O referendo era o último trunfo dos que são contra a eutanásia, mas o mais provável é que seja rejeitado sexta-feira quando for votado na Assembleia da República. É esse o prognóstico mais certo após o debate realizado esta quinta-feira no Parlamento, em que a esquerda (PS, PCP, BE e PEV), mais PAN, mostrou estar unida contra a consulta popular — que emanou de uma petição com mais de 90 mil signatários –, enquanto o maior partido da direita, o PSD, continua dividido. A maior novidade (chamada Iniciativa Liberal) conta apenas um voto a favor do referendo. O CDS foi a voz que falou mais alto contra o referendo, mas isso não chega. André Ventura teve falta de comparência, já que está nos Açores em campanha. Nem participou do debate, nem vai participar da votação.

Começando por onde há divisão, no PSD, Rui Rio optou pela estratégia que tinha utilizado na eutanásia. Estando a bancada dividida entre o voto a favor ao referendo (houve uma moção aprovada pelo Congresso do partido) e o voto contra (defendido pelo presidente e outros deputados sociais-democratas), foi decidido que o tempo que o partido tinha disponível para a intervenção em plenário (16 minutos) seria divido entre os parlamentares Mónica Quintela e Paulo Moniz, que têm posições divergentes.

Mónica Quintela começou por defender a “democracia representativa” e argumentou que seria “um erro gravíssimo” se a questão fosse a referendo. A deputada mostrou-se ainda a favor da despenalização da morte assistida usando o argumento da liberdade individual. “Pimenta na boca dos outros é refresco. É fácil opinar sobre as circunstâncias dos outros”. Segundos depois o colega de bancada, Paulo Moniz, também do PSD, defendeu exatamente o contrário: “Muito mal vai uma democracia onde se fecha uma matéria desta natureza dentro da Assembleia da República.”

No PS, os dois deputados que falaram, Isabel Moreira e Pedro Bacelar Vasconcelos, mostraram ser contra o referendo. A deputada socialista denunciou que a petição mais não era que uma “tática para paralisar o Parlamento” e o deputado atirou-se à pergunta que iria a votos se o referendo fosse aprovado — “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”. Para Bacelar Vasconcelos, a questão formulada assim é “um insulto”.

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O Bloco, através de José Manuel Pureza, citou Isilda Pegado — grande defensora do não à eutanásia e que sempre defendeu que “a vida não se referenda” — para demonstrar aquilo que considera ser a enorme incoerência dos signatários. O bloquista e vice-presidente da Assembleia da República entende que “a liberdade não se referenda”, tal como “a vida não se referenda”, e acrescentou: se o direito das mulheres a votar, a escravatura ou o direito à greve tivessem sido referendados, “essas conquistas teriam ficado confiscadas”.

Já o PCP, através de António Filipe — que foi como todo seu partido um dos grandes defensores do “não” à eutanásia — confirmou que os comunistas vão votar contra o referendo já que os direitos fundamentais “não devem ser sujeitos ao maniqueísmo e à simplificação” que sempre rodeiam os referendos. O PEV, através de José Luís Ferreira, defendeu o mesmo argumento de Isabel Moreira, de que o verdadeiro objetivo dos peticionários é “travar o processo legislativo” em curso na Assembleia da República. E confirmou, igualmente, o voto contra.

IL e CDS a favor: A novidade e a voz que falou mais alto

A grande novidade do debate foi a posição da Iniciativa Liberal, que depois de ter apresentado um projeto (um dos cinco aprovados) que despenaliza a eutanásia, revelou que vai votar a favor do referendo. João Cotrim Figueiredo admitiu que a decisão é “difícil” porque a IL é a favor da eutanásia, mas também de mais participação cívica dos cidadãos nas decisões políticas. Por isso é que “por mais difícil que ela seja” a posição da IL é” votar a favor do referendo”, uma vez que o partido não pode ignorar “mais de 90 mil cidadãos que fizeram este pedido”.

O CDS foi o partido mais duro na defesa do referendo. O líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, começou por dizer que o que se discutia esta quinta-feira era “uma iniciativa popular de referendo que recebeu o apoio de quase 100 mil dos nossos concidadãos”. Este, disse, devia ser “um motivo de respeito e não de escárnio e ofensa para com os peticionários”. Telmo Correia criticou também o facto de o agendamento desta questão “ser discutido a meio da discussão do Orçamento e do folclore que são as negociações” e não mais tarde.

Telmo Correia pediu “humildade” aos deputados para darem a palavra aos portugueses em vez de acharem que tudo sabem. Para o deputado centrista é a escolha entre “arrogância e humildade”. Terminou a intervenção a questionar os deputados: “Têm medo de perguntar ao povo?” E responde: “O povo está do lado da vida”.

A resposta ao pedido do referendo é já, no entanto, mais que previsível. Numa transposição dos votos das bancadas (embora PS e PSD tenham liberdade de voto), parece já evidente que esta sexta-feira a proposta de referendo à eutanásia vai ser chumbada.