A origem da pandemia de Covid-19 continua por apurar um ano depois e na comunidade científica ganha força a exigência de uma investigação à possibilidade de um acidente laboratorial, posição sustentada também pelo biólogo norte-americano Bret Weinstein. Em entrevista à agência Lusa, o professor convidado da universidade de Princeton, comunicador e podcaster defende não é possível descartar a possibilidade de que a pandemia tenha começado com uma fuga acidental num laboratório de virologia de Wuhan, sustentando que o comportamento do vírus assim o sugere.
Nos últimos meses, um número crescente de artigos pede mais transparência na investigação das origens da pandemia, quer em revistas científicas como a Nature, quer na imprensa internacional, com um editorial de fevereiro no jornal norte-americano Washington Post a questionar: “O que é que a China está a tentar esconder sobre as origens da pandemia e porquê?”
Num artigo de opinião publicado em janeiro no Wall Street Journal, a bióloga molecular Alina Chan, do Instituto Broad, associado ao MIT, defendia que “o mundo precisa de uma investigação que admita não só uma origem natural, mas a possibilidade de o vírus que provoca a Covid-19, ter escapado de um laboratório”.
Especializado em morcegos e em biologia evolutiva, Weinstein afirma que há várias características no comportamento do SARS-CoV-2 que sugerem que a sua capacidade de infetar mais de 100 milhões em todo o mundo em menos de um ano pode não ter tido origem num processo natural de transmissão entre espécies. “O vírus comportou-se de uma forma inesperada desde o princípio”, afirma Bret Weinstein apontando que é altamente transmissível entre indivíduos e foi capaz de descobrir modos de infetar vários tecidos diferentes nos seres humanos, “mesmo aqueles que não contribuem para a sua capacidade de se transmitir entre portadores”.
Weinstein admite que a discussão da hipótese tenha sido, de certa forma, “envenenada” pela convicção manifestada pelo antigo Presidente norte-americano Donald Trump, e pela sua administração, de que o vírus teria tido origem num laboratório de Wuhan.
Por razões difíceis de explicar, há quem, especialmente nos Estados Unidos, mas na realidade no Ocidente inteiro, visse tudo o que Donald Trump dissesse como falso à partida. E isso é, obviamente, absurdo, e dá-lhe demasiado poder, o poder de matar uma ideia simplesmente por a dizer”, afirma Weinstein.
Erro honesto, mas um erro grave
Bret Weinstein salienta que “se a pandemia foi desencadeada por uma fuga laboratorial, parece evidente que se tratou de um erro honesto, um erro grave, mas que resultou de pessoas honradas a tentarem fazer um trabalho que acreditavam ser necessário”.
Contudo, quando as portas do laboratório se fecharam à investigação externa e quando os peritos da OMS se limitam a aceitar que os responsáveis desse laboratório lhes digam que nada tiveram a ver com o início da pandemia, Weinstein já hesita em falar de “um erro inocente”.
“Eu não afirmo que isto começou no laboratório de Wuhan. Nós não sabemos. No entanto, o que afirmo é que o que sabemos até agora é completamente consistente com essa possibilidade e não com qualquer outra”, salienta. “O facto de este vírus, desde que apareceu, causar uma doença grave e ser incrivelmente sofisticado na sua capacidade de saltar de pessoa para pessoa é notável e significa que não tivemos um período em que nos poderíamos ter adiantado ao vírus, algo que seria expectável se olharmos para outras pandemias zoonóticas”, ou seja, de origem animal, assinala o cientista
“É possível que haja alguma história na qual o vírus emergiu inicialmente da natureza e que depois evoluiu e aprendeu esses ‘truques’ antes de chegar a Wuhan. Mas após um ano a procurá-la, ninguém encontrou provas de que isso tenha acontecido, o que em si é muito invulgar”, sugere.
Foi em fevereiro de 2020 que Weinstein, acabado de regressar de uma expedição científica na América do Sul com a sua mulher, a bióloga Heather Heying — com quem partilha o podcast semanal Darkhorse —, tomou consciência da existência do novo coronavírus e, como estudioso dos morcegos, considerou plausível que tivesse tido origem direta nesses mamíferos.
No entanto, os seus seguidores na rede social Twitter apontaram-lhe a existência em Wuhan do Instituto de Virologia onde são estudados coronavírus oriundos de morcegos e que segue o protocolo de segurança mais alto para riscos biológicos. “É uma grande coincidência e eu penso que todas as pessoas que lidaram com isto de uma forma cientificamente responsável também se deram conta do nível de coincidência. Não é impossível que tenha sucedido naturalmente e tenha aparecido em Wuhan primeiro, mas é muito, muito improvável”, argumenta.
O caminho que Bret Weinstein aponta como possível é que a investigação em laboratório do vírus tenha seguido um método chamado “ganho de função”, uma área que tem tido “rápida expansão” nos últimos anos. Nesse método, os vírus recolhidos na natureza são artificialmente reforçados com técnicas moleculares ou através de um processo de evolução manipulado e tornados mais virulentos, infecciosos e perigosos para se perceber como se comportariam num cenário de pandemia.
Entre as pistas que o comportamento do vírus deixa está o facto de infetar com grande eficácia animais da classe dos mustelídeos, como martas, ferrões ou doninhas, “o que poderá indicar que o vírus foi transmitido em série num laboratório entre esses animais”, argumenta. Apesar de considerar que chegar ao fundo da origem do vírus não é “a bala de prata” que vai conseguir uma cura e acabar com a ameaça, Bret Weinstein sustenta que a urgência de o compreender e aprender a controlá-lo é espetacularmente alta”.
“Eu colocaria em segundo plano qualquer outra preocupação em favor dessa. A descoberta de qual possa ter sido a origem do SARS-CoV-2 é também a chave de evitar que isto alguma vez volte a acontecer”, avisa Weinstein.
Respostas da OMS são “difíceis de engolir”
O biólogo diz também que há “aspetos difíceis de engolir” nas respostas da missão de peritos que se deslocou a Wuhan, China, para averiguar as origens da pandemia e aponta o dedo ao que considera uma falha essencial: “A equipa da OMS disse especificamente que não estava mandatada para investigar no laboratório [do Instituto de Virologia de Wuhan] e que não estava equipada para o fazer.”
No Instituto de Virologia de Wuhan, cidade do centro da China onde foram detetados os primeiros casos de infeção, realiza-se um tipo de investigação designado por “ganho de função”, em que se aceleram capacidades de vírus recolhidos na natureza, aumentando a sua capacidade de se transferir entre espécies ou de contagiar mais facilmente.
Uma carta aberta subscrita por 24 cientistas internacionais divulgada na passada quinta-feira aponta como “essencial que todas as hipóteses sobre as origens da pandemia sejam examinadas e haja acesso total a todos os recursos sem olhar a sensibilidades políticas ou outras”. Uma das hipóteses que defendem, a mesma que Weinstein e outros cientistas sustentam há vários meses que seja considerada é, na expressão usada na carta aberta, “um acidente relacionado com investigação” científica.
Essa hipótese foi descartada pela missão da OMS — constituída por especialistas de 10 países, incluindo EUA, Reino Unido, Alemanha e Rússia – numa conferência de imprensa em Wuhan, em fevereiro. Contudo, o diretor-geral da OMS viria a retificar a situação, afirmando que “todas as hipóteses permaneciam em cima da mesa” para explicar a origem da pandemia, e anunciou que o relatório final seria divulgado em 15 de março.
Em vez disso, propuseram uma hipótese que Pequim também avançou, a de o vírus poder ter chegado a Wuhan em carne congelada de furões-texugo (animais próximos das doninhas que são criados e caçados para comer) oriunda da China ou noutro país asiático. “Essa história é difícil de engolir, porque se há algo que podemos dizer é que não temos provas de transmissão de carne congelada a seres humanos”, sublinhou Bret Weinstein.
Segundo o biólogo, este vírus parece, sim, excelente a transmitir-se através de gotículas e partículas em aerossol. “Portanto, esta história é, no mínimo, uma hipótese que precisa de provas e, no pior dos cenários, uma distração para nos impedir de investigar a possibilidade óbvia de este vírus estar em Wuhan porque estava presente no Instituto de Virologia”, argumenta.
“Acho que nesta altura, este trabalho [em ganho de função] não devia estar a ser feito. É demasiado perigoso e é muito mais provável que desencadeemos uma pandemia do que a evitemos”, considera. “Neste caso, a probabilidade é que o vírus tenha sido melhorado para conseguir infetar melhor tecidos humanos e transmitir-se entre indivíduos para poder ser um modelo de epidemia zoonótica”, admite.