Mau tempo, muita chuva, etapa interrompida, corredores em protesto, a organização a prometer que alguém vai pagar a fatura. De forma resumida, um caos. A 19.ª etapa do Giro com início em Morbegno Abbiategrasso foi tudo menos aquela típica tirada com um arranque calmo e um grupo de fugitivos a ir embora, tendo sido parada logo no oitavo quilómetro para ficar resumida a metade, que é como quem diz com “apenas” 124,5 quilómetros a terem início em Como até Asti tendo os corredores apanhado os autocarros das equipas nessa fase neutralizada do percurso. A Associação de Ciclistas apoiou a medida, os organizadores torceram o nariz à mesma alegando que já na véspera se tinha colocado a hipótese, a novela promete continuar. Uma coisa é certa: quase três semanas depois e com as últimas subidas, o desgaste é demasiado evidente, até pelo que se passara na véspera no Stelvio.

Caiu a rosa, ficou o Pantera, há história à vista: João perde liderança, luta ainda pelo pódio mas Rúben tem azul quase garantida

Se nos resultados finais o que ficou foi o sétimo lugar de João Almeida na etapa e a descida à quinta posição da classificação geral, houve outros pontos que mostram ainda melhor aquilo que se passou na etapa rainha da Volta a Itália. Por exemplo, esta foi a subida mais rápida ao ponto mais temido da prova transalpina, o que confere outro mérito ao feito de Hindley e Geoghegan Hart mas também à resistência possível apresentada pelo português, que se tornou o primeiro corredor de sempre com menos de 23 anos a ter a liderança durante 15 dias. Por isso, e entre ontem e hoje, o líder da Deceuninck Quick-Step perdeu a camisola rosa do primeiro lugar, a camisola branca da juventude mas ganhou uma outra camisola: a do respeito. E de variados quadrantes, incluindo a própria organização que fez questão de destacar o português nos momentos que antecederam o arranque da etapa.

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A começar por um dos maiores entre os maiores no Giro, Vincenzo Nibali. O transalpino, longe do momento que lhe permitisse discutir a vitória final, terminou a etapa da véspera com o português, deixou-o cruzar a meta na frente sem rivalizar por esse sétimo posto e teve um gesto de conforto na chegada por tudo o que João Almeida já tinha alcançado. “Hoje certamente não foi um dia bom para mim nem para o camisola rosa. Mas o importante foi termos dado tudo. Boa sorte”, escreveu o italiano, antigo vencedor do Giro (2013 e 2016), do Tour (2014) e da Vuelta (2010). “Estamos a viver um momento de mudança de gerações e sobra pouco espaço para os corredores antigos”, admitiu à imprensa. Já Remco Evenepoel, considerada a maior promessa mundial da atualidade que ficou de fora da prova por lesão, recorreu ao Twitter para dar os parabéns ao corredor de A-dos-Francos: “Chapeau João Almeida e Deceuninck. Tiro o chapéu pela vossa coragem e determinação, campeões!”.

“As minhas sensações não eram assim tão más. Sentia fadiga, o que é normal, mas os adversários estavam muito fortes. Estou contente com a minha prestação, foi sólida. Não se pode ser ‘super’ todos os dias e hoje [ontem] eles estavam mesmo muito fortes. Chorei de emoção quando vi a minha família e alguns portugueses a torcerem por mim no topo do Stelvio… Estava no limite e sabia que não podia seguir ao mesmo ritmo [dos adversários] até ao topo, por isso levei o meu ritmo para não perder muito tempo. Estou bastante feliz e muito orgulhoso por todo o apoio dos portugueses, bem como do trabalho da equipa. Sabia que estava num bom momento mas daí a fazer isto…”, comentou João Almeida no final da etapa rainha da Volta a Itália que foi também de festa para o outro português, Rúben Guerreiro, que já assegurou virtualmente a camisola azul.

“Nos últimos três dias tinha priorizado a montanha. Como tinha uma etapa no bolso… É um sonho de grande Volta. Melhor era quase impossível. Já estava bastante justo de forças, cansado, mas consegui apanhar a primeira fuga e tirar alguns pontos. Foi difícil bater o De Gendt. Os pontos que tinha davam-me alguma margem e ainda pensei na etapa mas com o esforço, o que vinha dos últimos dias… Tem sido muito grande, já não tinha pernas. O Stelvio é para rebentar tudo, é o dia mais duro, mas no sábado quero dar uma perninha e disputar um bom lugar na etapa”, contou o corredor de Pegões à Lusa, antes de uma festa anunciada para Milão que será histórica para o ciclismo nacional, na medida em que nunca um português ganhou uma classificação numa grande Volta.

Dia de sonho para o ciclismo nacional: Rúben Guerreiro ganha etapa e João Almeida defende liderança no Giro

Sobre esta antepenúltima tirada, que deu para rolar com muitas conversas à mistura no pelotão entre adversários e companheiros de equipa, a história foi escrita pelos 14 corredores da fuga que ganhou de vez o seu espaço a partir do momento em que a Bora desistiu de puxar o ritmo para colocar Peter Sagan a lutar pela vitória. Simon Pellaud, Josef Cerny, Victor Campenaerts, Sander Armée, Etienne van Empel, Albert Torres, Lachlan Morton, Jacopo Mosca, Giovanni Carboni, Nathan Haas, Marco Mathis, Iljo Keisse, Simon Clarke e Alex Dowsett foram para a frente, Dowsett e Campenaerts ainda tentaram fugir mas foram neutralizados antes da arrancada de Josef Cerny que chegou a ter 40 segundos de avanço sobre os perseguidores e ganhou mesmo. O triunfo do checo da CCC acabou com a vantagem de 17 segundos sobre Campenaerts, seguindo-se os restantes fugitivos e o pelotão a cerca de 12 minutos, onde se concentravam todos os primeiros classificados da classificação geral. João Almeida chega assim no quinto lugar à penúltima etapa, atrás de Kelderman, Hindley, Geoghegan Hart e Pello Bilbao.