Jason Wu deu o pontapé de saída numa edição inédita da Semana da Moda de Nova Iorque. É a primeira desde que o mundo mergulhou num estado de alerta constante, também conhecido como pandemia. Foi entre a urgência em conter o vírus, o desejo de manter de pé uma indústria pulsante e o frio na barriga perante o desafio criativo de apresentar uma coleção enquanto um vírus circula nas ruas que o criador taiwanês foi o primeiro a subir ao rooftop dos Spring Studios, em Manhattan, no passado domingo.

Recuar sete meses e recordar a concorrida primeira fila chega a ser anedótico. Ao desfile assistiram apenas 30 convidados, em cadeiras decididamente espaçadas entre si. Repleto de plantas, com areia a cobrir o chão e um estrado de madeira tipicamente balnear a compor a passerelle, o terraço assemelhou-se a um postal paradisíaco, inspirado na cidade mexicana de Tulum. A leveza das peças e a vivacidade da cor foram extras num momento de evasão que contou com a presença de Indya Moore, estrela da série “Pose”,  no line-up.

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Mas Wu não foi o único a optar por realizar um desfile convencional, nem a fazê-lo com uma vista privilegiada. Numa edição reduzida a cinco dias e onde os pesos pesados da moda norte-americana estiveram ausentes — Marc Jacobs, Michael Kors, Tommy Hilfiger e Ralph Lauren –, Ulla Johnson, uma nova-iorquina de gema, montou a passerelle no Four Freedoms Park, em Roosevelt Island.

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“Temos andado todos à procura de relevância naquilo que fazemos — a passerelle é uma parte, mas também a própria roupa no geral. Aqui, estamos mais empenhados do que nunca em prosseguir com o nosso compromisso com o artesanato”, referiu a criadora à revista Vogue. Uma coleção feminina composta por folhos, estampados florais, bordados, malha e crochet, mas também por peças em acid denim.

Enquanto uns optaram por apresentar coleções ao vivo, outros dispensaram assistência e limitaram-se a divulgar produções fotográficas. Uma aposta segura, mas também o reforçar de um distanciamento especialmente desconfortável para uma indústria que ainda em fevereiro deste ano assistiu ao badalado desfile de Tom Ford em Los Angeles. Curiosamente, ele foi um dos nomes que se limitou a divulgar imagens da coleção para a próxima primavera-verão.

Imagem do lookbook da coleção primavera-verão 2021 de Tom Ford © Tom Ford

“Sinceramente, não tinha a certeza de que seria capaz de fazer uma coleção, mesmo que me sentisse inspirado para isso… Acho que a moda devia simplesmente hibernar durante um ano”, escreveu o criador na nota de imprensa divulgada na última quarta-feira. Mas a coleção veio e, já que tinha de vir, ao menos que fosse um escape à dura realidade que vivemos. Em nome de uma extroversão necessária, Ford deixou poucos elementos de fora — flores, animal prints, peças acetinadas e tie-dye.

Mas um cenário adverso pode muito bem representar uma janela de oportunidade. Além do óbvio empurrão tecnológico — o Council of Fashion Designers of America desenvolveu uma nova plataforma digital chamada Runway360 para apresentar novas coleções e projetos criativos — abriu-se a porta uma nova geração de criadores. Segundo a mesma organização, esta edição da semana da moda contou com dez estreantes no calendário, entre eles a Oak & Acorn, uma marca “made in Harlem”, focada na produção sustentável de gangas e no vestuário sem género.

Criação de Kimberly Goldson © Kimberly Goldson

Mas esta foi também a primeira edição da New York Fashion Week depois do eclodir do movimento Black Lives Matter. A moda não lhe ficou alheia e projetos como o Harlem’s Fashion Row, criado em 2007 por Brandice Daniel para impulsionar a carreira de designers negros, ganharam relevância. Pela primeira vez, esta plataforma conquistou um lugar no calendário. Através de uma apresentação digital, foram apresentadas as propostas de três jovens criadores: Kristian Lorén, Kimberly Goldson e Rich Fresh.

A Semana da Moda de Nova Iorque terminou esta quinta-feira com a apresentação de Christian Siriano. Em vez da ruidosa metrópole, o criador — que nos últimos tempos transformou parte do atelier numa linha de produção de máscaras — recebeu poucos convidados na sua propriedade no Connecticut. Brindou-os com relva, flores, um lago artificial e cestas de piquenique (e com um vestido que era uma chamada às urnas). Não fossem as ditas máscaras, que fizeram parte de cada coordenado (mesmo dos mais faustosos), dir-se-ia, tendo em conta o cenário bucólico, que a pandemia era coisa do passado.

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No mesmo dia arrancou a Semana da Moda de Londres, também ela assente num modelo híbrido de apresentações à distância e pequenos desfiles controladamente assistidos. Coube à Burberry de Riccardo Tisci inaugurar o calendário, também com o desfile ao ar livre. Em vez de um jardim, o designer italiano apresentou a sua coleção num cenário de floresta, com uma performance concebida pela artista Anne Imhof. A transmissão foi em direto para todo o mundo. O evento decorre até terça-feira.