O economista Eugénio Rosa recorda que “muitas vezes” se sentou dentro do gabinete do ex-ministro Vieira da Silva alertar que estavam a acontecer irregularidades na Associação Mutualista Montepio Geral, desde logo nas quantias que a associação estava a injetar no banco, concentrando no banco uma proporção cada vez maior dos seus recursos – muito além dos limites legais. E a resposta de Vieira da Silva, supervisor da mutualista através do Ministério da Segurança Social, era sempre a mesma: “Mas o que é que eu posso fazer?”.
A história foi contada pelo economista numa sessão online promovida, esta terça-feira, por um grupo de associados que se opõem à atual administração da mutualista e que exigem uma intervenção “urgente” do Estado para “reequilibrar” a associação mutualista e no Banco Montepio. Sendo cada vez maiores as dificuldades financeiras da associação mutualista e mais prementes as necessidades de capital do banco, esta é uma história que mostra porque é que, agora, “o Governo não se pode desresponsabilizar” de uma solução que venha a ser encontrada para estabilizar as instituições. Outra questão, também, é ter-se permitido que Tomás Correia fosse tantos anos presidente do banco e da mutualista, em simultâneo, o que criou condições (dizem estes associados) que fosse destruído muito valor nas duas instituições.
Porém, há vários meses que correm nos corredores indicações de que o Governo já estará discretamente a trabalhar numa solução (e que Diogo Lacerda Machado, “melhor amigo” de António Costa, já tem o problema em mãos). Questionados pelo Observador na sessão promovida esta terça-feira, os associados dizem não “querer acreditar” que se esteja a trabalhar em eventuais soluções “à margem das pessoas que estão aqui”. São, na prática, pessoas ligadas às duas listas alternativas que, somadas, tiveram mais votos, nas últimas eleições, do que a lista vencedora (ainda liderada, na altura, por Tomás Correia).
São nomes como Fernando Ribeiro Mendes, Eugénio Rosa, João Costa Pinto, Viriato Silva, Pedro Corte Real, Mário Valadas e Manuel Ferreira. Foram estes dois últimos que se queixaram de uma “completa falta de transparência relativamente às decisões que estão a ser desenvolvidas”. “É totalmente opaco. Tanto quanto eu sei as pessoas – algumas das quais estão aqui – que estão dentro do Montepio e que estão no seu Conselho Geral, não têm informação nenhuma”, afirmou Mário Valadas. Já Manuel Ferreira acrescentou que, do lado do Governo, se tem recebido sempre um “lacónico ‘estamos a acompanhar a situação'”, mas nada de consequente parece estar a acontecer.
“Um verdadeiro tsunami”. Sem bónus fiscal, Montepio fica “no vermelho” em 500 milhões
Ora, estes associados consideram que, estando o governo “plenamente informado” das dificuldades que existem na associação mutualista que une cerca de 600 mil portugueses, quanto mais tarde se reconhecer que há um problema, mais cara sairá a solução – e pior, a dada altura, poderemos entrar num caminho de irreversibilidade que ponha em causa a instituição. Nesta perspetiva, estes associados, que sublinham não estar a fazer um “posicionamento eleitoral” sublinham a importância de se fazerem novas eleições na mutualista porque a atual administração – liderada por Virgílio Lima, que herdou a presidência de Tomás Correia quando este saiu na iminência de ver recusada a sua idoneidade – há muito “se tornou parte do problema e não parte da solução”, desde logo por “não reconhecer que o problema existe”.
Estes opositores da atual administração dizem-se “disponíveis para colaborar com os órgãos do Montepio” para “contribuir construtivamente para a preparação de um plano de emergência para salvar o Montepio“. Mas que forma é que esse plano podia ter? Os associados ainda não têm uma proposta firme: “Não temos arquitetada uma solução definitiva para o que vamos propor, porque não podemos construir essa solução isoladamente”. Isto é, sem o Governo.
Mas alguns dos presentes na conferência de imprensa, como o ex-vice-governador do Banco de Portugal João Costa Pinto, admitiram algumas soluções possíveis tanto para o banco como para a mutualista, cujos destinos estão intimamente ligados – porque as dificuldades financeiras da mutualista se explicam pelos valores que foram injetados no banco e porque o banco, que tem na mutualista a sua quase-única acionista, vive dificuldades de capital que tornam ainda mais difícil que se torne lucrativo e competitivo.
Na “opinião pessoal” de João Costa Pinto, entre os cenários possíveis para o banco estaria a transferência para um “veículo” externo dos ativos não-rentáveis que o Montepio tem (em termos simples, créditos em incumprimento, muitos dos quais que ainda vêm do tempo de Tomás Correia) – isso permitiria “libertar capital” para a instituição. Já do ponto de vista da associação mutualista, João Costa Pinto indicou, também numa “opinião pessoal”, que seria possível encontrar um mecanismo de salvaguarda dos rendimentos das poupanças dos associados, um mecanismo como um fundo de garantia pública, que seria necessariamente plurianual “porque o reequilíbrio do Montepio não será possível fazer de um momento para o outro”.
“Governo chamou-me quatro vezes para falar do Montepio”, revela João Costa Pinto
Pode ler a declaração na íntegra nesta ligação.