O Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) alerta para o “sério risco” de os hospitais na Europa ficarem saturados em breve por causa da Covid-19, apesar de reconhecer melhor preparação e maiores probabilidades de sobrevivência. Refere o aumento de internamentos em Portugal e aconselha a regra portuguesa no uso das máscaras na rua que entra esta quarta-feira em vigor: sempre que não houver distanciamento social.
“A não ser que baixemos rapidamente o número de casos [de infeção com o novo coronavírus], corremos o risco de os hospitais atingirem o seu limite”, diz em entrevista à agência Lusa, Bruno Ciancio, diretor do departamento de Vigilância do ECDC.
Covid-19. Centro europeu alerta para o aumento das hospitalizações em Portugal
Numa altura em que se assiste a um aumento exponencial de novas infeções e também de internamentos na Europa, o especialista recorda que, “com o inverno, haverá novos vírus, como é o caso da Influenza [gripe sazonal]”, reforçando que existe um sério risco de os hospitais ficarem saturados”.
“E agora é a altura de aumentar a capacidade de resposta”, apela.
Para Bruno Ciancio, “o desafio” dos países europeus – entre os quais Portugal, que está a registar aumentos no número de internamentos – é agora o de “ter capacidade suficiente nos hospitais e de assegurar tratamento e apoio necessário para os que necessitam”.
“Esta é uma verdadeira preocupação” do ECDC, admite. Este poderá ser apenas “o início” se as autoridades portuguesas não atuarem para conter o vírus.
“Estamos a assistir a um aumento em Portugal em termos de taxas de hospitalização e está a surgir um pouco mais tarde do que noutros países” europeus, afirma Bruno Ciancio.
De acordo com o especialista, “é importante que o país considere que este é apenas o início” da subida do número de internamentos por infeções com o novo coronavírus, que tem vindo a acentuar-se desde princípios de outubro.
Bruno Ciancio defende, por essa razão, que “muito deve ser feito [em Portugal] para baixar essa taxa antes que tenha um grande impacto na população”, nomeadamente aumentando a capacidade dos sistemas de saúde e introduzindo medidas de contenção mais direcionadas.
Questionado sobre quando se poderá chegar a esse ponto de rutura nos hospitais europeus se os dados continuarem a piorar, Bruno Ciancio explica que “não há dados suficientes para dizer qual é a capacidade total nos Estados-membros”, dado que “após a primeira vaga os países aumentaram-na”.
Ainda assim, insiste que essa possibilidade existe, como aliás se verificou nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, entre março e maio.
Mais otimista é o cenário desta segunda vaga em comparação com a anterior, de acordo com o especialista: “Mesmo que haja muito mais casos, ainda estamos com uma mortalidade mais baixa devido à melhor preparação dos sistemas de saúde”.
Em termos concretos, “estamos com cerca de um terço das hospitalizações e mortalidade que tínhamos na vaga da primavera”, precisa Bruno Ciancio.
Continuando nesta comparação entre a primeira e a segunda vaga, o especialista indica que os países europeus estão a “tratar e a gerir melhor estes pacientes” com SARS-CoV-2.
“Houve tratamentos que provaram ser bem-sucedidos em vários ensaios e, de momento, os pacientes que estão hospitalizados com uma doença grave têm maiores probabilidades de sobreviver do que tinham em abril e isso é muito encorajador”, contextualiza Bruno Ciancio.
Também reforçada foi a capacidade de diagnóstico em todos os países, aponta: “Temos muitos mais casos diagnosticados agora do que fomos capazes de detetar na primavera porque agora há uma maior capacidade de testar em todos os países, [além de que] os dados de que dispomos hoje [esta quarta-feira] são mais precisos do que na primavera”.
Outra diferença “é que agora notamos que está muito mais espalhado do que na primavera”, assinala ainda Bruno Ciancio, explicando que, nesta segunda vaga, o ressurgimento das infeções “começou quase ao mesmo tempo em todo o lado” na Europa.
Máscara no exterior nos termos em que Portugal o faz
O Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças não recomenda a utilização generalizada de máscara no exterior para combater a Covid-19, defendendo antes a sua utilização quando não é possível garantir distanciamento, como implementado em Portugal.
“Temos de ser racionais e regermo-nos pela ciência. Usar máscara faz todo o sentido se está numa situação em que não é possível evitar o contacto próximo com outras pessoas”, mas não em todas as situações no exterior, defende o diretor do departamento de Vigilância do ECDC.
No dia em que se torna obrigatório em Portugal o uso de máscaras em espaços públicos, precisamente para situações em que não é possível assegurar o distanciamento físico, Bruno Ciancio argumenta que “não se deve transformar a utilização da máscara num argumento político”.
“Se eu sair para um passeio, não tenho de usar máscara porque o vírus não está no ar, mas se eu participar num encontro no exterior em que estão 20 a 50 pessoas e estamos a menos de um metro uns dos outros, então devemos usar máscara no exterior porque a transmissão pode ocorrer no exterior [nesses casos], embora seja menos provável”, justifica.
O diploma sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços públicos, para combater a pandemia de Covid-19 em Portugal, refere que a medida terá a duração de 70 dias e abrange pessoas a partir dos 10 anos para “acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável”.
Além disso, prevê que o não cumprimento desta imposição seja punido com multas que vão até aos 500 euros.
Instado pela Lusa a comentar a imposição deste tipo de medidas, já em vigor noutros países europeus, Bruno Ciancio aponta que a obrigatoriedade de usar máscara no interior e exterior “depende do contexto”, já que, em alguns locais, “é melhor ser mais específico do que implementar medidas gerais, para que as pessoas cumpram”.
“É preciso é fazer com que as pessoas entendam os riscos de cada situação”, argumenta.
Para o especialista do ECDC, cabe aos decisores políticos “facilitar a adesão” da população às medidas de contenção, mas é, por sua vez, “responsabilidade de todos respeitar as medidas”.
“E não digo que as pessoas devem deixar de ter atividades de lazer, todos devemos viver as nossas vidas, mas ao mesmo tempo há coisas que podemos fazer”, apela Bruno Ciancio.
O responsável perspetiva que seja “muito provável” que estas medidas para combate à Covid-19 — como o uso de máscara, o distanciamento físico e as regras de higiene — fiquem em vigor “por algum tempo”.
Isto porque “mesmo que oiçamos que haverá uma vacina em breve, o primeiro público-alvo será o dos indivíduos que têm riscos mais elevados de infeção e também trabalhadores da área da saúde, o que na melhor das hipóteses irá abranger 2% a 3% da população”, estima Bruno Ciancio, notando que isso “não terá impacto na taxa de transmissão”.
Ainda assim, o especialista mostra-se “otimista” sobre uma potencial vacina eficaz e segura, embora admita ser “difícil fazer uma previsão” sobre prazos.
Certo é que a Comissão Europeia já assinou contratos com três farmacêuticas para assegurar vacinas para a Europa quando estas se revelarem eficazes: a AstraZeneca (300 milhões de doses), a Sanofi-GSK (300 milhões) e a Johnson & Johnson (200 milhões).
Celebração do Natal na Europa vai depender de medidas adotadas agora
A celebração do Natal este ano na Europa vai “depender muito” das medidas adotadas agora pelos países europeus para combater a pandemia de Covid-19, avisa o Centro Europeu para Prevenção e Controlo das Doenças.
“Ainda falta algum tempo até ao Natal, mas penso que a forma como o Natal será celebrado depende muito do que for feito agora”, declara o diretor do departamento de Vigilância do ECDC, Bruno Ciancio.
Numa altura em que a Europa está a registar, por dia, cerca de 250 mil novos casos e mais de 2.000 mortes, o responsável acrescenta: “Se formos capazes de reverter esta tendência, isso irá permitir que possamos ter um bom Natal”.
Ainda assim, admite que, à semelhança do verão, esta será uma época natalícia atípica.
“Não será um Natal com viagens pelo mundo ou com grandes ajuntamentos, mas ainda poderá ser um Natal com significado e pacífico se baixarmos as taxas de infeção”, conclui Bruno Ciancio.
As declarações de Bruno Ciancio surgem depois de, em meados deste mês, o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, ter admitido que poderá ser necessário “repensar o Natal em família”, devido ao aumento exponencial de casos de Covid-19.
“É preciso repensar o Natal em família, repensa-se o Natal em família. Não pode ser um Natal com 100 pessoas, com 60 pessoas, com 50 pessoas, com 30 pessoas, divide-se o Natal pelas várias componentes na família”, referiu o chefe de Estado na altura.
Também nessa ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que “é preciso que as pessoas percebam que isto é uma tarefa de todos”, acrescentando que “essa tarefa significa cada qual por si fazer um esforço”.
O chefe de Estado exortou, ainda, a uma “precaução adicional, neste período de pico” da pandemia.
Sediado na Suécia, o ECDC tem como missão ajudar os países europeus a dar resposta a surtos de doenças.
Em todo o mundo, a pandemia de Covid-19 já provocou mais de 1,1 milhões de mortos e mais de 43,5 milhões de casos de infeção.
Em Portugal, morreram 2.371 pessoas dos 124.432 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.