No mesmo dia em que André Ventura reconhecia ao Observador dificuldades em lidar com algumas críticas nas estruturas do Chega — que o levaram a criar uma “lei da rolha” para as redes sociais — as divergências estendiam-se a encontros presenciais do partido. No dia 5 de dezembro, uma reunião organizada pela distrital de Santarém que contou com a presença do vice-presidente e coordenador autárquico, Nuno Afonso, acabou por ser interrompida devido a agressões e a polícia teve mesmo de ser chamada ao local. Tanto a presidente da distrital de Santarém do Chega como a PSP confirmam o episódio ao Observador, embora haja pequenas diferenças nas versões apresentadas.
Fonte do Comando Distrital da PSP de Santarém explicou ao Observador que, “pelas 15h45 do dia 5 de Dezembro do corrente ano, uma patrulha da PSP deslocou-se à Casa do Brasil, em Santarém, por haver notícia de ofensas à integridade física”. À chegada ao local, diz a mesma resposta da PSP ao Observador, os agentes não presenciaram “quaisquer agressões, contudo foram identificadas cinco pessoas mas nenhuma delas foi detida”. A PSP diz ainda que, “segundo as informações que foram transmitidas aos polícias no local da ocorrência, terão sido agredidas duas pessoas” e que “não existe relato de quaisquer armas envolvidas”.
Tudo começou quando a presidente do Chega/Santarém convocou, através de um grupo privado no WhatsApp, uma reunião com 12 militantes da distrital para discutir autárquicas e convidou o vice-presidente do Chega Nuno Afonso. Os três membros da comissão instaladora do Chega de Salvaterra de Magos e uma ex-dirigente do Chega de Coruche puseram-se a caminho para contestarem o facto de não estarem presentes na reunião, que sabiam por outros estar marcada para as 15h00 daquele dia na Casa do Brasil, em Santarém.
A presidente da distrital do Chega de Santarém, Manuela Estêvão, explicou ao Observador que “a distrital tem 700 e tal militantes e que, ainda por cima em pandemia, não os podia convocar a todos”. Sem explicar detalhadamente o critério, disse ao Observador que optou por “escolher os que se mostraram interessados em participar num esclarecimento sobre as eleições autárquicas”.
A reunião começou com cerca de 12 elementos até que os três dirigentes e uma ex-dirigente locais do Chega irromperam pela sala. Foi pedido aos quatro por Manuela Estêvão que abandonassem o local, mas nenhum acatou o pedido. “Temos de cumprir o plano de contingência, por favor abandonem a sala”, disse a dirigente distrital, que entretanto se colocou de pé. Os três membros da Comissão Instaladora de Salvaterra limitaram-se a ficar no espaço e um deles questionou: “Porque não podemos estar aqui?”
Mais exaltada, a militante e ex-presidente da comissão instaladora da concelhia de Coruche dirigiu-se a Nuno Afonso e a outros elementos que estavam na mesa a protestar. Entretanto, houve um militante do Chega de Santarém que interpelou diretamente a militante de Coruche e foi aí que a situação piorou. A militante desferiu dois socos no homem e teve de ser agarrada para não continuar as agressões.
Manuela Estêvão confirma ao Observador esta versão, mas diz que só houve uma pessoa agredida e que a segunda agressão relatada à polícia terá partido, eventualmente, de uma queixa da própria agressora que teve de ser (fisicamente) travada após ter dado os primeiros socos no militante de Santarém. A distrital de Santarém do Chega, antecipa Manuela Estêvão ao Observador, já passou a questão a um advogado e vai apresentar queixa ao Ministério Público contra a militante de Coruche.
A polícia, diz a dirigente ao Observador, foi chamada ao local pelo vice-presidente da distrital, Mário Lucas. A presidente distrital de Santarém explica que dissolveu a Comissão Instaladora de Coruche porque a então presidente — que é acusada de agredir um militante de Santarém — “não fazia nada e passava a vida nas rede sociais a insultar os militantes”.
Manuela Estêvão admite que estas são as “dores de crescimento” do partido e “lamenta profundamente” a imagem que esta situação dá do Chega e, em particular, da distrital que dirige. O Chega de Santarém terá pedido desculpas à autarquia, que cedeu o espaço, devido ao aparato provocado. Contactado pelo Observador, o vice-presidente do partido, Nuno Afonso não quis fazer qualquer comentário sobre os desacatos na reunião do Chega que presenciou.
Santarém não é um caso isolado. Os “fofinhos de Leiria” na Convenção
Tem havido inúmeros tumultos internos nas distritais do Chega. Na Convenção do partido já tinham existido vários problemas expostos no púlpito que iam desde desentendimentos na distrital do Porto, até a uma guerra entre o Conselho de Jurisdição e a distrital de Leiria. De tal forma que chegou a ser emitido um comunicado conjunto da Mesa da Convenção Nacional do Chega e o Conselho de Jurisdição Nacional do Chega durante a convenção a repudiar “a desobediência reiterada da Mesa Distrital de Leiria às decisões do CJN relativas às eleições dos Delegados de Leiria à Convenção, cujos membros serão alvo de procedimento disciplinar, que pela gravidade dos factos praticados poderá culminar na expulsão dos referidos militantes”.
O antigo cabeça de lista do Chega por Leiria e vice-presidente da distrital de Leiria, Luís Paulo Fernandes, apresentou mesmo uma moção de censura dirigida a André Ventura e à presidente da distrital, Ana Ferrinho. O antigo deputado municipal de Pedrógão Grande foi apupado quando fez críticas à direção e disse ser “lamentável” não ter conseguido saber quais os procedimentos necessários para ser delegado na Convenção. Queixou-se ainda de ser preciso ter gritado para conseguir entrar no último Conselho Nacional do partido.
Na moção era ainda pedida a retirada de confiança política a dois militantes. Num deles, uma das razões apresentadas é a “conduta imprópria nas redes sociais”, com Luís Paulo Fernandes a queixar-se de ser atacado nas redes sociais em páginas como o “Pai de Abutres” ou perfis falsos do Facebook como “Fofinhos de Leiria”.
Pouco depois, a presidente da distrital de Leiria, Ana Ferrinho, respondeu também com uma moção de censura, mas ao Conselho de Jurisdição Nacional. A também militante n.º 62 do Chega disse que a lista concorrente à sua estava ilegal e atacou a “postura prepotente e promíscua do Conselho de Jurisdição, que não dá resposta e não permite recorrer de decisões e posturas de claro favorecimento a amigos e desfavorecimento a não amigos, notório, ofensivo e lesivo a várias direcções distritais de norte a sul do país”. Além disso, propôs ainda “um órgão ou mecanismo interno do partido para recurso das decisões do Conselho de Jurisdição Nacional, para que estas não sejam imediatamente soberanas ou apenas recorríveis para fora do partido (Tribunal Constitucional)”.
Houve assobios e aplausos, o que levou o presidente da Mesa da Convenção, Luís Filipe Graça, a fazer o aviso perante a entrada iminente em diretos televisivos: “Vamos entrar em direto, por isso peço aos delegados que tenham o comportamento que a Convenção exige”.
O auge destes problemas da estrutura acabaria por atingir André Ventura que, no meio destas guerras, não conseguiu passar incólume e só conseguiu eleger a sua direção à terceira vez que submeteu a lista a votos. Antes, teve de chorar em palco e ameaçar bater com a porta.
“Não gosto de uvas” no Porto e a xenofobia em Braga
Já depois do Congresso, os casos continuaram. Exemplo disso foram os episódios que conduziram à saída da mandatária nacional de André Ventura, Patrícia Sousa Uva. O presidente da distrital do Porto, José Lourenço, ter-se-á recusado a entregar as assinaturas recolhidas naquele distrito a Sousa Uva e fez gala disso numa publicação do Facebook. O caso foi noticiado pela revista Sábado que teve acesso a publicações de José Lourenço antes de serem apagadas que visavam diretamente Sousa Uva: “Como não gosto de vinho, não sou nada fã de uvas. Isto serve para dizer que a sra. Uva pode correr, saltar, espumar e o diabo a quatro, que não conseguirá dividir o Porto”.
José Lourenço dizia ainda nessa publicação que não entregava “as assinaturas a qualquer pessoa”, acrescentando: “Não aceitamos isso, só entregamos a quem confiamos”. Depois disso, a distrital que dirige entregou as assinaturas ao vice-presidente do partido, Nuno Afonso.
Em Braga, também houve problemas quando a distrital foi a votos. Segundo noticiou o diário “O Minho”, houve acusações graves entre os candidatos, com xenofobia à mistura. Um dos candidatos, Filipe Melo, criticou a presidente da Mesa, Cibelli Pinheiro de Almeida por ter adiado as eleições. Mais uma vez numa publicação no Facebook — onde se faz muita da guerrilha interna do Chega — Filipe Melo escreveu: “Não vai ser uma BRASILEIRA que vai mandar nos destinos de um Partido nacionalista, patriótico. Nunca, não permitirei”. Segundo “O Minho”, pouco depois Filipe Melo editou a publicação e troco “brasileira” por “senhora”. Cibelli Pinheiro de Almeida acabou por se demitir. Assim, teve de ser a Mesa Nacional a gerir o processo eleitoral em Braga.
Por outro lado, Filipe Melo emitiu um comunicado onde disse que ia apresentar queixa-crime no Ministério Público devido a “ataques levados a cabo por membros da lista concorrente”. Ataques que, segundo o mesmo comunicado, eram “consubstanciados em ameaças e divulgação de inverdades nas redes sociais, bem como perseguição através de telefonemas e SMS, numa total falta de respeito pelos mais elementares princípios por que se deve revistar a civilidade, assim como pelos ideais porque se rege o partido”.
O clima de guerrilha que se vive em várias estruturas do partido e que se manifesta através das redes sociais levou o presidente do Chega, André Ventura, a criar a diretiva 3/2020, quem critica o partido ou a direção nacional na imprensa, nas redes sociais ou mesmo em grupos de WhatsApp. A chamada “lei da rolha” está em vigor desde 2 de dezembro e que foi comunicada aos militantes por email.