Esta segunda-feira, os Lakers defrontaram os Cleveland Cavaliers. LeBron James voltou a Cleveland pela segunda vez desde que se mudou para Los Angeles e não fez da partida uma simples anotação no calendário. Ganhou, fez 46 pontos, a segunda maior pontuação pessoal desde que está nos Lakers, e ainda se tornou o segundo mais velho de sempre a ultrapassar a fasquia dos 40 pontos pela equipa. O mais velho de sempre, claro, é Kobe Bryant, que em 2016 e aos 37 anos marcou 60 pontos no jogo de despedida. A exibição de LeBron fez lembrar Kobe — tal como tudo o que os Lakers respiram, um ano depois, faz ainda lembrar Kobe.
Kobe Bryant morreu há um ano. No final de janeiro, quando a pandemia ainda não se tinha tornado o assunto de 2020 e o mundo ainda não tinha parado, o universo deu desde logo um sinal de que o ano não seria extraordinário. De um momento para o outro, o desporto perdeu um dos maiores nomes dos últimos 20 anos; de um momento para o outro, milhões de jovens perderam um exemplo; de um momento para o outro, uma mãe perdeu uma filha e um marido; de um momento para o outro, três meninas perderam uma irmã e um pai. Tudo isto num acidente desprovido de sentido e de explicações. Um acidente de onde, Kobe, um super-herói, seria o primeiro a ter de sair ileso. A vida, porém, não é um filme de super-heróis.
“Seguirei o teu legado”. LeBron James despede-se de Kobe Bryant com publicação emotiva
Pau Gasol, atualmente sem clube depois de ter saído dos Portland Trail Blazers, era o hermano de Kobe Bryant. Uma designação cunhada pelo norte-americano — ainda que ele mesmo garantisse que não tinha tempo para amigos enquanto ainda jogava, por estar “demasiado ocupado a ser o melhor”. Gasol, porém, sabia a verdade. “Ele dizia sempre isso. Não tinha tempo para amigos. Estava demasiado ocupado a alcançar coisas, a ser o melhor, a atingir grandeza. Não tinha tempo para as coisas sentimentais. Dizia isso publicamente, e existia alguma verdade. Mas… Ele é o mais perto que tive de um irmão mais velho”, explicou o espanhol numa entrevista recente à ESPN. “Dava para ver essa dureza, essa coragem, esse desejo, essa fome, a mentalidade Mamba, de ser o melhor em todos os momentos, de trabalhar mais do que todos os outros. Mas ele também tinha um lado muito amável, muito carinhoso”, diz Pau Gasol.
O espanhol de 40 anos, que conheceu Kobe nos Lakers e por lá se tornou um dos amigos mais próximos do antigo jogador, é agora um apoio importante para Vanessa Bryant e as três filhas do casal. Passou o próprio aniversário com a família de Kobe, é o tio Pau e a grande ligação saudável de Natalia, de 18 anos, Bianka, de quatro, e Capri, de apenas um, a um passado pintado a amarelo e roxo que deixou o mundo inteiro rendido ao rapaz que parecia seguir todos os movimentos de Michael Jordan. Gasol, tal como todos, também achava que Kobe era um super-herói. “Quando soube, entrei num transe que me deixou completamente congelado. Fiquei preso num choque absoluto. Não queria acreditar. Durante dias, semanas, não queria acreditar. Achava que ele ia sair do acidente pelo próprio pé e trazer a filha ao colo. Tínhamos esta perceção dele, de alguém forte, de alguém invencível. Se alguém podia sobreviver, era ele”, recorda, acrescentando que depois de chorar durante dias percebeu depressa o que tinha de fazer a seguir.
“Marquei um voo para a Califórnia. Decidi que precisava de estar lá e fui. Não sabia se estava a ir por uma semana, por duas semanas ou por um mês, mas precisava de estar lá. Queria estar perto da Vanessa e das crianças e estar lá, como tio Pau, para tudo o que fosse preciso”, conta. Pau e a mulher, Catherine McDonnell, mudaram-se para Orange County durante vários meses. No dia que assinalou o 19.ª aniversário de casamento dos Bryant, enviou flores a Vanessa. No dia em que Gianna faria 14 anos, em maio, enviou um bolo de aniversário. Esteve por perto durante o confinamento associado à pandemia, durante o Halloween, durante todos os aniversários. Em setembro, quando foi pai pela primeira vez, não terá precisado de pensar muito para escolher o nome da filha: Elisabet Gianna Gasol, enquanto homenagem à filha do hermano.
“É uma maneira não só de homenagear a Gianna mas também de os ter sempre presentes. São a nossa família. Representa tanta coisa, o nome. A amabilidade, o coração que a Gianna tinha, o talento, a resiliência que ela mostrava. Tudo o que tinha do pai e da mãe. Tudo isso significa muito para nós e é por isso que a nossa filha se chama Elisabet Gianna”, diz Pau Gasol, que garante que não voltará a andar de helicóptero. “Parece que a nossa relação estava destinada, por algum motivo. E agora, depois da partida dele e da Gianna, percebi o que ele significava para mim, quem ele era, o que ele trouxe à minha vida. Vou ter saudades para o resto da vida mas vou tê-lo presente em tudo o que fizer”, termina o jogador espanhol.
Um ano depois, os Lakers anunciaram que ainda não estão preparados para realizar uma homenagem a Kobe Bryant e reviver o dia da tragédia. “Com as emoções ainda cruas, a estrutura dos Lakers não tem planos para tornar esta terça-feira, dia 26 de janeiro, mais difícil do que já será, colocando mais ênfase no aniversário. Não vão aparecer equipamentos Black Mamba na segunda-feira em Cleveland, um dia antes do aniversário, ou na quarta-feira em Filadélfia, no dia seguinte. Não existirá uma homenagem formal, algo que poderia potencialmente chamar mais atenção para os detalhes angustiantes do acidente e causar mais trauma do que cura”, explicou a equipa de Los Angeles.
Os “detalhes angustiantes do acidente” que os Lakers querem evitar prendem-se com o facto de, daqui a poucos dias, ser conhecido o relatório final da investigação feita ao acidente. Recolhida toda a informação sobre a experiência do piloto, as condições meteorológicas e a segurança do helicóptero, a National Transportation Safety Board dos Estados Unidos vai revelar no próximo dia 9 de fevereiro as conclusões finais sobre o acidente que matou Kobe, Gianna e outras sete pessoas, incluindo uma possível causa e recomendações de segurança consequentes.
Certo é que, um ano depois, a melhor homenagem que poderia ter sido feita a Kobe Bryant foram os 46 pontos de LeBron James contra os Cleveland Cavaliers. Mas algo maior ainda está a ser preparado. O documentário “Sincerely, Los Angeles”, que ainda não tem data de estreia mas já tem trailer, conta a história dos artistas de rua que nas semanas seguintes à morte de Kobe decidiram tornar a cidade um autêntico memorial vivo do jogador de basquetebol. Uma cidade que “estará sempre triste”, como é possível ouvir no trailer, mas que deixa nas paredes pintadas uma derradeira carta de amor.