Artigo atualizado ao longo do dia

Aveiro recebeu mais um comício virtual de Marisa Matias, num sexto dia de campanha marcado pela onda de batom vermelho que se estende pelas redes sociais. Foi mesmo por aí que a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda começou. Com dezenas de pessoas a assistir de casa, e com muitos lábios vermelhos, ficou o agradecimento: “Foi muito bonita a solidariedade, estamos a fazer um caminho todos os dias, a igualdade é a nossa cor.”

O SNS marcou o discurso de Marisa Matias e essa “é mesmo a condição de igualdade e a condição fundamental da democracia”. Numa altura em que os números da pandemia aumentam e o SNS está a chegar à rutura. É “agora” que é preciso “mobilizar para atendimentos prioritários toda a capacidade de saúde existente no país”, seja pública, privada ou social. Se Constituição, a Lei de Bases de Saúde e o estado de emergência preveem a requisição, é tempo de agir. “A única coisa que falta é coragem, a coragem de proteger o SNS.” Marisa está certa de que este “não é o momento para o negócio”. É tempo de avançar.

“Ou investimos seriamente no SNS contratando profissionais e criando incentivos ou entregamos as listas de espera aos privados. O SNS precisa de uma bazuca para sobreviver”, refere, com a crença de que a população “não admitiria o desmantelamento do SNS”.

No comício virtual, Marisa Matias contou com o apoio de Luís Fazenda e com um voto público de confiança de um socialista, Manuel Strecht Monteiro. “Escolhi Marisa Matias para ser minha Presidente da República, mas tem demonstrado que não quer ser só minha Presidente da República, quer ser Presidente da República de todos os portugueses, sejam eles de que cor política forem.” Quem o diz é Manuel Strecht Monteiro, ex-deputado do PS, que apoia a candidatura de Marisa Matias e que esta noite participou à distância no comício virtual de Aveiro.

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O socialista deixa largos elogios à candidata a Belém que diz ser “revolucionária, muito ativa, uma grande lutadora, com um currículo brutal como deputada do Parlamento Europeu” e culpa alguns dos candidatos por “diminuírem” a função do chefe de Estado e “por apregoarem atitudes contra a Constituição”.

Luís Fazenda, dirigente e fundador do Bloco de Esquerda, começa por dizer que “Marisa Matias desafia o consenso Marcelista das forças centrais, do sistema político, do regime constitucional em que vivemos”, com um desafio que se prende com a “defesa da democracia política, do arco-íris das liberdades, da democracia económica e social”. As críticas são dirigidas aos que “emanam do núcleo central do regime político”, que não queriam um “debate sério”, e ao maior partido da esquerda que teve a “conveniência” de apoiar Marcelo Rebelo de Sousa. Ficou um candidato com “eleitorado que foi posto ao molho”, que se traduz  na “neutralização do eleitorado” e que pretende “manter a continuidade” do atual Presidente sem o “crivo da crítica, da análise, do contraste político”.

E quanto ao atual Presidente que por estes dias é também está nesta corrida a Belém, é um “candidato sem programa”, que diz “viram o que eu fiz, é isso que eu farei”. Mas, segundo Luís Fazenda, “não será assim”, os tempos são outros e há fatores diferentes, desde a crise económica à crise pandémica, mas também devido a fatores de estabilização internacional. “Como vai agir Marcelo Rebelo de Sousa? Não sabemos. Ou seja, mãos livres para apresentar um segundo mandato porque não apresentou programa”, realça o ex-deputado.

Marisa apresenta uma “alternativa de poder e de projeto”, uma “candidatura clara que evolui no tempo” e uma “candidatura para contar” e que no dia 25 vai “continuar uma luta”.

Um cravo e duas campanhas em direções opostas. Rua que Marisa subiu, caravana de Ventura desceu

É de cravo na mão que Marisa Matias (acompanhada por José Gusmão) sobe a rua do Hospital Distrital das Caldas da Rainha. A destinatária da flor cheia de significado é Carla Jorge, uma das mulheres que esteve na frente da luta dos precários deste hospital. Nessa mesma rua, pouco mais de meia hora depois de a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda deixar o local, passa uma caravana de apoiantes de André Ventura exatamente no sentido oposto. Mais de dez carros, bandeiras com a cara do líder do Chega, palavras do candidato nos altifalantes e o hino nacional. Não houve cruzamento de campanhas por estes lados, até porque a esta hora a comitiva do Chega estava em Viseu, mas fica o pormenor para a história destas eleições. Mais uma vez, Marisa e Ventura em caminhos opostos.

De volta à iniciativa, até porque foi isso que levou Marisa a fazer uma paragem nas Caldas da Rainha — antes de seguir caminho até Aveiro — a candidata entregou o cravo a Carla. A relação começou no dia em que várias pessoas interromperam uma conversa que Marisa estava a ter com um refugiado sírio, em Alfeizerão. “Há tempo para todos.” Marisa ainda se lembra do que disse. Na altura nem hesitou e ouviu a história de Carla e de mais 60 pessoas que no Centro Hospitalar do Oeste trabalhavam há anos como precários. Durante toda a luta “descobria-se um de cada vez que levantávamos uma pedra”.

Demorou dois anos desde aquele dia em Alfeizerão até à conquista dos direitos, inclusive com os retroativos dos anos em que já trabalhavam no hospital, e foram 240 os profissionais que acabaram por conseguir um contrato nos quadros.

O terreno é favorável à candidata. “A Marisa é a Marisa, é a nossa Presidente. Mesmo que não seja eleita é a nossa Presidente.” Carla Jorge conta que nenhum partido se interessou pela causa e Florbela Campanhã, outra das caras desta luta, diz que “falta os políticos virem para o terreno”. “Tiramos o chapéu ao Bloco” e “lamentamos que não haja mais partidos que não vêm perguntar as condições de trabalho, e nem precisam de vir às Caldas, pode ser em Lisboa ou no Porto”, diz, em jeito de desabafo.

O tema serve também para mais um ataque a Marcelo que, segundo a eurodeputada, enquanto estas trabalhadores travavam uma luta promulgou uma lei que serve para prolongar o período experimental.

Marisa não quer o mérito desta batalha para si, atribui-o a estas pessoas, aqueles que avançaram para resolver o problema, a quem não desistiu. Agora que esta luta está ganha, a candidata aponta a outra: os 800 mil trabalhadores por turnos e que “não têm direitos consagrados como horas de descanso ou direito de recorrer a reforma antecipada”.

Entre animais e pedidos de socorro, Marisa alerta que “teimosia” do Governo pode levar a um Orçamento Retificativo

O dia mais quente da campanha de Marisa Matias chegou quando Dalila Teixeira saiu de casa após ver o aparato de jornalistas e apareceu no local onde a candidata falava após uma visita ao Hospital Veterinário SOS Animal. Dalila está há mais de um ano em Portugal, veio do Brasil, ainda chegou a trabalhar na restauração, mas a pandemia veio estragar todos os planos. “Procuro por todos os lados, eu vim trabalhar e viver feliz o meu casamento, queria muito uma oportunidade em Portugal” Dalila mal conseguia falar, as lágrimas corriam-lhe pela cara e Marisa Matias só queria dar-lhe um abraço – que a pandemia não permite. A emoção tomou conta da eurodeputada que dizia vezes sem conta “lamento tanto, tanto” e que prometia “lutar para mudar isso”. Marisa Matias sabe que “está difícil para toda a gente, mas para algumas pessoas está insuportável”.

Foi Sandra Duarte Cardoso, responsável da SOS Animal, que se chegou à frente e sugeriu a Dalila que passasse no hospital veterinário, umas ruas ao lado, com mais calma para tentar ajudar.

A campanha de Marisa Matias tem-se centrado em causas como esta. A candidata insiste que distanciamento físico não é distanciamento social e recusa não sair à rua porque os problemas estão na rua. Mesmo com ações sem muita gente, a agenda tem ido ao encontro das bandeiras da bloquista e este exemplo veio trazer um lado humano que tem faltado nas campanhas.

Minutos antes, Marisa Matias iniciava o dia com a causa dos animais. Houve tempo para acariciar os cães, gatos e coelhos que estão a ser tratados no HVS SOS Animal, em Lisboa, e aqueles que estão para adoção. Marisa quer agarrar todos, devem sentir o cheiro da sua cadela Gaia e esperam um dono depois de terem sido abandonados ou maltratados. “Qualquer sociedade que se preze e que queria cuidar do ambiente e valorizar a democracia não pode fazê-lo passando ao lado de muitas atrocidades que têm acontecido”, alerta a candidata que trabalha há muitos anos nesta área.

A bloquista recusa a ideia de um projeto de sociedade que não proteja o bem-estar animal e foi a única candidata a responder à SOS Animal que, segundo Sandra Duarte Cardoso, enviou uma carta a todos os que estão nesta corrida a Belém.

À parte da iniciativa, Marisa Matias admitiu estar “muito feliz” com a onda de solidariedade do batom vermelho que se criou depois dos insultos de André Ventura, não só por si, mas a todas as mulheres que “ainda hoje têm de ouvir esses comentários”. Quanto ao comentário em si, só uma ideia: “Não diz nada sobre as mulheres, mas diz tudo sobre esse senhor.”

“Teimosia” do Governo pode levar a Orçamento Retificativo

Questionada sobre as novas medidas anunciadas pelo Governo, a candidata a Belém diz que voltam a ser “insuficientes” e antecipa a necessidade de um Orçamento Retificativo. “No primeiro mês do ano termos de adotar um conjunto de medidas que podia ter sido aceite pelo Governo na negociação do Orçamento que não o fez é uma prova de que o que estava inscrito no Orçamento não era suficiente e que vamos ter de abrir exceções, medidas adicionais para colocar medidas que já podiam estar se não fosse uma teimosia”, aponta, alertando que “é muito provável” a necessidade de um Orçamento Retificativo.

Sobre a possibilidade de não ter condições para avançar caso não se aproxime do resultado de há cinco anos, após ter dito que espera ter uma “expressão eleitoral que permita, no dia a seguir, continuar a poder trabalhar e dar seguimento a estas lutas”, Marisa garantiu que as lutas e combates não feitos com paixão e que “não perde a força em nenhuma circunstância”.

Contudo, deixa um apelo à população: “O reforço que peço às pessoas é o reforço que me permite continuar lutas, não estou a dizer que vou perder a força, capacidade e vontade, mas quanto mais expressão, mais força terei.”