Há doentes recuperados da Covid-19 que dizem ter ficado com dificuldades cognitivas longos meses depois de terem testado negativo para o SARS-CoV-2. É um estado “paralisante” de confusão mental, descreve Mirabai Nicholson-McKellar, uma das pacientes: “Sou incapaz de pensar com clareza suficiente para fazer seja o que for”.
O caso desta australiana de 36 anos está descrito no The Guardian. Sete meses depois de ter sido dada como recuperada da infeção, diz-se esquecida, desconcentrada e constantemente cansada — mais do que alguma vez se sentiu. “Não consigo trabalhar mais do que uma a duas horas por dia e até mesmo sair de casa para fazer compras pode ser um desafio”, começa por descrever.
“Quando fico cansada, fico muito pior e, às vezes, tudo que consigo fazer é deitar-me na cama a ver televisão”, prossegue: “Muitas vezes isto impede-me de ter uma conversa coerente ou de escrever uma mensagem de texto ou um e-mail. Sinto como uma sombra de meu antigo eu. Agora não estou a viver, estou simplesmente a existir”, desabafa.
Isabel Luzeiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, já tinha explicado ao Observador que a Covid-19 pode impactar o sistema nervoso central, os nervos periféricos e a fibra muscular, provocando problemas de memória, alterações cognitivas e microenfartes cerebrais, por obliteração de pequenos vasos sanguíneos.
De acordo com a médica neurologista, “durante a fase aguda, o vírus pode ainda provocar, em cerca de 16% dos casos, dores de cabeça e tonturas; e mais raramente, pode até acontecer perda de consciência”: “A falência respiratória súbita pode também ser devida à falência dos centros respiratórios do cérebro, o que é relativamente raro”.
Também há relatos de encefalites a que se somam as crises epiléticas e os quadros encefalopáticos, muito potenciados pela hipoxémia grave — a baixa concentração de oxigénio no sangue arterial — e pela falência multiorgânica associada ao carácter sistémico da infeção pelo vírus.
Estas sequelas são mais comuns entre as pessoas que desenvolveram quadros graves de Covid-19 e necessitaram de internamentos em unidades de cuidados intensivos. Mas segundo Michael Zandi, investigadora na Faculdade de Ciências do Cérebro da University College London, essas mesmas consequências têm sido observadas em pessoas que recuperaram da infeção em casa.
“A proporção de pessoas com sintomas cognitivos em qualquer período de tempo como resultado da Covid-19 é desconhecida e um foco de estudo agora, mas em alguns estudos pode chegar a 20%”, notou a especialista, sublinhando que “não definimos quais são os sintomas e se são algo mensurável porque, simplesmente, ninguém estudou isso ainda”.