A decisão de priorizar a vacinação a todos os deputados não está a reunir consenso entre os vários partidos com assento parlamentar. Têm-se multiplicado os parlamentares a afirmar publicamente que dispensam a sua vacina a quem esteja “na linha da frente” e os partidos emitem posições oficiais a notar o “exagero” da decisão tomada pelo Governo. Rui Rio aponta que o Governo errou em primeiro lugar “ao não incluir os principais decisores políticos nas prioridades de vacinação”, mas diz que o erro agora é a correção “por via do exagero”. Ainda na direita, Chega e Iniciativa Liberal são contra e os deputados únicos pretendem abdicar da vacina. Já à esquerda, o PCP fala numa “generalização que se afigura excessiva”, o PEV diz que ainda “está a analisar” e o Bloco de Esquerda diz que deputados “devem ser vacinados em função dos critérios demográficos e de saúde forem estabelecidos para a população”. PAN também está contra vacinação transversal de deputados e quer Assembleia da República em “serviços mínimos” como aconteceu no primeiro confinamento.
Líderes partidários rejeitam prioridade e cedem vacina a idosos ou profissionais de saúde que ainda não tenham sido vacinados
Na direita, os líderes do CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega já afirmaram publicamente o desacordo com a prioridade a atribuir aos políticos e que os colocará à frente de, por exemplo, idosos.
Francisco Rodrigues dos Santos, líder centrista, considerou que dar prioridade a “todos os titulares de órgãos de soberania é um péssimo exemplo ao país e um insulto aos que mais sofrem com esta pandemia”. Rodrigues dos Santos diz que é “indefensável” colocar todos esses políticos à frente de, por exemplo, “utentes dos lares, profissionais de saúde e outros grupos de risco” que ainda aguardam pela sua vez para serem vacinados.
O líder do CDS recorda ainda a intenção que tem, caso seja considerado prioritário, de “ceder a vacina a um idoso” e a defesa que tem feito da revisão do plano de vacinação para que todos os idosos acima dos 80 anos sejam incluídos “na primeira fase do plano”.
Da mesma opinião é também o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, que escreveu esta terça-feira ao presidente da Assembleia da República para informar que não pretende “ser incluído em qualquer grupo prioritário” de acesso à vacinação contra a Covid-19.
Numa mensagem enviada a Eduardo Ferro Rodrigues, e a que a agência Lusa teve acesso, João Cotrim Figueiredo refere que tomou conhecimento pela comunicação social de que “o Governo teria enviado um despacho à Presidência da Assembleia da República para que esta indicasse as pessoas que, nesta Assembleia, deveriam ser prioritárias no acesso à vacinação contra o vírus SARS-Cov-2”.
Se esta informação estiver correta, venho informar V.Exa. de que não pretendo ser incluído em qualquer grupo prioritário e de que, desde, já cedo a vacina que me pudesse vir a ser reservada a um profissional de saúde do setor social, privado ou público que não tenha ainda sido vacinado”, refere.
De acordo com um despacho, emitido na segunda-feira pelo primeiro-ministro e a que o Diário de Notícias (DN) teve acesso, os titulares de órgãos de soberania, deputados, funcionários da Assembleia da República, membros dos órgãos das Regiões Autónomas e presidentes de câmara, enquanto responsáveis da proteção civil, vão começar a ser vacinados na próxima semana.
André Ventura, líder do Chega, já o tinha dito ainda durante a campanha presidencial. Durante o comício de encerramento de campanha, Ventura prometeu que será o último português a vacinar-se contra a Covid-19. “Um líder político não se deixa vacinar quando há idosos sem vacina, médicos, enfermeiros e professores sem vacina. Eu serei o último a ser vacinado em Portugal“, garantiu. Já nas redes sociais, o líder do Chega voltou a sublinhar: “Não aceito nem aceitarei que os políticos sejam vacinados antes dos outros portugueses. Serei o último!”, escreveu.
Não aceito nem aceitarei que os políticos sejam vacinados antes dos outros portugueses. Serei o último!https://t.co/iKlDovwpmN
— André Ventura (@AndreCVentura) January 22, 2021
Já Rui Rio, que aponta que o Governo errou em primeiro lugar “ao não incluir os principais decisores políticos nas prioridades de vacinação” diz que o erro agora é a correção “por via do exagero”. “Falta firmeza e bom-senso”, escreveu o líder do PSD no Twitter depois de deputados sociais-democratas terem sido dos primeiros a manifestar-se contra a opção de vacinar todos os deputados.
O Governo errou ao não incluir os principais decisores políticos nas prioridades de vacinação. Quando corrige, volta a errar por via do exagero. Não inclui os médicos do setor privado, mas alarga, p.ex., à globalidade dos órgãos de soberania. Falta firmeza e bom-senso.
— Rui Rio (@RuiRioPT) January 26, 2021
André Silva, porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza, entende que Presidente da República, presidente da Assembleia da República, Primeiro-ministro e ministros como a da Saúde, que estão na linha da frente, devem ser priorizados na vacinação, mas discorda da vacinação de todos os deputados. Mais, o deputado afirmou ainda que irá propor em Conferência de Líderes, no Parlamento, propor a redução do número de deputados em plenário — para os números permitidos em abril e março do ano passado, durante o primeiro confinamento — e para que passem a funcionar apenas com “serviços mínimos” e todo o restante trabalho possa ser realizado à distância.
Além de Presidente da República, da Assembleia, primeiro-ministro e ministros da linha da frente, o PAN quer que “sejam pensados também funcionários de alta exposição que tenham de estar na linha da frente” como magistrados judiciais e do Ministério Público e comandantes de bombeiros.
Ao Observador, o Bloco de Esquerda recorda que “defendeu desde a primeira hora que a vacinação fosse prioritária para os profissionais de saúde ou grupos de risco”. Os bloquistas entendem que a lista de vacinação prioritária deve incluir o “Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-ministro e restantes membros do Governo, bem com os presidentes dos tribunais superiores e do Tribunal Constitucional” e que os restantes titulares de cargos políticos “devem ser vacinados em função dos critérios demográficos e de saúde forem estabelecidos para a população.
“O Bloco de Esquerda não politizará o processo de vacinação, desejando que corra com toda a normalidade e a maior celeridade possível, pelo que seguiremos qualquer decisão que seja tomada pelas autoridades de saúde”, afirmou Pedro Filipe Soares.
PS concorda com decisão do Governo e diz que “não pode haver cedência à demagogia e ao politicamente correto”
À Rádio Observador, o secretário-geral adjunto socialista José Luís Carneiro referiu que entende que “titulares de órgãos de soberania, em função de critérios de hierarquia funcional devem constar das prioridades de vacinação da Covid-19” e que é “adequado no plano institucional e fator de segurança na decisão de proteção e apoio às populações” incluir na vacinação prioritária os “autarcas com responsabilidades diretas na proteção civil municipal e com especial papel na campanha de vacinação”.
“Em matérias de saúde pública e funcionamento do Estado de direito não pode haver cedência à demagogia e ao politicamente correto. Esta é a decisão que se impunha por imperativo de Estado e por razões de saúde pública”, notou José Luís Carneiro.
Os deputados que já anunciaram abdicar da vacina
Há pelo menos três deputados do PSD que já disseram que cedem a sua vez. Ricardo Baptista Leite escreveu esta terça-feira nas redes sociais — a propósito do anúncio do despacho assinado por António Costa sobre este assunto — que, para já, apenas “faz sentido vacinar as 3 primeiras figuras do Estado: Presidente da República, presidente da Assembleia da República e Primeiro-ministro”. “Alargar aos demais titulares quando o país ainda não vacinou toda a população +80 anos ou profissionais de saúde parece-me de difícil compreensão. Pessoalmente irei esperar pelo meu lugar na 3.ª fase de vacinação”, assegurou.
No mesmo sentido foram Alexandre Poço, que também é líder da JSD, e Cristóvão Norte. “Sou contra vacinarem-me antes dos demais, não sou idoso nem doente”, escreveu este último no Twitter no dia 30 de dezembro como fez questão de recordar esta terça-feira no Facebook.
Alexandre Poço concorda com a vacinação de António Costa mas enquanto deputado dispensa e aguardará pela fase a que tem direito, “como qualquer cidadão”.
Na bancada do CDS João Almeida também já demonstrou a intenção de aguardar pela sua vez de ser vacinado “como se não exercesse o mandato de deputado” considerando que foi “eleito em lista” e que “pode ser substituído”. Ainda assim, destaca a necessidade de vacinar rapidamente “as principais figuras do Estado” — Presidente da República, Primeiro-ministro e presidente da Assembleia da República — criticando o “populismo se não se terem considerado prioritários” desde o primeiro momento.
De acordo com um despacho, emitido na segunda-feira pelo primeiro-ministro e a que o Diário de Notícias (DN) teve acesso, os titulares de órgãos de soberania, deputados, funcionários da Assembleia da República, membros dos órgãos das Regiões Autónomas e presidentes de câmara, enquanto responsáveis da proteção civil, vão começar a ser vacinados na próxima semana.
Segundo a mesma notícia, também a Provedora de Justiça, os membros do Conselho de Estado e a magistratura do Ministério Público vão começar a ser vacinados na próxima semana.
(Artigo em atualização)