O inspetor da Polícia Judiciária civil, a primeira testemunha arrolada pelo Ministério Público no caso Tancos, já estava sentado em frente ao coletivo de juízes pronto para falar, quando o arguido José Costa decidiu que afinal falava ele. O sargento chefe da Polícia Judiciária Militar, que até esta terça-feira dizia que só prestaria depoimento depois do à data porta-voz da PJM, major Brazão, mudou de ideias. E o coletivo de juízes acabou por dispensar o inspetor José Luís, que tinha vindo de Lisboa de propósito.

Com uma experiência de cerca de 30 anos enquanto militar, José Costa foi o homem que na noite da recuperação de armas num descampado na Chamusca, em outubro de 2017, fez uma chamada anónima para o piquete da PJM a dar conta da localização das armas na zona de Pinheiro Grande, na Chamusca. Uma operação que o Ministério Público diz ter sido montada para dar a entender que as armas tinham aparecido por acaso, quando afinal foram ali colocadas na sequência de uma investigação feita à revelia da Polícia Judiciária civil.

Segundo disse no Tribunal de Santarém, o major Brazão já lhe tinha dado essa indicação. Mas foi o major Pinto da Costa quem, pelas 3h00 desse dia 18, estava ele a dormir, lhe telefonou a dizer para avançar. Antes, contou, o sargento já tinha ido ver “as cabines na Margem Sul”.

“Pediram-me para fazer uma chamada numa cabine, numa qualquer. Fiquei à espera do contacto” contou.

José Costa explicou então que se levantou, pegou no carro da mulher e dirigiu-se a uma cabine junto da rodoviária. “Fiz o papel de chamada anónima, tentei fazer de uma forma natural. Não falei nome de ninguém, disse que as armas tinham aparecido”, contou. Depois desligou rapidamente e quando estava a regressar a casa o major Vasco Brazão ligou-lhe a dizer que tinham que ir para a Chamusca.

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José da Costa entregou o carro da mulher, pegou na mochila e no carro dele e seguiu para os Olivais para pegar Brazão. Ainda pararam na estação e serviço de Aveiras onde estava o o então diretor da PJM, Luís Vieira, rumo à Chamusca.

Esta não foi a única intervenção na investigação. Logo após o furto, em junho, e ainda antes de o Ministério Público atribuir a investigação à PJ civil, também ele fez várias inquirições a militares a pedido do inspetor Bengalinha — que estava de piquete quando houve o furto, em finais de junho.

Mais tarde, e sempre a pensar que estaria a fazer diligências a coberto desse processo, foi também levar um Peugeot 206 com um localizador instalado a Pombal. “Emitia sms com a localização da viatura para um telemóvel através de um cartão SIM”, explicou. Se o carro estivesse em movimento estava permanentemente a mandar mensagens para o telemóvel.  Esse carro foi entregue aos militares da GNR de Loulé que andavam a tentar obter informação de João Paulino. Chegou mesmo, neste dia,, já pela madrugada, a levar os dois militares ao Algarve.

José da Costa chegou mesmo a fazer um levantamento das visitas nos alojamentos locais e hotéis da zona de Tancos, portanto naquele dia da chamada sabia que se tratava do caso Tancos.

O PJ que era para ser ouvido, mas cuja audição foi adiada

Um dos pormenores que o tribunal quis saber foi se de facto o militar José Costa tinha visto as armas na Chamusca. O sargento contou que viu as caixas e que depois acabou por ajudá-las a colocar na carrinha Mercedes — sem o banco de trás que o Major Brazão tinha pedido no dia anterior e que ele tinha requisitado.

O tribunal quis saber se o material estava molhado ou sujo de lama, uma vez que nessa noite estava a chover. É que o inspetor da PJ que não chegou a ser ouvido esta terça-feira é um dos que assina o relatório da PJ civil feito no dia do achamento, em Santa Margarida, para onde foram levadas as armas. E que dá conta desse exato pormenor: era estranho que as caixas das armas não estivessem molhadas ou sujas, tendo sido encontradas numa noite de chuva num descampado.

José Costa disse que, de facto, não se lembra, mas a verdade é que o material explosivo não deixou a carrinha suja.

PJM faz queixa contra inspetores da PJ civil por fotografias à porta do tribunal

Antes de o militar falar, o coletivo de juízes presidido por Nelson Barra decidiu fazer um intervalo de minutos. Tempo suficiente para um incidente que acabou numa queixa.

Segundo o advogado Ricardo Serrano Vieira, que representa o major Pinto da Costa, nesse intervalo estavam dois inspetores da PJ civil à porta do tribunal que teriam tirado fotografias e filmado os arguidos.

Logo após o incidente, o advogado pediu então ao juiz que extraísse uma certidão e investigasse o sucedido. O Ministério Publico considerou que tendo acontecido fora do tribunal a queixa não devia ser feita ali, mas o juiz acabou por aceitar.

Já no final da sessão um desses inspetores acabaria por ir falar com o advogado. Tinha sabido pelo colega que iria testemunhar no caso de Tantos o que tinha acontecido. Ele dois outros colegas estavam, afinal, no tribunal para outro julgamento, num caso de homicídio. E, segundo a versão do inspetor, visivelmente indignado com a suspeição contra si levantada, estava a fazer uma vídeochamada e nem sequer conhecia os arguidos.

Explosivos estavam obsoletos, mas bastava um explodir para dar cabo de um edifício

Emotivo e, por várias vezes, a pedir desculpa ao juiz e ao procurador por se deixar levar pelas palavras. O sargento Lage de Carvalho, ao serviço da Policia Judiciária Militar do Porto, voltou esta mannhã a recusar ter havido qualquer “pacto de silêncio” ou plano para investigar o assalto a Tancos à revelia da PJ civil, como acusa o Ministério Público. “Para mim batia tudo certo”, reiterou.

O militar disse mesmo que foi “nomeado para fazer parte de uma equipa” que estaria a contribuir para uma investigação mais vasta. “Na minha cabeça havia inúmeras linhas a ser exploradas”, disse no Tribunal de Santarém, sustentando que sempre viu o seu chefe, o major Pinto da Costa, a manter telefonemas com o oficial de ligação da PJM à PJ civil, o coronel Estalagem (que não é arguido no processo).

Dia 9 de Tancos. Investigador da PJM diz que sentiu receio da PJ civil

Recuando a outubro de 2017, o militar disse mais que uma vez ter dificuldade em usar a palavra “achamento” para aquilo que aconteceu na Chamusca. “Para mim é uma recuperação, eu andei a trabalhar naquilo”, afirmou. “Chegou o momento em que não fazíamos mais nada senão dormir duas horas para noite”, disse, descrevendo as viagens que fazia entre o Porto, Lisboa, Tomar e Algarve.

Lage Carvalho adiantou também que nessa madrugada em que as armas foram recuperadas, Pinto da Costa lhe telefonou a dizer que tinham que ir ao encontro do sargento ajudante Lima Santos, comandante do Núcleo de Investigação Criminal de Loulé, porque ele teria  novas informações. Antes tinham existido vários encontros, entres eles e os três militares da GNR de Loulé, na zona de Tomar para que os elementos da GNR fossem ter com João Paulino e o convencessem a dar informações sobre a localização das armas. E só quando chegou à Ponte da Chamusca, afirmou, percebeu ao que iam.

Assalto e encobrimento. Quem é quem no julgamento de Tancos

Ainda nessa noite o próprio diretor nacional da PJM, Luís Vieira, esteve no local. “Havia n pessoas a fazer n telefonemas. Não contactaram a PJ?”, interrogou, explicando que isso para ele nem sequer foi uma questão. “Há situações que a gente toma como certas. Eu tomei como certo que estava tudo feito”.

Lage de Carvalho foi para a PJM vindo da GNR e é amigo de Lima Santos há cerca de 30 anos. Na última sessão contou que foi ele que acabou a apresentá-lo aos majores Pinto da Costa e Brazão no Algarve Shopping — aquele que seria o ponto de partida para a colaboração entre a PJM e a GNR, e que o Ministério Público vê como um pacto de silêncio para uma investigação ilegal.

Já no final do depoimento pediu desculpa ao ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, por discordar sobre a sua tese de que os explosivos furtados em Tancos estavam obsoletos e só fariam mal a quem os manuseasse — o que de certa forma o tranquilizou. “É exatamente o contrário”, disse. “Fora de validade é ainda mais perigoso. Bastava um dos explosivos iniciar, se não estivessem separados e estivessem no rés do chão do prédio, este edifício desaparecia”, exemplificou.