narrador encontra não só refúgio quando tudo à sua volta começa a deixar de fazer sentido, mas também respostas aos mistérios que o assombram.
No entanto, apesar da homenagem que faz ao cinema, esta obra trata a indústria cinematográfica de forma realista, e não tem pudor em mostrar o seu lado mais negro. As intrigas e segredos enraizados ganham forma física, transformando-se em monstros que atacam os protagonistas durante a noite em cemitérios. Os homens que controlam a indústria, e que apenas pensam no lucro que os filmes poderão dar, assassinam artistas e amantes da arte quando estes se atravessam no seu caminho. Se é verdade que o cinema é onde a criatividade pode estar mais livre, também é onde o dinheiro acaba sempre por falar mais alto.
Esta dualidade é expressa nos dois locais principais da narrativa, o cemitério e os estúdios. Ambos os locais estão ligados através de um túnel, o que demonstra a sua volatilidade, onde tão facilmente se transforma da vida, a criatividade, para a morte.
Um Cemitério para Lunáticos é uma janela para um período de ouro do cinema de Hollywood, com as suas divas, galãs, estúdios e filmes maiores que a vida. A própria estrutura narrativa reproduz os grandes filmes de sucesso da época, desde o body horror aos épicos. Fará as delícias tanto dos entusiastas da literatura como do cinema.