As bolsas europeias tiveram esta quarta-feira um dia “negro”, com os principais índices a caírem para os níveis mais baixos desde maio à medida que cada vez mais países se preparam para lançar medidas restritivas tentando conter a propagação do novo coronavírus. Os dados económicos parecem indicar que várias economias estarão novamente a derrapar, depois de alguma retoma nos meses de verão – daí que os investidores voltem a virar-se novamente para o Banco Central Europeu e para Christine Lagarde, que esta quinta-feira deverá escancarar a porta a mais medidas de estímulo monetário.

Um dos principais índices que seguem as ações europeias, o Stoxx Europe 600, fechou a cair 3,1% para os valores mais baixos dos últimos cinco meses. As perdas na bolsa já se adivinhavam desde a noite anterior, quando foi noticiado que Angela Merkel queria impor novas medidas para controlar a pandemia na Alemanha, após o recente aumento de casos de Covid-19.

Em Portugal, o índice PSI-20 terminou a cair 2,2%, com o DAX 30 alemão e o CAC 40 de Paris a perderem 4,2% e 3,4%, respetivamente. Em Espanha, um país que já voltou ao estado de emergência, a bolsa também se ressentiu do sentimento negativo geral: o IBEX 35 baixou 2,7% esta quarta-feira. Contagiadas pelos receios em torno da propagação do vírus e com alguns investidores a manterem-se à margem até às eleições da próxima semana, a bolsa nova-iorquina também seguia a cair 2,9% (S&P500).

“Na UE, o número de novas infeções está a subir de uma forma aparentemente imparável e a carga sobre os sistemas de saúde está a aumentar”, escreveu o Commerzbank em nota de análise enviada esta quarta-feira aos investidores. “É previsível que hoje sejam anunciadas novas restrições na Alemanha e em França e as pessoas já estão a adotar uma postura mais cautelosa e a comprar menos nas lojas”, acrescentam os analistas do banco alemão.

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É a segunda vaga que se temia há vários meses e, além disso, a confirmação de que muitos países não conseguirão evitar dar “passos atrás” no desconfinamento para controlar a pandemia e evitar o colapso dos hospitais. Até no Reino Unido, Boris Johnson estará, segundo a Bloomberg, a admitir um novo “lockdown“, cenário a que tem resistido nas últimas semanas apesar dos alertas da oposição trabalhista e de vários assessores científicos que estão a trabalhar com o governo britânico.

Em Portugal, o ministro da Economia terá estado em contacto com os parceiros sociais em antecipação ao conselho de ministros extraordinário agendado, subitamente, convocado para o próximo sábado. Fonte do Governo adiantou ao Observador que o objetivo é definir “ações imediatas” para o controlo da pandemia em Portugal – isto depois de esta quarta-feira a Direção-Geral de Saúde ter indicado que morreram mais 24 pessoas e houve mais 3.960 novas infeções confirmadas no país.

Europa dá passo atrás. Espanha volta à contração económica

Outro dado preocupante para Portugal é que os indicadores vindos de Espanha, o maior parceiro comercial, são “desencorajadores”. Isto na perspetiva dos economistas do banco holandês ING, que esta quarta-feira apontou que a retoma em Espanha está a empatar e não são bons os sinais para o quarto trimestre.

Desta feita foram os números das vendas a retalho. “Os dados dos inquéritos já apontavam para uma desaceleração em setembro e, agora, os dados oficiais confirmam que as vendas a retalho voltaram a cair para território negativo”, diz o ING – uma quebra de 0,3% na comparação com o mês anterior, quando em agosto tinha havido um aumento de 1,4% (em termos de comparação anual, homóloga, em setembro houve uma queda de 3,3%).

“Estes dados vêm confirmar que a recuperação pós-lockdown foi interrompida no final do terceiro trimestre e isso não é um bom augúrio para o quarto trimestre”, afirma o banco de investimento. A expectativa do ING é que a economia espanhola volte a contrair-se no quarto trimestre: “estamos a mover-nos de uma recuperação como o símbolo da Nike para uma evolução em W”, afirmam os economistas, que preveem que a economia espanhola feche o ano com uma quebra de 15%.

Depois de alguns países terem revisto em alta as estimativas económicas nos últimos meses (incluindo o Banco de Portugal), o consenso entre os economistas está a mover-se rapidamente em sentido contrário e o Banco Central Europeu (BCE) terá de fazer refletir nas suas previsões o impacto negativo da chamada “segunda vaga”, um pouco por toda a Europa.

Lagarde guarda anúncios para dezembro. Mas palavras têm de vir já

As novas projeções do BCE não vão ser divulgadas para já – apenas no início de dezembro. Mas já esta quinta-feira, após a reunião periódica do banco central, a presidente Christine Lagarde aparece em conferência de imprensa em Frankfurt e a expectativa dos economistas é que o BCE deverá “afirmar veementemente a sua disposição para tomar medidas adicionais de suporte monetário no final do ano”.

Esta é a opinião do responsável da Allianz pelo investimento em obrigações, Franck Dixmier, em nota de antecipação enviada aos clientes. “O tom da reunião do BCE de 29 de outubro deve ser decididamente pessimista”, diz o especialista, acrescentando que “o BCE deve sublinhar a deterioração das perspetivas macroeconómicas devido às novas restrições decorrentes do agravamento da crise sanitária e as suas preocupações quanto a uma possível dupla redução do crescimento”.

Lagarde precisa de reconfortar os investidores com a comunicação, mas não é necessário fazer já novos anúncios concretos, diz a Allianz. “Em dezembro, o banco central vai ter mais perspetiva sobre os riscos políticos que surgiram nas últimas semanas – como o Brexit e as eleições nos Estados Unidos – bem como sobre a evolução da pandemia”, afirma o especialista.

Esperamos uma forte mensagem de Christine Lagarde sobre a sua vontade de implementar medidas de apoio adicionais no final do ano. Isto deve incluir uma extensão do PEPP [o programa de compra de dívida pública nos mercados], adiando o seu final programado de junho para dezembro de 2021, e um aumento no programa de compra do BCE para atender às emissões soberanas recorde esperadas em 2021, bem como novas condições favoráveis para os T-LTROs [as operações de refinanciamento de longo prazo para os bancos, a custos baixos]”, diz a Allianz.

Apesar de o abrandamento das economias ser uma evidência para todos, é, no entanto, tudo menos consensual no seio do BCE que mais estímulos devem ser a resposta. “A extensão do PEPP vai provavelmente provocar debates internos no Conselho do BCE” porque “ressurgiu a velha divisão entre pombos e falcões“, diz a Allianz. A seguradora e gestora de ativos alemã acredita que “Christine Lagarde, que defende a procura de consensos, terá muito trabalho pela frente para resolver um debate já antigo: corre-se o risco de uma política ainda mais agressiva de compra de títulos soberanos poder ser vista como financiamento monetário de deficits públicos, algo proibido pelos tratados”.