O regresso de Nicolas Sarkozy à política ficou praticamente posto de parte esta segunda-feira, depois de o ex-Presidente francês ter sido condenado a três anos de prisão por tráfico de influência e corrupção ativa. Sarkozy, que tem dez dias para recorrer da sentença, dificilmente terá de cumprir a pena de forma efetiva, numa cela, mas a sua condenação, conforme escreve o Le Figaro, foi uma autêntica “bomba política”, a pouco mais de um ano das eleições presidenciais em França.

A juíza Christine Méé concluiu que houve um “pacto de corrupção”, que remonta a 2014, entre Sarkozy, Presidente francês entre 2007 e 2012, o seu advogado na altura, Thierry Herzog, e o juiz Gilbert Azibert, no âmbito de um caso de suborno relacionado com a investigação a um financiamento ilícito da campanha eleitoral do ex-Presidente francês em 2007.

A investigação em causa, da qual Sarkozy viria a ser ilibado, envolvia Liliane Bettencourt, a milionária herdeira da L´Oréal — que morreu em 2017, aos 94 anos  —, acusada de utilizar mais de 81 milhões de euros que tinha em bancos na Suíça para fins ilícitos, entre eles o financiamento da campanha eleitoral de Sarkozy em 2007, além de doações a membros do governo do ex-Presidente francês.

As suspeitas sobre o envolvimento de Nicolas Sarkozy no “caso Bettencourt” surgiram em 2013 a partir de escutas telefónicas ao antigo chefe de Estado que foram autorizadas no seguimento de uma outra investigação que tem atormentado Sarkozy nos últimos anos: o financiamento ilegal da sua campanha eleitoral com mais de 41 milhões de euros alegadamente doados pelo ex-presidente da Líbia Muammar Khadafi, entregues em malas com notas de 500 euros.

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O que as autoridades francesas ouviram através das escutas telefónicas durante a investigação aos negócios entre Khadafi e Sarkozy, no entanto, levou-as para uma nova e surpreendente direção, depois de terem ouvido o ex-Presidente francês e o seu advogado Thierry Herzog a tentarem subornar o magistrado Gilbert Azibert. Em troca de informações sobre o caso Bettencourt, Sarkozy prometia ao juiz um alto e cobiçado cargo no principado do Mónaco.

Nas escutas aos telemóveis registados com o nome falso “Paul Bismuth”, para esconder a identidade do ex-Presidente francês, ficaram gravadas as conversas entre Sarkozy, Herzig e Azibert — as provas usadas agora pela justiça francesa para condenar o antigo chefe de Estado.

Apesar de as promessas ao magistrado nunca se terem consumado, a lei francesa não faz distinção entre tentativas de corrupção e/ou tráfico de de influências bem-sucedidas ou falhadas, o que deitou por terra a tese dos advogados do ex-Presidente francês, que tentaram arquivar o caso, alegando que Sarkozy deveria ser absolvido, uma vez que o juiz Gilbert Azibert nunca foi premiado com o cargo no Mónaco, além de considerarem as escutas ilegais.

O Tribunal Criminal de Paris, no entanto, não teve dúvidas de que Sarkozy “usou o seu estatuto de ex-Presidente da República” para obter benefícios nos casos em que estava a ser investigado pela justiça, denunciando o “pacto de corrupção” entre o antigo chefe de Estado, o advogado Thierry Herzog e o juiz Gilbert Azibert.

Sarkozy foi, por isso, condenado a três anos de prisão, dois deles com pena suspensa, tendo a juíza admitido que o restante ano da sentença possa ser cumprido em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica. O advogado Herzog e o juiz Azibert receberam a mesma sentença que o ex-Presidente francês.

Futuro político em causa

Durante o julgamento, em dezembro do ano passado, Sarkozy rejeitou as acusações de corrupção e tráfico de influência, denunciando o que considera serem “calúnias” contra si e um “insulto” à sua inteligência. O ex-Presidente, conforme já revelou o seu advogado, vai recorrer da decisão, o que vai fazer o processo prolongar-se durante mais algum tempo. À saída do tribunal, Sarkozy ficou em silêncio.

Pouco depois da condenação, Christian Jacob, líder do partido Os Republicanos, de Sarkozy, lamentou a decisão da justiça francesa, considerando a sentença “desproporcional”, e disse que o ex-Presidente francês está a ser vítima de “assédio judicial”, fazendo eco de outras afirmações nos últimos meses, inclusive do próprio Sarkozy, de que as acusações contra o antigo chefe de Estado francês são politicamente motivadas.

Com a condenação desta segunda-feira, Sarkozy tornou-se no segundo ex-Presidente francês na história moderna  do país a ser condenado pela justiça, depois de Jacques Chirac ter sido condenado, em 2011, num caso de criação de empregos fictícios e de desvio de fundos públicos quando era presidente da Câmara Municipal de Paris (cargo que desempenhou entre 1977 e 1995). Chirac, no entanto, nunca compareceu em tribunal devido aos seus problemas de saúde, o que faz com que Sarkozy seja o primeiro ex-chefe de Estado a ser condenado em tribunal.

A sentença de Sarkozy não o impede, legalmente, de voltar a concorrer à presidência francesa — cargo que desempenhou durante cinco anos, tendo sido derrotado por François Hollande, que lhe tirou um segundo mandato, em 2012 —, mas, conforme escrevem o The Guardian e também o Le Figaro, a condenação esmaga as suas esperanças de poder concorrer às presidenciais contra Emmanuel Macron em 2022, limitando o seu futuro político.

Sarkozy, de 66 anos, continua a ser uma figura política muito respeitada em França e é por isso apontado como um potencial candidato às presidenciais de 2022. O seu regresso era antecipado (e desejado) por uma parte significativa da direita francesa, que ambiciona derrotar Macron e acabar com a hegemonia de Marine Le Pen e da sua União Nacional (antiga Frente Nacional) à direita.

A travessia no deserto d´Os Republicanos tem sido dura e o partido tem tido dificuldade em crescer desde que o ex-primeiro-ministro François Fillon se viu envolvido num escândalo de corrupção na campanha eleitoral de 2017, abrindo caminho à vitória de Emmanuel Macron e do seu República em Marcha a nível nacional.

“Caso Bygmalion”

Se após a condenação desta segunda-feira o regresso de Sarkozy à atividade política a tempo de disputar as presidenciais com Macron e Le Pen ficou praticamente afastado, a vida do ex-Presidente promete ficar ainda mais dificultada nas próximas semanas, tendo em conta um outro caso judicial em que está envolvido, desta feita relacionado com o financiamento da sua campanha eleitoral de 2012, ano em que foi derrotado por François Hollande.

Sarkozy é um dos visados no chamado “caso Bygmalion”, em que a justiça francesa investiga as acusações contra a então União para um Movimento Popular (atualmente Os Republicanos), partido do ex-Presidente francês, que terá ultrapassado os limites legais em termos de gastos monetários na campanha eleitoral.

No centro deste caso está a empresa de comunicação Bygmalion. As autoridades francesas acusam o partido de Sarkozy de recorrer a esta empresa para esconder os gastos reais da campanha eleitoral de 2012, num esquema que envolveu faturas falsas.

A lei eleitoral em França estabelece como teto máximo 22,5 milhões de euros de gastos na campanha eleitoral, sendo que as autoridades francesas suspeitam que o partido de Sarkozy gastou quase o dobro do que que está previsto legalmente: 41 milhões de euros.

De acordo com a investigação, explica o Le Monde, Sarkozy não está acusado de dar ordens diretas para ocultar os gastos na sua campanha eleitoral, nem existem provas de que o ex-Presidente tenha sido informado do esquema. Contudo, o juiz nota que, devido à sua posição, Nicolas Sarkozy deveria saber o que se estava a passar e deveria ter tomado medidas junto da sua equipa jurídica para impedir a violação da lei eleitoral.

O ex-Presidente volta a tribunal no próximo dia 17 de março e as audições podem estender-se até 15 de abril. Caso seja considerado culpado, Sarkozy enfrenta uma pena possível de um ano de prisão.

Entre os outros casos em que o nome de Sarkozy tem surgido na justiça francesa, destacam-se as investigações em curso sobre as suspeitas do já referido financiamento ilícito da campanha eleitoral de 2007 com dinheiro do regime de Muammar Khadafi; e um caso revelado pelo Mediapart, no início deste ano, que liga o ex-Presidente francês a uma seguradora russa, a Reso-Garantia.

As autoridades francesas abriram uma investigação preliminar para apurar se o contrato de três milhões de euros (dos quais o antigo chefe de Estado francês já recebeu 500 mil euros) assinado entre Sarkozy e a empresa russa tinha como finalidade um trabalho de consultadoria legítimo ou se estava em causa um pagamento por atividades de lobby para favorecer oligarcas russos.