Primeiro, no dia de Natal. Depois, nessa mesma tarde. Portugal estará em condições de começar a vacinar os portugueses contra a Covid-19 assim que os medicamentos aterrem no país. A garantia foi dada por Francisco Ramos. O coordenador da task force para o Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 foi ouvido esta quarta-feira de manhã no Parlamento, por videoconferência, na Comissão de Saúde, a requerimento do CDS-PP e do PSD.
Para já, as marcações para a vacinação ainda não começaram a ser feitas e a toma é para ser voluntária, já que outra solução “seria um erro”. O país receberá as vacinas em três pontos centrais, dois deles nas regiões insulares, e está afastada a hipótese de serem as Forças Armadas a fazerem a distribuição do medicamento. Mais pormenores serão conhecidos até ao final desta semana.
“São 11h44. Se, eventualmente, por algum passe de magia, as vacinas chegassem às 11h45, quero garantir que à tarde teríamos condições de estar a administrar vacinas num qualquer centro de saúde de Portugal”, afirmou Francisco Ramos que, ao longo de duas horas, foi por diversas vezes questionado sobre a capacidade de se dar início à vacinação no terreno. A insistência dos deputados prendeu-se com uma novidade conhecida esta semana: o parecer favorável da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) à vacina da Pfizer/BioNTech deverá ser dado a 21 de dezembro e não a 29 de dezembro, como era esperado.
Assim, a vacina poderá ser entregue aos Estados-membros antes de 2020 chegar ao fim.
Depois dessa primeira luz verde, esclareceu Francisco Ramos, segue-se a aprovação da Comissão Europeia, que deverá acontecer nos dois dias seguintes, havendo um compromisso da Pfizer de entregar a vacina a cada um dos países três dias depois. O compromisso é de que chegue a todos os Estados ao mesmo tempo, para que a campanha de vacinação comece em simultâneo.
“Mesmo que isso aconteça no dia de Natal teremos certamente as pessoas habilitadas prontas para receber as vacinas”, garantiu aos deputados. Apesar disso, partilhou uma má notícia: “há um incumprimento” contratual da farmacêutica, o que quer dizer que no imediato as doses de vacinas disponíveis serão cerca de 20% inferiores ao esperado. Por isso mesmo, acredita que o mais provável é que a campanha de vacinação decorra de janeiro a abril.
Covid-19: regulador europeu antecipa reunião sobre aprovação de vacina para 21 de dezembro
Quanto às marcações para a toma das vacinas, essas ainda não começaram. O coordenador da task force lembra que as pessoas pertencentes a grupos prioritários “serão convidadas a serem vacinadas com local, data e hora marcada” e, por não ser ainda certo em que dia a vacina chega a Portugal, essas marcações não começaram a ser feitas. “Como não havia certeza de quando haveria vacinas, as marcações não podiam começar a ser feitas. Será feito quando tivermos datas seguras.”
O pior que podia acontecer, disse Francisco Ramos aos deputados da Comissão de Saúde, “era marcar datas fixas” e depois avisar os doentes que afinal isso não ia acontecer, já que levaria ao “descrédito” de todo o programa.
Os sociais-democratas pretendem que Francisco Ramos seja ouvido todos os meses na Assembleia da República, enquanto durar a campanha de vacinação em Portugal. No requerimento, o PSD propõe que a audição parlamentar mensal seja conjunta entre a Comissão de Saúde e a Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença Covid-19, tal como aconteceu esta quarta-feira.
Covid-19: PSD quer coordenador do plano de vacinação ouvido mensalmente no parlamento
Vacina obrigatória? “Seria um enorme erro”
Foram vários os momentos em que o antigo secretário de Estado da Saúde frisou que a toma da vacina contra a Covid-19 será voluntária, devendo a opinião e a decisão de cada um dos portugueses ser respeitada.
“Esta vacinação é voluntária e acho que seria um enorme erro torná-la obrigatória. Temos 40 anos de experiência de plano de vacinação, que é uma joia de coroa do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou, lembrando que nenhuma vacina em Portugal é de toma obrigatória. Francisco Ramos lembrou ainda que o estudos disponíveis apontam para que menos de 10% da população portuguesa recuse tomar a vacina, “números que são animadores quando comparados com outros países”.
“Quem recusa tomar a vacina deve ser respeitado, seja profissional de saúde ou outro”, defendeu. Certo é que quem quiser ser vacinado, será vacinado, uma promessa que, segundo Francisco Ramos, não poderia ter sido feita com a vacina da gripe sazonal. Para essa campanha, recordou, foram adquiridos 2 milhões de doses de vacinas, quando para este programa já foram contratualizadas 22,8 milhões de doses. “Haverá vacinas para todos os portugueses que se queiram vacinar.”
Sobre os grupos prioritários frisou que são apenas isso: prioridades e não listas de “quem tem direito, ou não, à vacina”.
Questionado sobre a imunidade de grupo, “uma pergunta difícil”, Francisco Ramos confessou não ter “uma resposta precisa”, lembrando que todos os estudos apontam para que a imunidade de grupo seja atingida quando cerca de 60% da população está imunizada. “Diria que pela vacinação, poderíamos chegar à imunidade de grupo no final da primavera, início de verão.”
Apesar disso, a vacina não mudará, no imediato, a situação que se vive. “Não é por se iniciar o processo de vacinação que vamos poder minorar as restrições”, sublinhou Francisco Ramos. “O início da vacinação significa uma esperança, mas não nos autoriza a diminuir no que quer que seja os comportamentos” que evitam a propagação do vírus da Covid-19.
Cadeia de frio. Nos centros de saúde basta ter um frigorífico doméstico
Uma das questões levantadas pelo PSD durante a audição prende-se com a necessidade de manter as cadeias de frio ao longo de todo o processo de distribuição da vacina. A grande questão é que o fármaco da Pfizer tem de ser armazenado a cerca de 80ºC negativos e nem Portugal nem outros países tinham infraestruturas preparadas para estes níveis de congelação. O problema está resolvido, garante o coordenador da task force.
“Quanto à cadeia de frio, o único ponto que tem de o garantir é aquele onde as vacinas serão recebidas. A partir daí não é necessário”, esclarece o antigo secretário de Estado da Saúde. Francisco Ramos diz que o que “é necessário é ter uma cadeia ágil, que garanta que as vacinas não andam a passear por Portugal e que são distribuídas”.
De resto, frisa que as vacinas da Pfizer podem ficar no local central de armazenamento até um máximo de 6 meses. A partir daí, são transportadas em caixas térmicas onde podem ficar guardadas até 30 dias desde que as mesmas não sejam abertas. “Depois de abertas as caixas térmicas, as vacinas têm de ser administradas em cinco dias”, sublinha. “As doses podem ser conservadas no frigorífico e os pontos de vacinação não precisam de mais do que um frigorífico idêntico aos das nossas casas.”
De resto, Francisco Ramos já tinha esclarecido os deputados de que os medicamentos da Pfizer-BioNTech ficarão armazenados em três locais distintos, no continente, na Madeira e nos Açores. Caberá à empresa entregar as doses em cada um desses locais centrais, não estando previsto que sejam as Forças Armadas a transportar as vacinas, ao contrário do que sugeriu um dos parlamentares.
Não serão veículos das Forças Armadas a fazer essa distribuição no continente, será feita através de organizações e instrumentos certificados e licenciados para isso”, afirmou.
Francisco Ramos esclareceu ainda que está a ser preparada uma campanha de sensibilização para a vacinação contra a Covid-19 e que embora gostasse que ela já estivesse na rua, isso só poderá acontecer quando todos os pontos estiverem esclarecidos, “para passarmos informação completamente segura com tudo aquilo que devemos saber”.
Sobre a segurança da vacina, o coordenador da task force diz que não será ele a assegurá-la, mas antes as agências dos medicamentos dos diferentes países, ou, no caso da Europa, será a aprovação da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) que será o garante da sua segurança.
“Temos de ganhar a confiança das pessoas para aderirem ao processo de vacinação. Se não a ganharmos, as vacinas vão servir de pouco. Temos de ser capazes de gerir a incerteza, garantindo que a vacina é segura, que os portugueses devem aderir e que o plano está a ser preparado com toda a cautela”, sublinhou.
Farmácias. ANF foi responsável pelo insucesso da vacinação contra a gripe sazonal
Foi já na terceira e última ronda de perguntas que Francisco Ramos falou do papel das farmácias na campanha de vacinação. “Gostaria muito de considerar as farmácias neste processo”, disse o coordenador da task force, frisando que a vacinação começará onde os profissionais estão mais treinados e preparados para o fazer, ou seja, nos centros de saúde.
No entanto, apontou o dedo à Associação Nacional de Farmácias e disse não ter interlocutores com quem possa discutir esta questão, fazendo uma comparação com o que correu mal com a vacinação da gripe sazonal, altura em que as doses esgotaram.
Vacinas da gripe esgotadas nas farmácias, encomendas só chegam na segunda quinzena
“Com 2 milhões de doses, já o disse antes, não se vacina toda a população.” Mas, para além disso, Francisco Ramos acusou a Associação Nacional de Farmácias de ter sido “um obstáculo” em todo o processo e de ter criado “falsas expectativas à população” quando sabia dos constrangimentos existentes.
“A forma como foi gerido esse processo não correu bem e quero reafirmar que as farmácias foram vítimas também de uma deficiente organização. A minha avaliação é que a responsabilidade desse insucesso é da maior associação representativa das farmácias. A sua participação no processo foi mais um obstáculo ao sucesso do que uma ajuda, ajudando a criar falsas expectativas à população”, sublinhou Francisco Ramos.
“Tenho neste momento um problema, gostava muito de contar com as farmácias, mas não tenho interlocutores para que isso aconteça”, terminou, frisando que esta opinião só a si o vincula.