É a segunda aplicação mais popular nos iPhone e, na segunda-feira, chegou mesmo a ser a primeira. Chama-se Avatarify e está no top das apps mais descarregadas para os smartphones da Apple em Portugal, estando mesmo em concorrência com o Clubhouse, a última aplicação da moda. A app de deepfakes — recurso a inteligência artificial para criação de vídeos, faixas de som ou imagens nas quais caras, vozes e corpos são manipulados — permite ao utilizador ser (ou parecer) quem quiser. Porque não Elon Musk?

À semelhança do Clubhouse, esta app está só disponível para o sistema iOS, da Apple. Ou seja, se tiver apenas um smartphone com sistema operativo Android, não precisa de se preocupar sobre se deve ou não instalar esta aplicação. A resposta é que não o pode fazer, pelo menos para já. Até porque, como qualquer novo fenómeno de apps, pode haver riscos. Porém, antes dos cuidados que deve ter com este tipo de aplicação, explicamos o que é e para que serve esta app.

A app Avatarify resulta de um programa informático que os russos Karim Iskakov e Ali Aliev criaram em 2020. Como contaram na altura à Vice, os programadores disponibilizaram na plataforma de partilha, discussão e construção de software Github um código para quem quisesse — e tivesse um computador potente o suficiente para isso — mudar a imagem que mostrava nas videochamadas de Zoom, em tempo real. Ou seja, o código destes russos permitiu, por exemplo, que qualquer pessoa pudesse fingir ser uma vedeta, como o multimilionário Elon Musk, em tempo real. Não acredita? Veja o vídeo abaixo que Aliev partilhou no YouTube a mostrar a tecnologia.

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[Em 2020, Ali Aliev partilhou o resultado do seu algoritmo de transformação de imagens em tempo real no YouTube]

Na prática, o que este software permite é o equivalente moderno a telefonar a alguém e imitar a voz de outra pessoa. Porém, neste caso, é a aparência toda que muda e não apenas a voz. Tudo com a ajuda de um sistema de inteligência artificial.

Como explicou Aliev no mesmo mês à New Scientist, “o software transfere quase instantaneamente as expressões faciais de uma pessoa e a posição dos seus traços faciais numa determinada imagem” — uma fotografia de uma celebridade ou uma obra de arte, por exemplo.

O algoritmo de Aliev e Iskakov ganhou sucesso e, ao Vice, Ali afirmou que “era uma questão de tempo” até poder aperfeiçoar a tecnologia para dispositivos com menos recursos de processamento. “Isto apenas permite que as pessoas se divirtam enquanto estão trancadas em casa”, dizia numa altura em que ainda se vivia o primeiro de vários confinamentos mundiais devido à pandemia da Covid-19. No verão de 2020 aparece a primeira versão do Avatarify na App Store.

Como posso utilizar o Avatarify?

A app Avatarify não foge muito a este conceito inicial do código divulgado em abril de 2020. Depois de se descarregar e instalar a aplicação — e dar as respetivas permissões para a app poder aceder aos ficheiros de imagens para funcionar — pode começar a fazer vídeos.

Como explica a Avatarify no seu site oficial, para iniciar esta brincadeira basta escolher uma fotografia da galeria (que tem imagens de Elon Musk, um cachorro ou até de Mona Lisa) e depois manipulá-la com os Gifs já presentes na aplicação; ou usar a opção “live mode” e fazer um vídeo seu a falar, cantar (o que quiser). Em tempo real, enquanto fala, vê-se então na figura de quem escolheu anteriormente, quer tenha sido Elon Musk ou Leonardo DiCaprio. Depois, pode partilhar o pequeno vídeo que fez com quem quiser.

“Diga os parabéns aos seus amigos como uma celebridade”, “diga as primeiras palavras do seu bebé” ou “ponha o seu cão a falar” são algumas das ideias que os responsáveis da app propõem. Contudo, como diz o ditado: não há almoços grátis. Para poder utilizar todas as funcionalidades é preciso fazer um pagamento semanal de três euros ou pagar 39 euros ao ano. Se não o quiser fazer, há uma versão gratuita para experimentar a app durante sete dias ou pode optar por fazer vídeos animados que terão uma marca de água.

Além das imagens predefinidas que encontra na app, pode usar também fotografias da galeria do iPhone, quer sejam da sua autoria ou se tratem de outras imagens que tenha descarregado da internet. Aqui é que a app começa a ser mais divertida. No entanto, também levanta mais questões quanto ao que pode e deve (ou não deve) fazer.

Quando escrevemos que pode utilizar qualquer cara para esta brincadeira é porque pode, literalmente, usar qualquer cara que possa encontrar na internet ou tenha no smartphone. A partir daqui, escolhe o Gif e começa a animar a imagem. Se quiser algo mais personalizado, usa então o “live mode“, deixa a aplicação aceder à câmara e microfone e cria vídeos em tempo real, como aqueles que pode fazer atualmente com os animojis no iPhone. Porém, aqui não se tratam de imagens de leões ou coelhos.

Mas e a minha privacidade? Ainda me lembro da FaceApp

De acordo com a política de privacidade do Avatarify, e segundo o que a aplicação diz aos utilizadores quando a descarregam, nenhum dos vídeos ou dados utilizados é enviado para servidores externos. Este pormenor é diferente do que acontecia, por exemplo, com a FaceApp, também uma aplicação de transformação de imagens com recurso a inteligência artificial que, em 2019, teve bastante popularidade. Além disto, quando o utilizador descarrega a aplicação, também não precisa de se registar. Logo, não tem de ceder mais informação pessoal. Tem é de fazer upload das fotos que quiser utilizar ou de imagens que estejam em sites públicos.

Para utilizar imagens que não as que a app disponibiliza é preciso dar permissão de acesso à galeria do smartphone

Porém, à semelhança da FaceApp, que também tinha origens russas, é normal que tenha receios quanto à forma como esta empresa pode utilizar os dados a que der acesso. Até porque, apesar de a app afirmar que não os recolhe e a Apple ter, por definição, políticas apertadas de recolha de dados, na política de privacidade são deixadas mais notas sobre o que pode realmente acontecer. “Quando se usa a aplicação ou o seu conteúdo, certas entidades terceiras podem usar tecnologias de recolha automática de informações para recolher informações sobre si ou do seu dispositivo”, lê-se.

A Avatarify vai mais longe — até porque assim lhe é exigido para estar disponível na União Europeia –, e explica quais são as entidades terceiras o que fazem. Estas são: a Amplitude, que “recolhe informação de comportamento de utilização da app”; a AppsFlyer, que “fornece dados para serviços de marketing”; e a Firebase Crashlytics, que “auxilia a registar, prioritizar e arranjar problemas de estabilidade do programa informático”.

A política de privacidade da app atesta que os dados não identificam o utilizador

Este tipo de informação e recolha de dados é comum. Contudo, e por a Avatarify não poder controlar tudo o que estas empresa recolhem, nem como tratam os dados, deixa o aviso: “Não controlamos as tecnologias de rastreio desses terceiros ou como elas podem ser usadas”.

Por fim, a Avatarify também explica que pode divulgar dados agregados que recolhe sobre a utilização da app — por exemplo, dizer qual a imagem disponibilizada que é mais utilizada. E assume que pode partilhá-los, por exemplo, “com afiliados ou parceiros” ou com “possíveis compradores”.

Como explicámos em 2019, por norma, a maioria das aplicações que instala no smartphone pede-lhe autorização especial para aceder aos dados que tem no equipamento e permissões para aceder a outros mecanismos automaticamente. Termos de privacidade como estes são a regra, mas, no final, a decisão é sempre do utilizador.

Não é só a FaceApp que pode usar os seus dados. Instagram, Facebook e outras apps fazem o mesmo

Uma aplicação como o Waze, da Google, que funciona como o navegador GPS, pede permissão para aceder à câmara fotográfica e microfone do dispositivo, além de pedir para aceder aos dados do telemóvel. As apps Facebook, Instagram e WhatsApp são rainhas dos pedidos de permissões (até podem ter acesso às mensagens de SMS e chamadas). A aplicação de encontros Tinder também precisa de autorização para aceder aos dados de armazenamento, além de utilizar a câmara do smartphone. Já a Netflix, que permite ver vídeos em streaming, chega a avisar que pode precisar de utilizar o microfone da aplicação.

Mas, calma, não é preciso ir a correr desinstalar tudo. Precisa é de tomar decisões mais ponderadas quando quiser instalar uma app. Ou seja, se tem mesmo receio do que esta aplicação pode fazer com os seus dados, até se saber mais informações sobre ela pode ser cedo para brincar com a Avatarify.