Momentos de muita tensão na campanha de André Ventura. Assim que deixou o auditório onde dava um comício em Setúbal, junto ao Estádio do Vitória FC, os manifestantes, a maioria de etnia cigana, atiraram pedras, isqueiros, ovos, garrafas de água cheias e outros objetos contra o candidato e líder do Chega, que foi de imediato protegido pela sua equipa de segurança e retirado do local.
Com Ventura em segurança, a polícia de choque decidiu fazer um cordão de segurança e exigiu que os manifestantes, cerca de uma centena, deixassem o local. A situação escalou rapidamente e acabou por haver carga policial, com várias detenções no local.
Foi possível assistir a trocas de agressões entre manifestantes e polícia, que chegou a recorrer a gás pimenta para dispersar. Enquanto deixavam o local, manifestantes houve que arremessaram pedras contra os agentes de segurança.
De acordo com fonte oficial da campanha de Ventura, tanto o candidato como vários elementos da comitiva foram atingidos por vários objetos. Segundo a mesma fonte, o líder do Chega ficou magoado numa perna.
Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador:
“Não será qualquer pedra, faca ou bala que fará terminar este percurso”
Já em Évora, à chegada ao hotel onde faria o seu comício com apoiantes, André Ventura teve uma primeira reação aos incidentes. “É de lamentar que isto tenha acontecido em Portugal”, disse. Depois de agradecer as manifestações de solidariedade dos seus adversários políticos, o líder do Chega condenou a “escalada de violência” e recusou qualquer responsabilidade nessa mesma escalada.
“A avaliação que tenho feito [da comunidade cigana] é uma avaliação política. Quando se discorda, vence-se e discorda-se com argumentos e com debate político, não com pedras”, sublinhou.
Já a discursar, Ventura repetiu a mesma mensagem. “Não serão pedras, nem sequer balas, que nos impedirão de continuar a fazer o nosso trabalho. Nunca caminharei sozinho. Nunca será a violência a vencer. Nada, nem ninguém nos impedirá de fazer este caminho. Não será qualquer pedra, faca ou bala que fará terminar este percurso”, disse.
No Facebook, começaram a circular vídeos e fotografias do momento. Além disso, é possível encontrar publicações de pessoas envolvidas na manifestação e, uma rápida consulta, permite comprovar que são manifestantes anti-Chega, que têm estado noutros pontos do país.
Os cartazes que surgiram nesta manifestação não apareceram apenas esta quinta-feira. Têm sido vistos noutros pontos do país e, mais uma vez através de uma rápida consulta por algumas páginas de Facebook, é possível ver que a mobilização dura há alguns dias e que os cartazes também já existiam antes.
Depois de a manifestação terminar, começaram a circular nas redes sociais testemunhos de alguns dos manifestantes onde se garantia que apenas tinham sido arremessadas caixas de pastilhas elásticas e isqueiros. Tal não corresponde à verdade. Ainda com o Ventura no local uma garrafa de água cheia sobrevoou a cabeça do candidato do Chega, tal como uma tampa da jante de um carro. Pelo menos.
Já depois de o líder do Chega ter sido retirado, aí sim, foi possível ver com clareza pedras serem arremessadas contra a polícia, tendo uma delas atingido um repórter de imagem da TVI num das pernas. Uma outra não atingiu os repórteres do Observador por centímetros, tendo embatido com violência num carro.
Ana Gomes demarca-se. “A democracia para mim é o voto”
Às 15 horas, ainda antes de Ventura chegar ao local, os manifestantes já gritavam palavras de ordem contra o líder do Chega. “André Ventura, já foste de trivela”, numa alusão a Ricardo Quaresma e a uma polémica que envolveu os dois no passado, e “Setúbal é terra antifascista”. Existiam vários cartazes de apoio a Ana Gomes, que, entretanto, já se demarcou do incidente, no Twitter: “Sou contra qualquer tipo de protesto violento contra qualquer candidato. Ninguém atua de forma violeta em meu nome”.
Sou contra qualquer tipo de protesto violento contra qualquer candidato. Ninguém actua de forma violenta em meu nome.
— Ana Gomes (@AnaMartinsGomes) January 21, 2021
Ana Gomes publicou o tweet assim que, à saída de uma entrevista no Porto Canal, foi informada do que tinha acontecido. Pouco depois, em declarações aos jornalistas no Coliseu do Porto, à margem de um comício virtual de pré-encerramento da campanha, insistiu na mesma ideia: “Não tenho rigorosamente nada a ver com o que se passou, e ninguém atua de forma violenta em meu nome. A democracia para mim é o diálogo de ideias e o voto. Em nenhuma campanha é bom que haja violência.
Também Marisa Matias, candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, já condenou os incidentes. “Não se derrota o ódio com violência”, escreveu a bloquista no Twitter.
Não se derrota o ódio com violência. Somos um país melhor do que o candidato da extrema-direita e seremos capazes de o vencer na luta democrática.
— Marisa Matias (@mmatias_) January 21, 2021
Tiago Mayan Gonçalves, da Iniciativa Liberal, também censurou o que aconteceu esta tarde em Setúbal. “Condeno totalmente qualquer forma de violência”, escreveu.
⏩ Condeno totalmente qualquer forma de violência, ameaça ou coacção, venham de onde vierem, dirijam-se a candidatos, jornalistas ou quaisquer outros cidadãos.#Mayan2021 #AlternativaLiberal
— Tiago Mayan (@LiberalMayan) January 21, 2021
À margem de uma ação de campanha, em declarações aos jornalistas, João Ferreira, candidato apoiado pelo PCP, limitou-se a recordar que “tudo fez” para “manter uma elevação neste debate eleitoral” e que ninguém o viu “entrar em disputas inconsequentes, ódios ou insultos”. Desafiado a condenar concretamente este ato de violência, não o fez.
O filme do que aconteceu
Quando o candidato chegou, às 15h23, foi recebido com gritos anti-Chega e a comitiva foi atingida com ovos. Depois de terminado o comício, a equipa de segurança estudou com a PSP a melhor forma de deixar o local. O Observador pôde assistir a uma conversa em que um agente da polícia insistiu que a saída principal, onde aguardavam os manifestantes, era a forma mais segura.
Assim que deixou o espaço, rodeado pelos seguranças e pela comitiva, Ventura seguiu em direção ao carro de cabeça erguida. Ainda ensaiou um aceno mas foi aí, nesse preciso momento, que começaram a voar objetos.
Os seguranças baixaram imediatamente a cabeça do candidato e forçaram a entrada de André Ventura no Mercedes preto que o transporta nesta campanha, que arrancou a toda a velocidade. A restante comitiva seguiu imediatamente atrás do líder do Chega.
Os manifestantes ficaram para trás, mas os ânimos não se acalmaram. Longe disso. Houve uma primeira carga policial contra um grupo de pessoas que terá estado na origem dos primeiros objetos lançado. A polícia de choque fez depois um cordão de segurança e, tal como o Observador conseguiu assistir, fez vários gestos a convidar à calma de todos os manifestante e a pedir que deixassem o local.
A ordem não foi acatada e a polícia começou a obrigar as pessoas a dispersarem. Um dos manifestantes agrediu um polícia e foi imediatamente imobilizado. Os agentes da PSP recorreram à bastonada e a gás pimenta para obrigar o grupo a deixar o local.
Em declarações à Agência Lusa, o comandante distrital da PSP de Setúbal, Viola Silva PSP, garantiu que a polícia tudo fez para evitar a escaldada de violência. “Quando começaram a chover pedras, não havia outra hipótese senão dispersar aquela gente toda. Foi o que fizemos”, disse.
“A entrada do candidato correu mais ou menos bem. Foram só arremessados alguns ovos – não sei se vocês repararam ou se já lá estavam dentro. Na saída, como prevíamos, foram arremessadas pedras e objetos metálicos cortantes, tudo objetos que, se acertassem em alguém, podiam matar”, descreveu ainda Viola Silva.
* Com Rita Dinis e Rita Penela