Em média em cada cem doentes hospitalizados na região Norte de Portugal com Covid-19, dois sofreram já um acidente vascular cerebral (um AVC). Os dados, que se fossem importados para todo o país implicariam um risco de 2% de doentes hospitalizados com Covid-19 sofrerem um AVC a curto e médio prazo, surgem numa investigação que juntou cinco hospitais do Norte de Portugal. A investigação está inserida no trabalho de um projeto de consórcio europeu chamado Ean NEuro-covid ReGistrY (ENERGY).

No Hospital São João, no Porto, em média um quarto dos pacientes internados com Covid-19 que sofreram AVCs acabaram por não resistir à infeção e morrer durante o internamento. A diretora do Serviço de Neurologia da unidade hospitalar, Elsa Azevedo, explicou ao Observador o que justifica a maior gravidade dos acidentes vasculares cerebrais (AVCs) quando estes se associam à doença Covid-19:

O acidente vascular cerebral associado à Covid-19 de uma forma geral foi mais grave, porque afetou mais vezes grandes artérias. E uma grande artéria leva sempre um território cerebral grande. Isso quer dizer que são AVC’s em que é afetada uma área grande do cérebro, portanto são mais graves [em doentes Covid]”, apontou.

É preciso contrariar a ideia falsa de que só doentes com idade avançada ou pertencentes a grupos de risco podem sofrer um AVC caso fiquem infetados pelo vírus SARS-CoV-2, notou ainda Elsa Azevedo.

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A diretora do Serviço de Neurologia do Hospital São João aludiu a uma outra investigação a que o hospital se associou, e que analisou 432 doentes de 17 países distintos que sofreram um AVC associado à doença Covid-19, para explicar que em muitos dos casos estes internados não seriam, à partida, doentes de risco elevado: “Verificou-se que em cerca de um quarto destes casos se tratava de pessoas sem antecedentes, sem fatores de risco prévios e com idades também mais baixas, inferiores a 55 anos”.

As pessoas não teriam à partida um risco prévio e o AVC  provavelmente deveu-se apenas a complicações da infeção”, notou ainda diretora da Neurologia do S. João”

A infeção tende assim a aumentar a propensão para criação de coágulos no sangue em doentes que sofrem um AVC, mesmo tendo estes uma idade aparentemente pouco condizente com um elevado risco de óbito em caso de infeção. É ainda notado em pacientes com Covid-19 que sofrem AVCs “uma inflamação das artérias” e a existência de outros órgãos afetados.

Ainda assim, a maioria dos casos de AVC associados à Covid-19 acontece em pessoas com fatores de risco. A diretora do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar do São João lembra que ainda vamos ter de conviver com o vírus por muito tempo e o processo de vacinação vai demorar até estar concluído.

Por isso, Elsa Azevedo defende que é determinante o acompanhamento médico regular de quem tem fatores de risco cardiovasculares. “Estas pessoas têm de estar compensadas, têm de fazer a medicação para estas doenças. Descurarmos este aspeto vai fazer com que uma possível infeção de Covid-19 provoque um quadro grave que pode precipitar um acidente vascular cerebral“.

“As doenças crónicas têm de estar bem controladas de forma a que, se por acaso os doentes forem infetados, não tenham tanto risco de desenvolver um AVC”, lembra a especialista.