Acusado de prevaricação pelo Ministério Público (MP) no âmbito do Caso Selminho, Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, considera a acusão “absurda”, infundada”, “infame” e “ultrajante”, prometendo defender-se de algo que, segundo o próprio, “assenta em conclusões completamente falsas, tendo em vista única e exclusivamente manchar o meu bom nome e roubar honorabilidade”.
De acordo com a acusação, deduzida no passado dia 10 de dezembro, o Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto acusa o presidente da Câmara Municipal do Porto da “prática de um crime de prevaricação”, no âmbito do antigo e polémico caso Selminho, que envolve a autarquia do Porto e a imobiliária da família de Moreira, na qual o próprio é um dos sócios. O MP considerou que o presidente “violou os deveres de legalidade, de prossecução do interesse público e de imparcialidade, em decisões que tomou na gestão de um conflito que opunha o município a uma sociedade comercial”, pedindo mesmo a perda de mandato.
Moreira afirma que tal conclusão surge “objetivamente no conteúdo, no tempo e no propósito como uma peça de combate político-partidário”, o que considera “no mínimo lamentável e indigno no estado de direito democrático.”
Na reunião de executivo municipal desta segunda-feira, onde prometeu falar sobre a acusação do Ministério Público que se tornou pública na passada sexta-feira, Rui Moreira esclarece que é “absolutamente falso e mentiroso” que alguma vez tenha beneficiado a empresa da família enquanto presidente do município do Porto.
“Quero deixar bem claro, pela enésima vez, que é absolutamente falso, e mentiroso, que alguma vez tenha tido, enquanto presidente da Câmara, qualquer intervenção, ato, participação ou, sequer, sugestão junto dos serviços da Câmara ou dos advogados que a representaram, no que respeita a qualquer questão ou processo que opôs a Câmara Municipal do Porto à empresa Selminho, que é da minha família e de que, indiretamente, sou sócio.”
Este é um processo antigo e polémico que marcou sobretudo a campanha eleitoral do segundo mandato de Rui Moreira. “Era preciso ser muito tolo, e disso ainda não me acusaram, para que depois de me ter candidatado, e recandidatado, ao cargo que hoje exerço, em nome de valores éticos, me colocasse numa posição tão frágil e de tão óbvia contradição com estes valores.”
O independente recusa todos os fatos que lhe são imputados, revela que irá defender-se imediatamente e que não irá deixar o exercício das suas funções. “Repudio veementemente os factos que me são imputados, bem como a infundada conclusão jurídica que deles se pretende retirar. Nessa medida, e porque essas são as regras de um estado de direito democrático, irei fazer a minha defesa, no exercício dos meus direitos cívicos, e, para já e de imediato, requerer a competente instrução, a fim de que esta acusação seja verificada e avaliada por um juiz.”
“Acredito que todas as pessoas de bem defenderão, independentemente da ideologia que professem ou do quadrante político-partidário em que se enquadrem, que uma opinião descabida, infundada e ofensiva de dois Procuradores – não possa ter esse efeito. É em defesa da dignidade e de todos os que empenhada e denodadamente exercem funções públicas que recuso ceder à demagogia de me afastar do exercício das minhas funções.”
O autarca defende que esta é uma “acusação absurda” e terá que ser ignorada no plano político. “Recuso ceder à demagogia de me afastar do exercício das minhas funções”, afirmou, recordando que “na política, como na vida, não vale tudo”.
Em causa está uma procuração que Rui Moreira assinou em 2013, quando chegou ao município do Porto, indicando os representantes legais da câmara num processo judicial que opunha a empresa Selminho à autarquia, sendo uma das decisões que, para o MP, configura um eventual conflito de interesses.
“O único ato que pratiquei, enquanto Presidente da Câmara, que tem qualquer proximidade com o relacionamento entre a empresa Selminho e a Câmara Municipal do Porto, foi ter outorgado uma procuração a uns advogados que não conhecia e com quem nunca falei, muito menos sobre o assunto, para que representassem a Câmara numa diligência do processo judicial que a Selminho tinha movido contra a Câmara.”
Moreira acrescenta que não fazia a menor ideia de qual seria o conteúdo da diligência, cujo resultado se resumiu a suspender o processo. “Todos os outros atos relativos a qualquer relação entre a empresa Selminho e a Câmara do Porto foram sempre conduzidos, quer formal quer substantivamente, pela vereadora e vice-presidente, Guilhermina Rego”, sublinhou, acrescentando que não interferiu “minimamente” na atuação da câmara, reiterando não ter tido “qualquer intervenção, direta ou indireta” no processo. “Aliás, é público e notório, que foi durante os meus mandatos que o diferendo entre a empresa Selminho e a Câmara Municipal do Porto ficou resolvido, de forma absolutamente favorável à Câmara.”
Decisão do Supremo sobre caso Selminho no Porto já transitou em julgado
O autarca recordou ainda que, em 2017, os eleitos da CDU apresentaram uma participação no MP, pretendendo que fosse intentada uma ação judicial de perda de mandato. A ação em causa que foi indeferida, levando mesmo Rui Moreira a dar o caso como definitivamente encerrado, sendo com “espanto” e “tristeza” que, na passada quinta-feira, teve conhecimento desta acusação, resultado de um outro processo de inquérito.
O MP concluiu que, tendo tomado posse como presidente da autarquia em outubro de 2013, Moreira determinou que o município alterasse a posição jurídica e/ou urbanística. “Tal alteração de posição foi motivada pela intenção de beneficiar a sociedade comercial de que era sócio com os referidos familiares; e que se concretizou na assunção pelo município, em transação judicialmente homologada em setembro de 2014″, refere a acusação.
No centro da disputa está um terreno na escarpa da Arrábida, vendido por um casal que o registou por usucapião à imobiliária Selminho, em 2001, e que o tribunal considerou parte dele ser propriedade municipal, na sequência de uma ação movida pela autarquia em 2017.
Oposição aguarda que se faça justiça nos tribunais
Após a declaração de Rui Moreira, que antecedeu a ordem do dia da reunião pública municipal desta segunda-feira, Manuel Pizarro, vereador do PS, sublinhou que o partido socialista separa nesta acusão a justiça da política. “O Sr. presidente tem o direito a defender-se, veremos como a justiça se pronuncia”, afirmou, acrescentando que o caso Selminho até trouxe uma vantagem para a cidade, uma vez que o terreno “roubado” à Câmara, foi entretanto recuperado pelo município, como ditou a sentença do Supremo Tribunal de Justiça em junho deste ano.
Ilda Figueiredo, da CDU, acredita estar “nas mãos da justiça” o desfecho deste processo,que prefere não comentar por desconhecê-lo. “Sei que houve uma participação ao Departamento de Investigação e Ação Penal pela CDU, na sequência de um acordo extrajudicial entre o município e a Selminho, que não veio à Câmara. Foi nesse sentido que a CDU pediu que se averiguassem os factos.” Já Álvaro Almeida, do PSD, espera “que a justiça funcione” e recorda que em 2017 o partido foi um dos que considerou existir “falta de transparência no processo e que era preciso defender os interesses da câmara, que na altura não estavam assegurados”. “Entretanto, os interesses da Câmara foram defendidos e, portanto, sobre isso não temos nada a dizer”, concluiu.
A Associação cívica ‘Porto o Nosso Movimento’, que apoia Rui Moreira desde 2013, apelou à celeridade da justiça no caso para que o autarca possa continuar a liderar os destinos da cidade e decidir “livremente” sobre o futuro. “Respeitando os tempos da justiça, apela-se, contudo, a que a mesma seja célere, de forma a não impedir que um cidadão livre e independente possa defender a sua honra e, livremente e sem quaisquer ónus, decidir sobre o seu futuro, e poder – como o Movimento e os portuenses desejam – continuar a liderar os destinos da cidade, colocando sempre o interesse e o destino do Porto acima de quaisquer diretórios partidários”, lê-se num comunicado da associação.