A cidade brasileira de Manaus está a braços com um pico de infeções pelo coronavírus que está a deixar os hospitais da capital do Amazonas sem oxigénio para ventilar os doentes. Segundo médicos citados pela imprensa brasileira, já houve mortes por falta de oxigenação.
De acordo com a Folha de São Paulo, o pico de Covid-19 levou a um grande aumento do número de internados em cuidados intensivos, o que elevou as necessidades de oxigénio hospitalar a cerca de 76 mil metros cúbicos diários. Porém, as três empresas que fornecem oxigénio aos hospitais de Manaus não estão a conseguir produzir mais de 28,2 mil metros cúbicos por dia.
“É uma calamidade sem precedentes”
Ao The Guardian, a epidemiologista Jesem Orellana, investigadora do centro para a saúde pública em Fiocruz, avisou que esta é “uma calamidade sem precedentes” e que Manaus “vai viver um dos mais tristes capítulos da epidemia de Covid-19 em todo o mundo nas próximas horas”.
A especialista denunciou que alguns profissionais de saúde estão a ser chamados para fazer ventilação manual nos doentes (com recurso a bolsas de ressuscitação). Mas, segundo Jesem Orellana, cada profissional de saúde só pode concretizar esta manobra uma vez a cada 20 minutos. Por isso, “se quisermos salvar uma vida sem oxigénio, serão precisas pelo menos três ou quatro pessoas por paciente”.
Uma mensagem de WhatsApp verificada pelo The Guardian, enviada pelos responsáveis pelo Hospital Universitário, confirmou que esta tem sido a estratégia adotada pelos médicos enquanto não há mais oxigénio disponível. “Se alguém puder ajudar na ventilação dos pacientes da UCI do quinto andar, por favor, precisamos de vós. Esta é a situação. É crítica. Vamos lutar. Se puder ajudar, por favor, ajude“, apela a mensagem.
Este é “o pior momento” da epidemia naquela região brasileira, diz a imprensa: a secretaria de Estado da saúde revelou na quarta-feira o colapso do plano logístico para algumas entregas de oxigénio e a interrupção deste plano “por algumas horas”, o que resultou em mais vítimas mortais.
O vídeo de uma mulher a sair de um hospital em Manaus mostra o desespero que se vive naquela cidade. A mulher avisa que o oxigénio acabou numa unidade do centro hospitalar, perto do aeroporto, e que “tem gente morrendo, a situação é deplorável”: “Qualquer pessoa que tiver oxigénio disponível, leve-o à clínica. Há tantas pessoas morrendo, pelo amor de Deus”, apela.
???? NÃO TEM CILINDROS DE OXIGÊNIO EM VÁRIOS HOSPITAIS E OUTRAS UNIDADES DE SAÚDE EM MANAUS!
Tem gente morrendo sufocada porque não consegue respirar pela falta desses cilindros. Tem um genocídio acontecendo!! pic.twitter.com/vu2T56DPHK
— Pam ???? (@pamtaketomi) January 14, 2021
Médicos transportam oxigénio nos próprios carros
Solange Baptista, uma técnica de enfermagem reformada, denunciou ao G1 que o hospital onde a irmã está internada, o Universitário Getúlio Vargas, é um dos centros afetados pela falta de oxigénio. A mulher necessitava de atendimento na unidade de cuidados intensivos do hospital já na quinta-feira, mas nunca chegou a ser transferida porque não haveria oxigénio suficiente para ela.
A saturação dela [irmã de Solange Batista] está em quase 60%. E não é só ela. Vários pacientes estão na mesma situação. Isso é um descaso. Um descaso. Descaso. Dentro de um hospital federal como esse não ter oxigénio? Eu ter que comprar? Espero que as autoridades, o governo, alguém possa nos ajudar”, desabafou Solange Baptista.
Uma reportagem no local relata “cenas de tensão e desespero ” provocadas pelo colapso do sistema nacional de saúde brasileiro. Há médicos que transportam cilindros nos próprios carros para abastecer o hospital e alguns familiares estão a tentar comprar oxigénio à margem dos esforços hospitalares para garantir a sobrevivência dos parentes internados.
Um deles é precisamente Solange Baptista, que, no momento em que foi interpelada pelos jornalistas do G1, estava em busca de alguém que lhe pudesse fornecer oxigénio. “Graças a Deus a gente ainda pode comprar, mandar encher. Mas e quem não pode? Como fica? Tem muita gente morrendo. Muita gente. E cadê o governo?”, questionou, revoltada, a enfermeira reformada.
O Hospital Universitário Getúlio Vargas confirmou ao G1 os problemas de fornecimento de oxigénio, recordando que é uma crise transversal a todo o estado e que está coordenado com com o Ministério da Saúde para solucioná-la. O hospital garantiu que tem um contrato de fornecimento de oxigénio, mas que a empresa não teve capacidade de resposta quando o número de novos casos a necessitar de internamento começou a disparar.
Brasil pede ajuda aos EUA para transporte de oxigénio
Marcelo Ramos, deputado federal, avisou que Manaus está a viver um “colapso total” e disse que está em conversações com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, para que os Estados Unidos forneçam um avião da Força Aérea que permita o transporte de cilindros de oxigénio, avança o G1.
A fim de resolver a falta de oxigénio na cidade, o Brasil está a tentar importar oxigénio da Venezuela e a recebê-lo de estados vizinhos no Brasil. Ainda assim, a quantidade de oxigénio enviada para o estado não tem chegado para dar resposta. “Estamos no momento mais crítico da pandemia, algo inédito no estado do Amazonas”, descreveu Wilson Lima, o governador do Amazonas.
Para aumentar a produção de oxigénio medicinal, a empresa White Martins, uma das principais fornecedoras do estado, pediu às autoridades brasileiras uma autorização excecional para baixar o grau de pureza do oxigénio para 95%, conseguindo aumentar a produção em 2 mil metros cúbicos por dia.
Mas mesmo que o problema da produção de oxigénio seja resolvido, não haverá como transportar e distribuir o produto porque o avião brasileiro responsável por estas operações está em manutenção, alertou o ministro da saúde, Eduardo Pazuello. Por isso, o país terá pedido um cargueiro Galaxy aos norte-americanos.
Marcelo Ramos insistiu que esta solução é “imprescindível”: “É a única possibilidade de transportar [oxigénio] para Manaus de forma rápida”, garantiu o deputado federal. Normalmente, este serviço é prestado pelo avião Hércules, que está em terra neste momento. Tem capacidade para transportar cinco mil metros cúbicos de oxigénio.
“A demanda surpreendeu um dos maiores conglomerados de gases medicinais do mundo”, explicou o secretário de Estado da saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo. A White Martins contabilizou que mesmo em abril, quando a Covid-19 atingiu fortemente a região, o volume de oxigénio exigido era de 30 mil metros cúbicos — o dobro do costume. Agora, os valores triplicaram em relação aos números pré-pandemia.
Estados impõem medidas mais apertadas
Nos primeiros 12 dias de janeiro, 2.221 pessoas tiveram de ser internadas nos hospitais de Manaus. O elevado número de internamentos, associado à falta de abastecimento de oxigénio, está a levar as autoridades do estado a adotar medidas de urgência.
Na quinta-feira, o governador estadual, Wilson Lima, anunciou que serão transferidos doentes para outros estados e que o Amazonas, que na primeira vaga de Covid-19 teve mesmo de abrir valas comuns para poder enterrar todos os mortos pela doença probocada pelo SARS-CoV-2, passaria a estar abrangido por um recolhimento obrigatório entre as 19h e as 6h.
Esta semana, o Brasil confirmou a circulação de uma nova variante do coronavírus no estado do Amazonas, mais contagiosa. Foi, aliás, essa nova variante que levou o Reino Unido a suspender os voos de e para Portugal, que é a principal porta de entrada de brasileiros na Europa.