O luso-americano Frank Ferreira, que saiu do Departamento de Segurança Interna (DHS) dos Estados Unidos em colisão com a liderança, considerou que uma reeleição do Presidente Donald Trump será desastrosa para o país.
“Apesar de algumas conquistas ou da perceção de conquistas da administração, um segundo mandato do ‘Trumpismo’ seria nada mais nada menos que uma distopia, tal como o filósofo John Stuart Mill explicou, um lugar demasiado mau para existir”, disse à Lusa Frank Ferreira.
Num momento em que o país “está a pedir unidade e progresso”, mais quatro anos desta administração “irão apenas prolongar um inverno longo e cinzento”, afirmou o cientista político, considerando que este é um período de “regressão” que nem o processo de destituição conseguiu parar.
“Um segundo mandato irá encorajar o Presidente ainda mais a abusar do poder conferido pela presidência e continuar a enriquecer-se a si e à sua família à conta do público”, afirmou. “Mais quatro anos e ele fará ao país aquilo que fez aos seus negócios – bancarrota”.
Ferreira lembrou que o eleitorado “está extremamente polarizado” e há uma série de questões na linha da frente, sobretudo a pandemia de covid-19, que já matou mais de 192 mil norte-americanos, o desemprego de milhões de pessoas, que também levou à perda dos seguros de saúde, e os protestos por justiça racial. “Muita coisa depende do resultado desta eleição”, afirmou.
Cientista político e especialista em assuntos intergovernamentais e do congresso norte-americano, Frank Ferreira demitiu-se em março deste ano da FEMA (agência federal de gestão de emergências), que está inserida no DHS, “por causa de um ambiente de trabalho tóxico e hostil, assédio e retaliação”, afirmou. “Tudo por falar contra estas condições e a ineptitude da liderança da agência”.
“Fui maltratado pela FEMA. Não se faz isso a alguém que trabalhava ali há 15 anos”, considerou o responsável. “Estavam habituados a pessoas que dizem que sim a tudo”, afirmou, dizendo que a agência está enfraquecida por um êxodo de hierarquias experientes e um administrador que “reflete o comportamento terrível do Presidente”.
Para o luso-americano, natural de Viseu, o que está a suceder na FEMA é sintomático de um problema mais alargado na administração. “Ele prometeu recrutar as melhores pessoas para servirem no Governo, mas nomeou criminosos”, afirmou, frisando que vários ex-responsáveis e aliados, como Michael Flynn, Rick Gates, Paul Manafort, Roger Stone, Michael Cohen e Steve Bannon, foram acusados ou condenados ao longo dos últimos anos.
“A ética tornou-se um exercício académico”, considerou. “A desconstrução do Estado administrativo, iniciada no primeiro mandato, levará a uma total destruição num segundo mandato”.
Em termos de medidas concretas, Frank Ferreira disse acreditar que “vai ser mais do mesmo e isso não é uma coisa boa”. O luso-americano exemplificou algumas áreas: “Penso que vamos vê-lo a cortar o financiamento de uma série de programas governamentais e vai enfraquecer regulamentos ambientais”.
Apesar de ressalvar que o candidato democrata Joe Biden vai à frente nas sondagens nacionais, com uma margem entre os 7 e os 10 pontos, Frank Ferreira sublinhou que esta será uma eleição muito competitiva e “muito pode mudar” nos menos de dois meses que sobram até 3 de novembro.
“Trump está a tentar levantar dúvidas sobre a legitimidade da eleição, porque começa a ver que em muitas sondagens Biden vai à frente e em estados competitivos que ele venceu da última vez”, afirmou Ferreira, sobre as críticas do Presidente aos votos por correspondência.
“É uma situação infeliz para a democracia, que as pessoas não confiem nos resultados de uma eleição”, analisou, prevendo que levará mais tempo a contar os boletins de voto e isso agravará “a incerteza e ansiedade” que já grassam no país. “Sempre nos orgulhámos de ter eleições justas e isto tem implicações sérias para o futuro e para outros países do mundo, que nos veem como modelo”, considerou.
Com quase 25 anos de serviço público e uma extensa carreira em assuntos intergovernamentais e do congresso, Frank Ferreira trabalhou de perto com o ex-primeiro-ministro português António Guterres durante a sua campanha para secretário-geral das Nações Unidas, que foi bem-sucedida em 2016.
Formado em Ciência Política pela Universidade de Saint Joseph, obteve um mestrado em Gestão de Emergências e Desastres na Universidade de Georgetown.