Portugal já entrou na terceira vaga de Covid-19, segundo Carlos Antunes, engenheiro, professor e investigador da Faculdade e Ciências da Universidade de Lisboa que tem acompanhado a situação epidemiológica do país e colaborado com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, membro da equipa de aconselhamento científico ao Governo. “Estamos efetivamente na terceira vaga, com características próprias e diferentes da segunda em termos de aumento da incidência”, explicou ao Observador.
Neste momento, e considerado já os dados publicados esta terça-feira no habitual relatório de situação da Direção-Geral da Saúde, 14,4% do número médio de amostras processadas com recursos a testes PCR e a testes de antigénio resultaram positivos. É um “salto galopante” em relação aos 8,8% registados oito dias antes da época festiva e ultrapassa já o máximo atingido em novembro, quando se registou o pico da segunda vaga.
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Segundo o especialista, antes do Natal, com os laboratórios a realizar cerca de 40 mil testes diariamente, as autoridades de saúde detetavam cerca de quatro mil casos. Agora, com os mesmos 40 mil testes, o número de casos subiu para a ordem dos seis mil. Isto “tem impactos e consequências muito mais drásticas, com efeitos sentidos mais rápidos, e, por isso, é muito mais difícil de parar”, descreveu Carlos Antunes.
Ou seja, o Natal e a Passagem de Ano terão mesmo provocado um aumento das cadeias de contágio — e terá sido isso que desencadeou a nova onda epidémica. Quem viajou e estava infetado levou consigo o vírus e contagiou as pessoas de quem se rodeou; e quem regressou a casa após ter sido infetado durante a época festiva, está neste momento a espalhá-lo.
Carlos Antunes avisa que a “situação epidemiológica do país começa a complicar-se” e que “cada dia que passa sem se tomar qualquer medida adicional impactante é um dia a mais de avanço para o vírus”: “Sem medidas drásticas, os números podem chegar a valores insuportáveis. E isto, sem ainda estarmos a considerar a entrada de uma nova variante que pode ultrapassar os 50% de aumento de contágio face à atual variante dominante”.
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Contágios diários podem chegar aos 6.600 na próxima semana
Neste momento, e tendo em conta os dados publicados esta terça-feira, o risco de transmissão a nível nacional é 1,14 — ou seja, cada 100 pessoas infetadas provoca 114 contágios. A situação mais preocupante verifica-se no Algarve, que regista agora um risco de transmissão de 1,22. Seguem-se a região Centro (1,20), Lisboa e Vale do Tejo (1,16), região Norte (1,12) e o Alentejo (1,10).
Como nenhuma região de Portugal Continental tem um risco de transmissão abaixo de 1, o número de novos casos de infeção pelo novo coronavírus está a aumentar exponencialmente em todo o território continental. Neste momento, o número de novos casos de infeção pelo novo coronavírus está a duplicar a cada 15 dias a nível nacional. Carlos Antunes estima que todos os dias 5.700 pessoas sejam contagiadas pelo SARS-CoV-2, mas a média dos últimos sete dias prevê que só 5.200 estão a ser diagnosticadas.
Segundo Carlos Antunes, a evolução da incidência será muito mais rápida agora do que foi na segunda vaga. A taxa média diária de aumento de casos passou de 0% nas vésperas do Natal para 5,8% em apenas uma semana. E o número de internamentos passou de uma diminuição diária na ordem dos 0,8% para um aumento de 0,9% de dia para dia. É “algo que não acontecia na segunda vaga”, nota.
A evolução rápida aconteceu na primeira vaga, mas com uma grande diferença: na primeira começámos do zero, agora a terceira vaga começou de um patamar de incidência na ordem dos 3.400 casos, de internamentos na ordem das 2.900 camas de hospital; e de óbitos na ordem dos 70 por dia”, assinala Carlos Antunes.
Neste momento, não há pico à vista para os casos, internamentos, nem para os óbitos por Covid-19. Tudo o que as contas de Carlos Antunes indicam é uma perspetiva do que pode estar a acontecer em Portugal a 12 de janeiro: uma média de 6.500 a 6.600 contágios diários nos sete dias anteriores, 3.200 internamentos por Covid-19 (524 dos quais em unidades de cuidados intensivos) e 87 óbitos.
O conceito de vaga em epidemiologia divide a comunidade científica: alguns epidemiologistas só assumem que se está perante uma nova vaga de uma doença quando o número de casos chega a zero e depois volta a subir; outros admitem que uma nova vaga pode surgir se o número de casos disparar em relação aos dias anteriores, mesmo que não tenham baixado drasticamente.
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