De todas as personagens criadas por Sasha Baron Cohen, Borat é a melhor. Ali G está lá perto. Mas Borat soube ocupar um espaço próprio – quando foi criado e agora recriado – no melhor palco onde poderia existir: os Estados Unidos da América. Desde que “Borat, O Filme Seguinte” foi anunciado (o filme já está disponível no Prime Video, o serviço de streaming da Amazon) que a dúvida persistia: como é que alguém tão famoso como Borat – talvez mais famoso que Sasha Baron Cohen, em certos meios – poderia voltar a existir como falsa personalidade/jornalista do Cazaquistão no país que ridicularizou no hilariante “Borat” de 2006? A nova produção é a melhor resposta. E, ao mesmo tempo, é um filme de apelo ao voto americano, para mostrar que as ações de Baron Cohen querem sempre ter consequência, mesmo que não pareça. É também o regresso do ator à melhor forma no humor.
É preciso ser justo. Há dois anos, Baron Cohen tentou esse regresso com a série “Who Is America?”. Entre controvérsias e piadas, o humorista caiu na armadilha que o próprio criou: um jogo de choque, de surpresa algo básica e um toque de ignorância, que acabou por explorar mais um lado de gargalhada gratuita do que a construção de uma mensagem, de uma história. O “Borat” original era um filme sobre a América de George W. Bush e este, como não poderia deixar de ser, trata a América de Donald Trump. Pode parecer que não, mas há muitas diferenças. Sobretudo porque foi rodado já durante a pandemia. “Borat, O Filme Seguinte” é um retrato de um momento único na História. Não só a americana, mas a mundial.
[o trailer de “Borat, O Filme Seguinte”:]
Daqui a muitos anos talvez olhemos para estas duas longas-metragens como filmes-postal de uma época em que era possível cosntruir este tipo de narrativas. E repetir em 2020 o que fez em 2006 é uma das grandes vitórias de Borat. Sim, o filme consegue causar alguma repulsa. Não é politicamente correto, mas também não é necessariamente respeitador. O jornalista do Cazaquistão é um aglomerado de estereótipos, a construção da sua personagem vive à custa de preconceitos básicos que existem nos EUA e que se espalham por todo o lado através da inevitável contaminação cultural. Achar que a ação do protagonista se pode dividir entre o correto e o incorreto é não perceber a mensagem: Borat está a vencer estes mesmos estereótipos dando as ferramentas ao espectador. O espectador não tem de decidir, tem de perceber.
A personagem não é um ataque aos republicanos nem a um tipo específico de norte-americano. É, sim – a década e meia desde o “Borat” original ajudou a perceber isso –, a exploração de uma sociedade que gosta de se apresentar de uma determinada forma. Borat e Sasha Baron Cohen gozam com a América que se dá a conhecer, com a América que se gosta de mostrar: e é também assim que o Borat 2020 vence o Borat que grande parte do mundo conheceu em 2006. Ou seja, é assim que ainda se infiltra, que consegue ser desconhecido e que ainda consegue contar uma história nesta América e ter uma entrevista com Rudolph Giuliani (o momento gratuito de “Borat, O Filme Seguinte”, mas essencial para colocar um ponto final na viagem da personagem).
Ao longo de hora e meia, Sasha Baron Cohen mostra constantemente que o mundo estava a precisar de Borat. Para agitar as águas. Para brincar, para ser nojento, para mexer com o que não se pode gozar e para nos fazer rir com aquilo que, à primeira vista, não era suposto fazer-nos rir. Certamente muitos vão achar tudo isto ofensivo, outros encontrarão aqui mais do mesmo e há quem verá no filme uma relevância cultural que anda algo ausente no humor nos últimos anos. Para todos eles, “Borat, O Filme Seguinte” será qualquer coisa. Não é a bomba que o original foi, mas é o abastecimento perfeito no depósito de descontração neste tempos tensos. Num ano de tanta mudança, é bom saber que Borat se mantém igual.