O antigo líder da CGTP Manuel Carvalho da Silva considera que os 50 anos da central sindical mereciam “uma reflexão profunda” sobre o percurso feito pela organização, tendo em conta a singularidade deste projeto e os contributos sociais dados. “A CGTP tem sido um projeto sindical muito importante para a sociedade portuguesa, um projeto de uma riqueza excecional e de grande singularidade, que nasceu da consciencialização social e política dos anos 60”, disse Carvalho da Silva à agência Lusa, a propósito do 50.º aniversário da central, que se comemora no dia 01 de outubro.

A vontade de acabar com o sindicalismo corporativo, a redução do horário de trabalho, o direito de reunião foram alguns dos motivos, segundo Carvalho da Silva, na origem das primeiras reuniões intersindicais. Segundo o sociólogo e investigador, tudo era discutido nessas reuniões, o que não significa que os seus promotores não tivessem motivações políticas.

Os militantes do PCP, que era o único partido político organizado, os militantes dos movimentos católicos, os que tinham contactos com movimentos internacionais “forçaram esta movimentação”, que esteve na génese da CGTP, lembrou Carvalho da Silva. Para o académico, no entanto, não foi a convocatória da primeira reunião “intersindical”, com data de 01 de outubro de 1970, que determinou a criação da central sindical, mas sim “as dinâmicas que surgiram no terreno, com uma agenda individual e coletiva”.

O antigo secretário-geral da CGTP, de 71 anos, considerou que o caráter unitário da central tem sido a sua mais-valia ao longo dos seus 50 anos, porque promove a vida democrática e a participação dos trabalhadores, mantendo “o seu caráter de movimento de massas e de transformação da sociedade”.

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“A CGTP pode assumir-se como a organização social que mais influenciou as transformações sociais em Portugal (…) e promoveu momentos muito ricos de discussão de matérias sociais importantes, que resultaram, nomeadamente, na consolidação do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social e no combate ao trabalho infantil”, defendeu o líder histórico da Intersindical.

Lembrou, a propósito, a articulação que a central fez entre o mundo do trabalho e os problemas sociais, assumindo compromissos com outras entidades. Foi o caso do combate ao trabalho infantil nos anos 80 e 90 do século XX no Vale do Ave e no distrito de Setúbal, que levou a CGTP a entender-se, nomeadamente, com o então bispo de Setúbal, Manuel Martins, para a criação de uma comissão nacional que contribuiu para resolver o problema do trabalho das crianças.

A luta pela 40 horas semanais, no anos 90, foi também referida por Carvalho da Silva como exemplo de intervenção integrada em vários setores.

“Foi uma luta excecional”, disse, lembrando que durante 15 meses, entre 1996 e 1998, ele próprio comparecia todos os sábados às 05:30 junto de uma empresa para acompanhar greves de trabalhadores, que decorriam no período que ultrapassava as 40 horas. Carvalho da Silva considerou que a central sindical está atualmente perante novos desafios que surgem “das grandes mudanças que têm ocorrido na sociedade e das alterações profundas das condições de trabalho”.

Os ataques à gestão do tempo dos trabalhadores, com a desregulação dos horários de trabalho, os baixos salários, as desigualdades e o retrocesso nas condições de trabalho são alguns dos motivos que, segundo o sociólogo, carecem da atenção do movimento sindical.

“A CGTP nasceu da ação nos locais de trabalho, não foi uma construção do exterior, tem praticado um sindicalismo de transformação e revolucionário e, por isso, tem toda a capacidade para continuar o seu projeto no futuro e dar continuidade à sua influência na sociedade portuguesa”, disse. Para continuar a intervir na sociedade, a central sindical precisa de fazer alianças sociais, nomeadamente nas áreas da segurança social, saúde e fiscalidade, considerou.

“Nesta fase crítica, a CGTP deve intervir nos processos em curso”, defendeu Carvalho da Silva, acrescentando que o movimento sindical tem de intervir em processos como o programa de recuperação da crise. Para o líder histórico da Inter, “os sindicatos são absolutamente indispensáveis na sociedade”, mas precisam de estar bem implantados e ser ofensivos.

Manuel Carvalho da Silva entrou para a comissão executiva da Intersindical em 1977 e assumiu a sua liderança em 1986. Deixou o cargo de secretário-geral da CGTP em janeiro de 2012, com 64 anos, por motivo de idade.