Os alarmes soaram ao início da noite desta terça-feira: as primeiras notícias davam conta de um colapso na rede de oxigénio do Hospital Fernando da Fonseca (conhecido como Amadora-Sintra) que obrigava à transferência de doentes com Covid-19. Em comunicado, a administração do Hospital explicou mais tarde que se tratou de “um conjunto de constrangimentos na rede de fornecimento de oxigénio medicinal”, que não impediu o fornecimento aos pacientes, mas tornava “aconselhável” a diminuição do número de doentes que precisavam de oxigénio internados.

Já na manhã desta quarta-feira, o hospital confirmou que a situação estava regularizada, depois de uma operação de transferência de 53 doentes para outras unidades de saúde — maioritariamente da Grande Lisboa, mas também no resto do país. Na origem do problema estava precisamente o excesso de doentes internados a precisar de oxigénio, o que levou a rede de abastecimento daquele gás medicinal a não conseguir manter a pressão desejada em todos os pontos de distribuição.

O número de doentes transferidos foi atualizado a meio do dia, em conferência de imprensa: 43 doentes transferidos. O enfermeiro-chefe Rui Santos confirmou que todos os doentes foram transferidos em segurança, receberam os devidos cuidados e que depois disso a pressão no oxigénio estabilizou (não voltou a sofrer flutuações). Ainda assim, está prevista a transferência de mais 32 doentes, esta quarta-feira, incluindo uma enfermaria completa para o Hospital da Luz.

O que se passou no Amadora-Sintra?

Ao início da noite desta terça-feira, a rede de oxigénio do hospital Amadora-Sintra que abastece as enfermarias e urgências Covid entrou em sobrecarga devido ao elevado número de internados com a doença. Como a maior parte destes pacientes tem uma necessidade acrescida de oxigenioterapia, e o número de doentes tem aumentado nos últimos dias, a pressão na rede provocou flutuações na quantidade de oxigénio administrada. O Hospital rejeitou que se tivesse tratado de um “colapso” da rede ou que tivesse faltado oxigénio.

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Fotogaleria. A operação de transferência de doentes após falhas da rede de oxigénio do Hospital Amadora-Sintra

“Não está em causa a disponibilidade de oxigénio ou o colapso da rede, mas sim a dificuldade da estrutura existente em manter a pressão”, informou o Amadora-Sintra, num comunicado divulgado pelas 22h30.

A “flutuação” dos níveis de oxigénio na rede, como apelidou uma fonte hospitalar ao Observador, levou a que fosse “aconselhável” diminuir o número de doentes internados que precisam de “oxigénio em alto débito” de forma a “aliviar o consumo de oxigénio para estabilizar a rede e repor a normalidade”, segundo o mesmo comunicado.

A urgência geral do Hospital chegou a ser encerrada, tendo sido reaberta já depois das 22h00.

De acordo com um comunicado enviado pelo Hospital antes das 8h da manhã desta quarta-feira, a transferência de 53 doentes permitiu aliviar a rede de oxigénio, que já se encontrava de manhã “a funcionar de forma estabilizada e dentro de padrões de segurança, mantendo-se a monitorização permanente do seu fluxo”. Entretanto, a meio do dia, o enfermeiro-chefe Rui Santos corrigiu o número de doentes para 43: 38 doentes Covid-19 e cinco doentes não-covid, como disse na conferência de imprensa.

Quantos doentes Covid tinha o hospital?

Os números ajudam a perceber a “sobrecarga” da rede. É que o plano de contingência do hospital apenas previa a ocupação de até 120 camas em enfermaria para doentes com Covid-19. Só que, em comunicado, o hospital revelou ter 363 doentes internados com a doença — 30 dos quais em cuidados intensivos. Ou seja, o triplo do que estava previsto inicialmente. Segundo apurou o Observador, quando as falhas foram registadas, apenas uma cama estaria livre, mas prestes a ser ocupada por um doente.

Esta quarta-feira, o enfermeiro-chefe do hospital disse que havia 331 doentes em internamento, fazendo com que o Amadora-Sintra fosse o hospital da área de Lisboa com mais internamentos. Neste momento, o hospital continua a transferir doentes e não está a receber doentes encaminhados pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU).

O Amadora-Sintra é o hospital da região de Lisboa com mais doentes internados com Covid-19. De acordo com um comunicado do próprio hospital, só em relação ao dia 1 de janeiro já se registou um aumento de 400% do número de internamentos. “Muitos destes doentes necessitam de oxigénio medicinal em alto débito”, assinalou o hospital.

Quantos foram transferidos e para onde?

Foram transferidos 43 doentes internados para múltiplas unidades de saúde da Grande Lisboa e do resto do país para aliviar a pressão sobre a rede de oxigénio do Amadora-Sintra, de acordo com uma contabilização final divulgada na manhã desta quarta-feira pelo próprio hospital.

Ao longo da noite, a informação sobre o número de doentes transferidos e os seus destinos foi sendo atualizada à medida que se desenhava um retrato cada vez nítido daquilo que se tinha passado no hospital — e de como o sistema de saúde, incluindo o serviço público e unidades privadas, conseguiriam responder à situação de crise.

Numa primeira fase, fonte hospitalar adiantou que apenas seriam transferidos 31 doentes — 20 para o Hospital de Santa Maria, seis para o hospital de campanha da Cidade Universitária e cinco para o Hospital das Forças Armadas. Mas, mais tarde, o Amadora-Sintra adiantou que seriam, afinal, 48 os doentes transferidos para o Hospital de Santa Maria, Hospital de Setúbal, Egas Moniz e Hospital de campanha da Cidade Universitária. Pouco depois, à Lusa, a assessora do Amadora-Sintra, Diana Ralha, deu uma informação diferente sobre quais os hospitais que iriam receber os doentes: “20 vão para o hospital de Santa Maria, 11 para os hospitais de retaguarda das Forças Armadas e da Cidade Universitária, quatro vão para Portimão e os restantes, a princípio, para Setúbal”.

No Facebook, o Centro Hospitalar Lisboa Norte, a que pertence o Santa Maria, confirmou a transferência de 20 doentes para aquela unidade, sublinhando a “rápida resposta dos profissionais do CHULN a quem precisa nesta fase delicada da pandemia”.

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Porém, já pelas 00h30, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) disse ao Observador que o Hospital Curry Cabral também recebeu doentes com Covid-19 do Amadora-Sintra (foram seis), que precisam de ventilação não invasiva (ou seja, não precisam de ser entubados, mas de uma máscara de oxigénio).

Já o Hospital de São José, que também pertence ao CHULC, recebeu nas urgências outros cinco doentes sem necessidade de ventilação. “Até ao final da noite poderão chegar, no total, cerca de duas dezenas de doentes” do Amadora-Sintra, indicou ao Observador aquele centro hospitalar.

Entretanto, à Lusa, a assessora do Amadora-Sintra disse que serão transferidos outros 19 doentes para uma enfermaria que irá abrir no Hospital da Luz, em Lisboa. O Hospital da Luz disponibilizou as instalações, mas os 10 enfermeiros, três médicos e auxiliares de saúde irão do Amadora-Sintra.

Os pacientes transferidos eram doentes Covid?

Numa conferência de imprensa dada pelas 23h00, Rui Dias Santos, membro do Conselho de Administração do Amadora-Sintra, adiantou que os doentes transferidos para os vários hospitais foram “essencialmente” pacientes Covid que necessitavam de ventilação não invasiva. Estes doentes estavam todos em enfermaria e nenhum em cuidados intensivos. E encontravam-se estáveis, segundo o responsável.

Estiveram em risco?

O Amadora-Sintra garante que não. No comunicado, o hospital assegurou que “em momento algum, os doentes internados estiveram em perigo devido a esta ocorrência”. Até porque, segundo adiantou Rui Dias Santos, quando foi detetada a flutuação nos níveis de oxigénio, foi possível recorrer a botijas e cilindros de oxigénio portáteis e os profissionais de saúde foram mobilizados para responder à situação. A propósito, a TVI chegou a adiantar que vários profissionais, mesmo os que já não se encontravam no hospital, foram chamados para ajudar na transferência dos doentes.

“Em momento algum os doentes internados estiveram em perigo devido a esta ocorrência, tendo as flutuações da rede sido colmatadas com recurso a garrafas de oxigénio, envolvendo a mobilização de vários profissionais, cujo esforço se enaltece e agradece publicamente”, reiterou na manhã de quarta-feira o hospital. “Agradece-se publicamente a solidariedade dos hospitais que receberam os doentes que se encontravam internados no HFF. O HFF gostaria também de dar público agradecimento às corporações de bombeiros, INEM e empresas privadas que permitiram transferir os doentes num tempo relativamente curto. Este verdadeiro funcionamento em rede, envolvendo várias entidades, permitiu dar uma resposta exemplar a uma ocorrência extremamente desafiante.”

Podem vir a ser transferidos mais doentes?

Rui Dias Santos disse, em conferência de imprensa, que serão transferidos pelo menos mais 32 doentes. “Estamos a avaliar o impacto que as transferências dos doentes vão ter na estabilização da nossa rede”, disse na noite de terça-feira, adiantando, na altura, estar convencido de que o transporte de 48 doentes (previsto na altura) fosse “suficiente” para esse efeito. A possibilidade de transferir pacientes está também a ser colocada, dentro dos hospitais que estão a dar apoio ao Amadora-Sintra, para outros doentes não Covid-19 que tenham necessidade de oxigénio.

Doentes transferidos precisam de ventilação não invasiva

O responsável adiantou ainda que o hospital poderá “continuar a receber, eventualmente, doentes Covid”. “Temos é de fazer o devido equilíbrio entre os doentes que continuam a ter necessidade de serem internados no hospital e a nossa rede. Estamos a trabalhar nesta situação e vamos avaliar o impacto” da transferência dos doentes na estabilização da rede, conclui.

O Amadora-Sintra já tinha tido problemas?

No comunicado distribuído aos jornalistas, o Amadora-Sintra sinalizou que é o hospital do país “com mais doentes Covid-19 internados: 363 à data de hoje”, o que se trata de “um aumento de 400% desde 1 de janeiro” deste ano. “Muitos destes doentes, pelas características da doença, necessitam de oxigénio medicinal em alto débito, sendo que tal causa uma sobrecarga sobre as redes hospitalares”, lê-se no comunicado.

O aumento do número de doentes infetados estava, aliás, a levar o hospital a transferir doentes — segundo apurou o Observador, para o São João, no Porto, foram transferidos, para já, dois pacientes. Na última semana, também já tinham sido transportados pacientes para o Algarve.

A pressão levou ainda a unidade a abrir, nas últimas 72 horas, três enfermarias Covid com mais 90 camas de enfermaria.

O que está o hospital a fazer perante esse aumento de infetados?

O hospital sublinha que tem em curso “um conjunto de obras para reforço da rede de fornecimento de oxigénio”. Desta forma, está a ser feito “um reforço da rede de gases medicinais que serve esta unidade, designadamente as áreas das enfermarias, serviços de urgência, unidades cuidados intensivos, entre outras”.

Já na semana passada, foi instalada uma “nova rede de oxigénio na Torre Amadora para reforço da rede já existente”, para a manutenção de “fluxos e estabilização da rede de oxigénio”. Também começou a ser instalado um “novo tanque de oxigénio que funcionará em paralelo com o existente”. O hospital estima que esta estrutura esteja concluída “dentro de três semanas” e vai responder a “eventuais necessidades de aumento do consumo”.

Além disso, está a ser introduzida uma “rede redundante na Torre Sintra, que tal como a rede redundante instalada na outra torre irá reforçar a rede de gases medicinais já existente”. Será ainda instalado um “tanque de oxigénio para alimentar em exclusivo a área dedicada a doentes respiratórios do serviço de urgência e que ficará independente da rede principal” do hospital.

Rui Dias Santos assegurou que não foram estas obras a causar os problemas detetados esta terça-feira, mas a “necessidade muito elevada de consumo de oxigénio”.

Na manhã desta quarta-feira, em declarações à RTP, o presidente do conselho diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Pisco, explicou que há dois horizontes temporais com que o hospital está neste momento a trabalhar. A reparação mais urgente da rede poderá estar finalizada até ao próximo fim‑de‑semana, o que permitirá o regresso dos doentes. Já as obras de fundo que vão aumentar a capacidade de armazenamento e distribuição de oxigénio deverão durar duas semanas.

Há risco de as falhas acontecerem em outros hospitais?

Em declarações à TVI, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, disse que o colapso da rede de oxigénio no Hospital Amadora-Sintra era “expectável”. “Há uma grande pressão sobre o consumo de oxigénio”, devido ao “número de internados que há em excesso”.

Doentes foram transferidos ao longo da noite

Ana Rita Cavaco disse que a Ordem teve acesso a e-mails de empresas fornecedoras de garrafas de oxigénio que diziam não ter capacidade para satisfazer as encomendas dos hospitais de Lisboa. A Ordem dos Enfermeiros avisou o Governo e a administração do hospital desse facto, mas, segundo a bastonária, em resposta às denúncias, preferiram dizer que tal “que não era verdade”.

A bastonária alerta ainda que os doentes transferidos “correm risco de vida”, quer estejam em “ventilação não invasiva”, quer sejam “ventilados em cuidados intensivos”, dado que são doentes de risco.

Luís Pisco também disse, à TVI24, que além do Amadora-Sintra, “vários outros hospitais têm estado a consumir oxigénio muito mais do que é habitual“. “O que tem acontecido é uma reposição dos níveis de oxigénio muito mais amiúde. Por exemplo, no caso em que [os níveis] eram repostos de dois em dois dias passaram a ser repostos diariamente”. Alguns hospitais tiveram “dificuldades”, mas os problemas foram resolvidos, garante. “Quando muito terá de se reforçar a reposição dos stocks de oxigénio dos vários hospitais“, defendeu.

Já à SIC Notícias, Álvaro Beleza, diretor do Serviço de Sangue do Hospital de Santa Maria e professor na Faculdade de Medicina de Lisboa, assegurou que o Santa Maria “tem vindo a alagar a sua capacidade” de responder à pandemia e “tem planos de aumento da capacidade gradual consoante as necessidades”. “Temos um sistema de saúde robusto, que está a aguentar este embate, este tsunami“, frisou, acrescentando que “ninguém está a deixar de ter os cuidados que precisa”, como a administração de oxigénio.

Por seu turno, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, disse ao Observador que não é de descartar a repetição do incidente noutros hospitais, uma vez que o que sucedeu no Amadora-Sintra não foi “propriamente uma avaria no verdadeiro sentido da palavra”. “O que existe é um excesso de doentes a fazer oxigénio, muitas torneiras abertas de oxigénio”, salientou Miguel Guimarães. Isto significa que a “capacidade dos reservatórios que conseguem fornecer oxigénio” pode não satisfazer as necessidades de todos os doentes ligados à rede de ventilação.

Amadora-Sintra rejeita cenário de “colapso de oxigénio”

A rede consegue fornecer “aos primeiros doentes, àqueles que estão mais perto do reservatório, oxigénio no fluxo indicado; naqueles que já estão muito longe, ou estão mais afastados, obviamente que as torneiras de oxigénio podem começar a perder pressão e a não dar o oxigénio que seja necessário”. De acordo com Miguel Guimarães, o facto de não ter sido uma avaria, mas sim uma sobrecarga da rede de fornecimento oxigénio indica que situações semelhantes podem acontecer noutros hospitais, uma vez que não existe capacidade instalada para o elevado número de doentes que, neste momento, precisam de ajuda para respirar.

Numa circular divulgada esta terça-feira, antes da falha registada no Amadora-Sintra, o Infarmed, que também é responsável pela monitorização do consumo de oxigénio, assegurou que não há uma rutura no país. “De uma recente monitorização efetuada, conclui-se que atualmente existem cinco titulares de AIM para o oxigénio medicinal e todas as apresentações comercializadas se encontram disponíveis para abastecimento e nenhuma se encontra em situação de rutura ou com rutura prevista”, lê-se no documento.

Atualizado: o enfermeiro-chefe Rui Santos disse, em conferência de imprensa, que tinham sido transferidos 43 doentes e não 53.