Várias associações de cinema e audiovisual não criticam a atribuição, pelo Instituto do Cinema e Audiovisual, a uma consultora estrangeira, da criação do plano estratégico do setor, afastando-se da Plataforma do Cinema que pede a demissão do secretário de Estado.

A Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos considera que o recurso a uma consultora estrangeira para traçar o plano estratégico para o cinema e o audiovisual não constitui, à partida, um problema, e que mais relevante será o conteúdo.

“Para nós não é um problema que seja uma consultora estrangeira”, referiu à Lusa Patrícia Muller, da Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos (APAD), ressalvando que se trata de uma consultora com experiência, restando agora saber o conteúdo do que propõe, no âmbito do plano estratégico para o setor.

Numa carta, a que a agência Lusa teve acesso, dirigida aos grupos parlamentares e com conhecimento para a ministra da Cultura, a Plataforma do Cinema quer a demissão do secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, por ter atribuído a criação do próximo plano estratégico para o setor a uma “consultora privada” inglesa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Plataforma do Cinema pede demissão de secretário de Estado Nuno Artur Silva

Aquela plataforma, que assina a carta em nome de uma dezena de entidades, entre associações, festivais e um sindicato, considera que o recurso a uma empresa estrangeira para traçar a estratégia para o setor “é por si só a passagem de um atestado de menoridade política infligida pela tutela a si mesma e ao setor que regula”.

Em causa está a contratação da consultora Olsberg SPI, que foi fundada em 1992 pelo produtor Jonathan Olsberg e conta no currículo com trabalho de consultoria para, entre outros, a BBC, o Conselho da Europa, o Observatório Europeu do Audiovisual, a Film Commission de Barcelona, os ministério da Cultura da República Checa e do Chile e outras entidades na Austrália, Canadá ou Noruega.

O antigo Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, antecessor do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), está também na lista de clientes do ‘site’ da consultora.

Patrícia Muller não acompanha a posição da Plataforma do Cinema, considerando que, “ao contratar uma empresa com experiência na Europa”, permite “alinhar mais com o que está a ser feito lá fora”.

A mesma responsável refere ser “um bocadinho incompreensível” o pedido de demissão do secretário de Estado quando está também em curso o processo legislativo de transposição da diretiva europeia que regulamenta a atividade de serviços de televisão e audiovisuais a pedido.

A secretária-geral da Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT), Susana Gato, preferiu por não comentar a opção por uma consultora privada para o desenho do plano estratégico do setor, acentuando que, para o fazer, teria de conhecer os critérios desta escolha, o que não acontece.

“Não posso dizer nada sobre a escolha [da consultora] porque não sei qual foi o critério. Deve haver certamente uma razão, mas não sabemos qual foi”, referiu à Lusa, acrescentando que a resposta a estas dúvidas da APIT deveria ter sido dada na sexta-feira, durante uma reunião entre representantes do setor, da Olsberg SPI e do ICA para apresentação da metodologia e calendário de trabalho sobre o plano estratégico.

A reunião acabou por ser adiada, a pedido de alguns participantes, por falta de tradução simultânea de inglês para português, segundo explicou à Lusa fonte do ICA.

Sobre o pedido de demissão, formulado pela Plataforma do Cinema, do secretário de Estado, e que é extensível à Direção do ICA, Susana Gato optou por não comentar, acentuando que a APIT “não envereda nesse tipo de caminhos”, pois o que defende e pretende “é um audiovisual com futuro”.

Também o realizador João Maia da Associação Portuguesa de Realizadores e Argumentistas de Ficção (APRAF) não considera que seja um problema a contratação da referida consultora.

“Trata-se de uma consultora que já fez este tipo de trabalho noutros países e é importante deixá-la dizer ao que vem”, disse à Lusa.

Na carta, a Plataforma do Cinema apela também aos grupos parlamentares para que adiem a discussão e votação da proposta de lei PL 44/XIV — marcada para a próxima terça-feira – por “manifestamente não existirem condições para levar a cabo de forma séria tal tarefa”.

Também neste ponto, algumas das pessoas do setor ouvidas pela Lusa não acompanham a posição da Plataforma do Cinema, com Patrícia Muller a referir que não lhe parece “haver nenhum sentido” em adiar, e João Maia a não encontrar também motivos para que haja um adiamento, lembrando que o processo legislativo já conta com vários meses.

Posição diferente tem Frederico Serra, da Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual (APCA), que classifica de “estranho” o recurso a uma consultora estrangeira, mas não quis pronunciar-se sobre o pedido de demissão do secretário de Estado.