A História

“Foi uma oportunidade irrecusável” — é assim que o chef Pedro Pena Bastos começa por explicar o trajeto que o levou ao Cura. Depois do sucesso conquistado no restaurante da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, e da consolidação e crescimento demonstrado no exclusivo Ceia, o mapa deste jovem cozinheiro portuense de raízes ribatejanas levou-o ao hotel mais luxuoso da capital.

Quase um ano depois de ter fechado contrato com o Ritz, Pena Bastos olha para tudo o que aconteceu desde então e uma das coisas que mais destaca é a confiança que lhe foi depositada.”Depois de muitas reuniões e visitas, a ideia avançou e agradeço muito ao hotel pela confiança que depositaram em mim”, explica. Esta antiga sala de reuniões que supostamente abriria em fevereiro ou março de 2020 não foi imune ao impacto da pandemia e viu a sua abertura atrasada, naturalmente. Mesmo assim nada parou durante esse tempo e Pedro assume ter-se entregado “de corpo e alma” a todas as etapas da sua edificação: “Fiz questão de acompanhar o processo do início ao fim: obras e planeamento, tudo. Acredito mesmo que isso ajudou a tornar o Cura mais coeso, a fazer todos os elementos do restaurante falarem a mesma linguagem”, reforça.

Porque um projeto é mais do que as suas quatro paredes, Pedro trouxe consigo do Ceia as mãos hábeis do seu braço direito na cozinha, Marco Carmo, e o habilidoso sommelier/chefe de sala Mário Marques — que agora assume uma posição mais de restaurant manager mas continua a percorrer a sala e a fazê-la sorrir com ele. É certo que em equipa que ganha não se mexe mas o ditado popular nada fala sobre a junção de novos talentos a esse grupo vencedor, daí ser de destacar o trabalho importante e esclarecedor da escanção Gabriela Marques e do talentosíssimo chef pasteleiro Diogo Lopes — não o que escreve estas palavras mas um seu homónimo infinitamente mais dotado para nos encher as medidas com sugestões doces –, duas caras já conhecidas do Ritz que se juntam à família Cura. “Já nos conhecíamos todos. Quando as pessoas estão realmente focadas e querem todas o mesmo tudo corre melhor — e foi isso que aconteceu aqui. Não lhes podia estar mais agradecido pela dedicação que estão a dar ao projeto”, conta Pedro.

O novo Cura, de Pedro Pena Bastos, está inserido no hotel Ritz mas tem entrada direta pela rua. D.R.

O Espaço

O design é uma das marcas do hotel Ritz. O exterior de ar austero quase que protege a beleza daquilo que mora lá dentro: mármores, frondosos arranjos florais, tapeçarias, painéis de Almada Negreiros… Tudo isso se compõe sob a forma de um luxo clássico, sóbrio, que mora longe dos minimalismos nórdicos de hoje e dos rococós dourados de outros tempos. Com uma bagagem destas seria impossível não caprichar com o muito aguardado novo restaurante da casa. A entrada direta para a rua do Cura (que ainda não funciona a 100% dadas as limitações de circulação motivadas pela pandemia) já diz um pouco sobre o que nos espera lá dentro — há independência, mas não deixa de fazer parte de um todo. Isto na prática traduz-se então num estilo que mantém vincados traços clássicos, mas também um olho virado para o futuro. “Quisemos fazê-lo mais moderno e boémio, manter o melhor dos elementos mais clássicos do Ritz mas juntar-lhe as muitas coisas boas da vibe lisboeta”, resume o chef.

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Ao entrarmos vemos logo a porta trabalhada com motivos geométricos. É ela que nos dá as boas vindas antes de chegarmos à sala de refeições, um retângulo generoso (“tem cento e poucos metros quadrados” diz-nos o chef) com capacidade para 28 pessoas (segundo as restrições de segurança em vigor), pautado por tons escuros, madeiras, alguns dourados e uns toques mais claros. Neste projeto de Miguel Câncio Martins, a regra número um a ser comprida foi a junção de dois mundos: clássico com contemporâneo, formal com descontraído. Isto materializa-se na utilização de materiais mais singulares ou luxuosos como a mármore azul da Baía que forra a zona da cozinha aberta, por exemplo, e na ausência de atoalhados nas mesas (“Alguns toques que tornam o espaço mais leve”); na recuperação dos painéis de madeira de Fred Kradolfer, artista gráfico suíço de grande impacto o design português do início do século XX e no serviço de mesa onde encontramos peças de artesãos mais “indie” como as madeiras trabalhadas à mão pela Rival ou as peças de cutelaria de Paulo Tuna (ambos já tinham trabalhado com Pena Bastos no Ceia). O melhor de dois mundos, pode-se dizer.

A sala de refeições do Cura com a cozinha aberta ao fundo, atrás da estrutura metálica dourada. D.R.

A Comida

Da mesma forma que os foguetões da NASA vão libertando peças e componentes à medida que vão chegando ao espaço, a cozinha de Pedro Pena Bastos tem vindo a deixar coisas pelo caminho à medida que tem evoluindo nos projetos por onde já passou. Aos poucos foi simplificando (no melhor sentido possível) a sua visão gastronómica focando-se, sempre mais, na importância e coerência do sabor, deixando de lado adereço extra que muitas vezes só criam mais confusão. Isto tudo sempre mantendo-se fiel àquilo que o próprio diz ser as suas bases principais: “respeito pela sazonalidade, conjugação de produto e a parte estética”. Contas feitas, aquilo que se encontra no Cura é então uma versão ainda mais matura, consolidada, da cozinha delicada e de sabores fortes que Pedro já tinha tornado sua identidade.

Ao Observador, o chef explica que o período de confinamento serviu “para afinar a parte conceptual daquilo que queríamos que fosse a cozinha daqui” e que passou o mês que precedeu a abertura sempre a testar coisas, pratos, combinações, tudo para se adaptar não só ao novo espaço mas também à retocada identidade que quer apresentar-nos no prato. “Não faz sentido vir para um espaço novo fazer aquilo que já fazia no Esporão ou no Ceia”, conta. “Tive de redefinir os mandamentos da minha cozinha de forma a que fizessem sentido neste espaço”, termina.

A combinação de lula, avelã, bergamota, manteiga torrada de algas e caviar. Diogo Lopes/Observador

O que significa tudo isto na prática, então? Falamos de uma oferta que se divide em três menus de degustação, o “Meia Cura”, de sete momentos, o “Origens”, com 13, e o “Raízes”, totalmente vegetariano. Entre todos vamos vendo algumas criações novas e um ou outro prato transformado a partir de receitas que o chef já apresentava. Dentro das novidades há a incrível combinação de lula, avelã, bergamota, manteiga torrada de algas e caviar ou a igualmente surpreendente “mariscada”, sugestão que tem como base uma espécie de pudim japonês (chawanmushi) feito à base de rama de alho verde e tremoço que recebe o marisco que estiver mais fresco nesse dia (percebes ou gambas rosa, por exemplo) e uns outros retoques finais como flor de alho ou ovas de truta. Momentos como este, mais surpreendentes, conjugam-se bem com sugestões mais de conforto como o borrego merino à colher com marmelo, beldroegas e hortelã da ribeira ou a pescada de linha com xerém de milhos e algas com dashi “beurre-blanc” (este último uma das tais versões 2.0 de pratos antigos).

O elogio dado ao chef pasteleiro Diogo Lopes há umas linhas fundamenta-se, em parte, com o momento do pão, um dos “pratos” do menu onde entre o pão de trigos portugueses, a manteiga das flores e o azeite verde feito pela família de Pena Bastos brilha intensamente o inacreditável pão-de-leite que chega a fumegar e mais parece algodão doce, de tão leve que é. Claro que a sugestão doce de figos com beterraba, lima e líquenes ou ananás dos Açores com miso, sementes de abóbora e pimenta timut só reforçam ainda mais o crédito devido.

A sobremesa de figos com beterraba, lima e líquenes do chef pasteleiro Diogo Lopes. Diogo Lopes/Observador

De barriga cheia e copo vazio (as sugestões vínicas são mais viradas para o biológico/vinificação natural) é mais fácil perceber aquilo que Pedro quer dar a este projeto e materializar. A visão é a de um espaço de fine dining moderno, onde o clássico casa com o contemporâneo e os valores de sazonalidade, portugalidade e estética vivem em cada prato. Além disso, é a prova de que foi possível sobreviver a todos os entraves e incertezas trazidos pela pandemia.

O que interessa saber

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Nome: Cura
Abriu em: setembro de 2020
Onde fica: Rua Rodrigo da Fonseca, 88, Lisboa
O que é: A(s) nova(s) aventura(s) gastronómica(s) do chef Pedro Pena Bastos (e do Hotel Ritz Four Seasons)
Quem manda: O histórico hotel lisboeta e o próprio chef
Quanto custa: Menu “Raízes” (vegetariano, 75€), Menu “Meia Cura” (85€), Menu “Origens” (120€); pairing “Meia Cura” 55€ (cinco vinhos), “Origens” 70€ (sete vinhos) e pairing de bebidas sem álcool 30€ (sete sugestões)
Uma dica: Se tiver oportunidade de escolher, aposte numa mesa/lugar
Contacto: 213 811 401
Horário: Terça a sábado, das 19h30 às 23h
Links importantes: Instagram; Site

“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos restaurantes.