A sala da Voz do Operário foi o cenário escolhido para João Ferreira apresentar a candidatura às eleições presidenciais do próximo ano. Com a lotação esgotada — segundo uma publicação na página de Facebook da campanha — desde quarta-feira, os comunistas vieram em peso (dentro das limitações possíveis) mostrar apoio ao rosto do partido para as presidenciais 2021. No topo oposto ao púlpito, enquanto discursa, João Ferreira vê uma inscrição de grandes dimensões: “Trabalhadores uni-vos”. À chegada, logo depois do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, João Ferreira foi recebido de pé, com um forte aplauso.
Num discurso que começou com uma citação do escritor José Saramago — que foi militante do PCP — no Ensaio Sobre a Cegueira, João Ferreira diz que a “cegueira também é deixar de olhar para o futuro e deixar de o ver”.
“A candidatura que assumo e que agora aqui apresento, a Presidente da República é e será um espaço de luta comum: da juventude, dos trabalhadores e do povo. É minha e é vossa. É nossa. Assumo-a com honra, com determinação, com a consciência da responsabilidade e do dever”, diz o candidato do PCP acrescentando que se “dirige a todos e a cada um independentemente das escolhas eleitorais que fizeram no passado”.
“Façamos desta candidatura parte da luta pela mudança que desejamos para as nossas vidas, da mudança que Portugal precisa”, diz.

O candidato à presidência criticou depois as opções tomadas em Portugal para fazer face à pandemia da Covid-19. “Em Portugal e no mundo, vivemos um tempo invulgar, complexo e exigente. A irrupção da Covid-19, além de nos confrontar com questões novas, agravou consideravelmente velhos problemas”, aponta acrescentando que o “medo” tem sido “exacerbado e manipulado para restringir direitos e liberdades” e considera que tal aconteceu em Portugal com a declaração do estado de emergência.
E dedica algumas palavras antes ainda de passar aos objetivos da candidatura a criticar o “racismo, xenofobia, extrema-direita e fascismo” que, diz, “são normalizados e mesmo abertamente promovidos, a partir de alguns dos principais centros de poder económico e seus prolongamentos políticos e mediáticos”.
O projeto que esta quinta-feira apresenta, clarifica, tem por objetivos “defender, aprofundar e ampliar o regime democrático consagrado na Constituição”. E depois das recentes críticas de Jerónimo de Sousa à prestação de Marcelo Rebelo de Sousa no papel de Presidente da República, João Ferreira reforça: “É notório que o atual Presidente da República está empenhado numa rearrumação de forças políticas, assente no branqueamento da política de direita e dos seus executores, promovendo a sua reabilitação, na forma da chamada política de “bloco central”, formal ou informalmente assumida, que marcou o país nas últimas décadas”.
E João Ferreira fez ainda uma revisão da aula sobre as competências do Presidente da República para concluir que “os vastos poderes do Presidente da República podem e devem ser usados para impulsionar soluções para os problemas que o povo e o país enfrentam” e deixar novas críticas a Marcelo: “Exige uma genuína ligação à vida e não uma falsa empatia que se esboroa quando os assuntos são tão sérios como a dificuldade de se viver com os baixos salários, pensões, reformas e prestações sociais”.
“Esta é a candidatura inspirada nos que já mostraram que não se escondem, que não desertam, que não se rendem. Inspirada nos que não ficam à espera quando os trabalhadores e o povo são atacados nos seus direitos. Nos que enfrentam a resignação e o medo, real ou imaginário”, disse o candidato comunista. Do lado do público, o slogan já está ensaiado: “João avança, com toda a confiança”.
Na sala, meticulosamente organizada e garantindo a distribuição de homens e mulheres ao longo de toda a plateia, com Jerónimo de Sousa e Carlos Carvalhas (ambos antigos candidatos do partido às eleições presidenciais) nas primeiras filas, João Ferreira optou por fugir às questões dos jornalistas sobre uma eventual sucessão de Jerónimo de Sousa.
Diz-se “empenhado” numa candidatura que “será feita pela positiva” e que tem como “adversários os problemas estruturais que o país enfrenta”. João Ferreira assume como prioridade “trazer para a ordem do dia soluções para esses problemas” e não “lutar para percentagens eleitorais”.