Imprensa e convidados sentaram-se para assistir ao desfile de Jason Wu, no passado domingo. Depois de um primeiro dia (sábado) dedicado às apresentações coletivas da plataforma internacional Flying Solo, um hub de designers emergentes, a Semana da Moda de Nova Iorque descolou. Com um calendário marcado pela ausência dos nomes mais sonantes da moda norte-americana e um alinhamento de conteúdos praticamente todos digitais, o criador de origem taiwanesa foi dos poucos a montar um evento com assistência.
Uma sensação de estranheza partilhada pela jornalista da Vogue. Para o outono de 2021, Wu propôs um guarda-roupa funcional, num desfile que deixou de lado os habituais vestidos e visuais dignos da passadeira vermelha. Como cenário, havia bancas de flores e produtos frescos que os convidados, providos de sacos de pano, podiam levar para casa no final. O restante foi doado à City Harvest, organização sem fins lucrativos que fornece alimentos à população carenciada da cidade.
“O ato beneficente foi um bom toque, mas muita gente esperava mais de um dos únicos eventos físicos da semana da moda. De volta às ruas silenciosas de Nova Iorque, não pude deixar de pensar que foi um pouco precoce, um pouco forçado”, rematou Emily Farra.
É impossível olhar para o calendário e não ver um evento a meio gás. A pandemia condiciona a indústria, a montante e a jusante — produção e fornecedores não escapam às limitações impostas para conter a pandemia, da mesma forma que o confinamento e a alterações da agenda social moldaram as necessidades de consumo. A esta dupla adversidade há que somar os constrangimentos à realização de uma semana da moda. O controlo apertado de viagens, ajuntamentos e processos de testagem deixou embaciado o brilho que habitualmente circunda as principais capitais da moda, duas vezes por ano.
Mas em Nova Iorque, o desfalque é mais visível do que em qualquer outra cidade, talvez porque há muito que os criadores revelavam o desejo de fugir ao calendário. A pandemia só veio acentuar a tendência. “Seja como ou onde for que os designers americanos queiram apresentar as suas coleções, é nossa função enquanto CFDA honrar a missão original e apoiar e promover a moda americana”.
A carta de Tom Ford, na qualidade de presidente do Council of Fashion Designers of America, foi publicada em janeiro e introduziu uma nova noção de calendário. Desfiles e apresentações passam agora a constar da agenda do CFDA, independentemente de quanto e onde acontecem. O novo formato de “American Collections Calendar” continua, ainda assim, marcado por ausências — Ralph Lauren, Marc Jacobs, Michael Kors e Calvin Klein, todos eles pesos pesados do setor, voltam a não apresentar coleção.
Outros há cujos planos não encaixam nos seis dias que a cidade dedica à moda. Gabriela Hearst, que revelou a sua coleção na quinta-feira, mudou-se para Paris no verão passado, alegando a necessidade de reduzir a pegada de carbono das suas coleções, maioritariamente produzidas em Itália. Zimmermann apresentou a coleção para o próximo outono na quinta-feira, a partir de Sydney. A próxima semana reservará apresentações tardias das marcas Carolina Herrera (marca que celebra 40 anos) e Coach e de Christian Siriano. Oscar de la Renta aponta para o dia 2 de março. Jonathan Cohen, um dos eleitos de Jill Biden, não apresentará coleção antes de abril.
Tom Ford, que há um ano levou o desfile para Hollywood, em vésperas de noite de Óscares, esperava revelar as imagens da nova coleção da última quarta-feira. O designer mudou de planos e acabou por adiar o momento para a próxima semana.
Alexandra e Gabriela, as mulheres que vestiram Jill Biden
Das novas (e das velhas) exigências do vestuário quotidiano ao aparato das passadeiras vermelhas que, por estes dias, são praticamente inexistentes, também em Nova Iorque a moda se divide entre o vestuário de todos os dias e a fantasia lhe que serve de escape. Curiosamente, com a coleção que apresentou no domingo, através de um lookbook, a Markarian posicionou-se lado a lado com uma sofisticação impossível de dissociar de conceitos como a versatilidade e o conforto.
Por trás da marca está Alexandra O’Neill, a designer de 32 anos para quem o mundo despertou a 20 de janeiro. Coube-lhe a missão de vestir Jill Biden naquele que foi o ato inaugural da nova presidência dos Estados Unidos. E dúvidas houvesse, a agitação em torno da Markarian provou que as escolhas de guarda-roupa da primeira-dama continuam a fazer mexer a indústria. À Vogue, a criadora admitiu que os seguidores nas redes sociais duplicaram instantaneamente. Na plataforma Moda Operandi, em 24 horas, a procura de peças da marca aumentou 570%.
Em dezembro, quando a equipa de Jill entrou em contacto com Alexandra, a coleção agora apresentada já estava desenhada. Para uma designer habituada a pensar, sobretudo, em peças para ocasiões especiais, em tempo de pandemia, o desafio tem sido oferecer visuais versáteis para usar dentro e fora de casa. Neste sentido, saltam à vista as malhas, os conjuntos ao estilo pijama a os casacos robe.
Gabriela Hearst, a responsável por vestir a primeira-dama dos Estados Unidos na noite após a tomada de posse, foi outra das estrelas da fashion week. O vestido cerimonial de Biden — e o casaco em caxemira com as flores emblemáticas de cada estado bordadas na orla — parece ter sido o culminar de um período de ascensão para a designer uruguaia de 44 anos.
Na quinta-feira, desvendou, à distância, a sua coleção para o outono de 2021. O compromisso da criadora com o ambiente é real e mensurável. Em 2020, 40% dos materiais que usou foram reutilizados ou provenientes de stocks parados. Este ano, Hearst quer atingir a marca dos 50%. Mas as preocupações ambientais contaminam o próprio processo criativo. A herança da abadessa beneditina Hildegarda de Bingen, que, entre outros talentos, se destacou como herbalista, em plena Idade Média, pairou sobre a coleção. As flores foram aplicadas em crochet, redesenhadas pela filha de 12 anos da designer e até estampadas manualmente em algumas peças, com a preciosa ajuda de mulheres uruguaias. Gabriela tem apenas metade da sua missão cumprida esta temporada — no início de março apresenta a sua primeira coleção para a Chloé.
Vários outros momentos marcaram a agenda nova-iorquina, mesmo que a milhares de quilómetros de distância. Foi o caso do desfile da Zimmermann, previamente gravado e inspirado num êxito televisivo dos anos 70 e 80 na Austrália, “Countdown”. Proenza Schouler, outra dupla que desfilou no último dia, marcou o momento com a estreia de Ella Emhoff na passerelle. Depois de ter chamado a atenção na cerimónia de tomada de posse de Joe Biden, a enteada de 21 anos de Kamala Harris assinou contrato com a IMG Models no início de fevereiro.
A Semana da Moda de Nova Iorque terminou esta quinta-feira, embora ainda com apresentações de grandes nomes agendadas para a próxima semana. Esta sexta-feira, arranca o calendário londrino, que se estende até dia 23 de fevereiro.