A ministra da Saúde admitiu, em entrevista publicada esta quinta-feira na Visão (conteúdo fechado), que o “janeiro terrível” em curso na região de Lisboa e Vale do Tejo esgotou a capacidade do Serviço Nacional de Saúde no que diz respeito a camas de internamento em unidades de cuidados intensivos no país. “Nós tínhamos, ontem, mais de 800 doentes em unidades de cuidados intensivos, nunca tivemos nada assim nem nunca pensámos que isso acontecesse”, disse Marta Temido, reconhecendo a rutura. “Nós não conseguimos aumentar mais a nossa capacidade de cuidados intensivos. Isso está à vista.”
Apesar de tudo, a ministra recusou que a situação atual se deva a qualquer falta de planeamento — “Nós planear, planeámos! Planeámos foi para um limite que não era este com que estamos a ser confrontados” — e explicou que, por muito que vários países se tenham já disponibilizado para ajudar nesse sentido, a transferência de doentes para o estrangeiro, “será sempre a última solução”.
Em entrevista à revista semanal, Marta Temido disse ainda que o Governo não falhou na missão de manter “o melhor equilíbrio possível” entre as medidas empregues para conter a transmissão da doença e a manutenção de postos de trabalho, aprendizagens e saúde psicológica, afetiva e social — e assumiu, citando o 15 de março já avançado por alguns países, que durante o mês de fevereiro Portugal não vai seguramente sair do confinamento.
Depois, recordou toda a cronologia desde que, a 14 de dezembro, Boris Johnson pôs o mundo a par da existência da chamada variante britânica. “Estamos perante uma situação epidemiológica que se agravou, e que se agravou muito rapidamente. Mas, com toda a humildade, poderíamos ter feito melhor? Sim, se soubéssemos estes aspetos, poderíamos ter feito melhor”, respondeu a ministra, que ao longo da entrevista assumiu ainda que a situação deixa os governantes “indefesos” e que ironicamente lamentou não ter “uma bola de cristal”. “As pessoas têm de perceber isto: há momentos em que os governantes se sentem impotentes”, pediu ainda.
Questionada sobre o assunto, a ministra da Saúde assegurou que nunca ficou desconfortável com as decisões tomadas pelo Governo de António Costa — incluindo as que se prenderam com o encerramento das escolas, primeiro em março, depois em janeiro, e com o alívio das medidas de restrição na altura do Natal. “Qual é a circunstância que o Natal teve de excecional? O Governo não ter dito quantas pessoas se podiam sentar à mesa na consoada? É a única questão que se pode dizer em relação ao Natal”, desvalorizou Marta Temido, para logo depois ser recordada do fim da proibição de circulação entre concelhos, decretada igualmente na altura. Em vez de se deter no detalhe, a ministra continuou: “Com total transparência, o momento que mais me preocupou, além da situação que estamos a viver agora, foi o momento de novembro e não propriamente o de dezembro”.
No final, em resposta a uma série de perguntas mais pessoais, Marta Temido falou sobre o marido e a irmã 12 anos mais nova, médica em Coimbra, que já esteve infetada com o novo coronavírus, recordou o dia em que se emocionou e chorou em público, no Instituto Ricardo Jorge, e reconheceu que em Portugal “há uma certa intolerância em relação ao poder no feminino”, que tem sentido na pele. Também lamentou não acreditar em Deus, mas revelou outra crença, em que confia, até para ultrapassar a pandemia: “Nós não podemos deixar os maus vencer”.