Em menos de 35 anos, o FC Porto ganhou sete títulos europeus. Em média, um a cada cinco anos. Foi também a única equipa portuguesa com conquistas internacionais nesse período. Mas foi mais do que isso. “É a 16.ª vez que passamos à fase final [a eliminar] da Champions, que é mais do que o dobro das outras equipas portuguesas juntas. Honramos o nome do país na Europa”, destacou Sérgio Conceição após o empate com o Manchester City que valeu a terceira passagem aos oitavos em quatro anos no comando da equipa, com um total de 13 pontos e um invulgar dado de cinco dos seis jogos sem sofrer golos na principal competição continental de clubes. Segredo? Querer mais. E foi isso que o treinador destacou por outras palavras na conferência que antecedeu o jogo em Turim.

FC Porto perde mas elimina Juventus de Ronaldo em Turim e está nos quartos da Champions

A resposta veio no seguimento de uma questão mais fora do contexto, quando foi perguntado ao técnico portista se gostaria de ver bandeiras nas janelas como se viu em Portugal durante o Europeu de 2004 com Luiz Felipe Scolari como selecionador. “Sou português, não sou brasileiro, com o máximo respeito. Conheço os adeptos do FC Porto há umas dezenas de anos, não precisam dessas manifestações para mostrar essa paixão, isso sente-se. É como entrar em casa de alguém e sentir uma energia positiva. Aqui sente-se, em tudo. Quando se vai à rua, ao supermercado, quando se entra aqui, sente-se de forma forte. Primeiro dizem ‘É para ganhar’ e à terceira é que dizem ‘Bom dia’! Já contei esta história: um dia estava a fazer a minha corrida junto ao rio e passou um adepto, com um menino. Eu ia a correr, já uns metros depois, e ele diz ‘Ainda me deves um campeonato’. Sente-se esse apoio, essa paixão, esse estar presente”, recordou, num episódio que contara no “Primeira Pessoa” de Fátima Campos Ferreira.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ou seja, e por outras palavras, um treinador que ganhou dois Campeonatos em três anos é sobretudo reconhecido por estar na luta para vencer mais um sem esquecer que não conquistou todos. O tal “ADN FC Porto” que mais uma vez voltou a ser falado antes do encontro com a Juventus nasceu, cresceu e existe dentro deste espírito. Um espírito que ficou bem latente na vitória da primeira mão (2-1), onde os azuis e brancos fizeram uma das exibições mais completas em mais de 200 jogos com Sérgio Conceição no comando (assumido pelo próprio). Aliás, só não foi perfeita, entre golos de Taremi e Marega que mostraram bem essa maior vontade do que os italianos em ganhar a partida, porque Chiesa reduziu a oito minutos do final. A diferença em campo ficou esbatida no resultado.

O futebol é bonito porque há histórias como a de Manafá, que deixou meia Europa a olhar para ele (a crónica do FC Porto-Juventus)

“É verdade que temos muitos jogos acumulados mas a vida de treinador é encontrar soluções para fazer um jogo competente e conseguir a qualificação, sabendo do poderio da Juventus. Tiveram a oportunidade de recuperar alguns jogadores importantes mas não é isso que joga, são 11 contra 11 mais cinco que entram e que tudo farão tudo para dignificar o emblema que temos no peito. A história do FC Porto nesta competição é muito rica. Vamos encontrar uma equipa que esteve em finais, que investiu muito para tentar ganhar a Liga dos Campeões, mas vamos fazer um jogo à imagem do que somos como equipa e tentar ganhar. Vamos com tudo, com essa força. Jogo de uma vida para a Juventus? Estão numa forma incrível, estão habituados à pressão mas temos de olhar para a nossa postura e organização. Vamos demonstrar que somos um clube histórico, com força e capaz”, referiu.

Entre muitos elogios aos transalpinos, incluindo a última exibição contra a Lazio “fazendo descansar o melhor do mundo”, Sérgio Conceição voltou a puxar dos galões europeus do FC Porto para mitigar o favoritismo teórico de uma Juventus que continua a apostar as fichas todas na Champions mas que está a realizar a temporada menos conseguida desde que Ronaldo chegou a Itália, tendo mesmo em sério risco um scudetto que ganhou nas últimas nove temporadas. E se Pirlo dizia que os bianconeri não podiam perder nem um minuto para corrigir uma derrota com dois golos sofridos a abrir a primeira e a segunda parte, o homólogo portista sabia também que cada minuto sem consentir golos era mais uma gota de ansiedade numa equipa menos segura do que é normal. E daí advinha a prova de fogo para uma defesa (e uma organização defensiva) que sofre mais do que habitual olhando para todas as competições mas que está mais sólida do que nunca na Champions só sofrendo em dois dos sete jogos.

A recuperação de Mbemba era um dado quase confirmado, depois da ausência em Barcelos após a lesão contraída no jogo com o Sp. Braga. Pepe estava ainda em dúvida. E também Corona podia não ser opção, com influência não só nas manobras ofensivas mas também na reação à perda e no jogo sem bola. Foram ambos titulares, com Sérgio Conceição a repetir o onze da primeira mão e a ter a melhor primeira parte da temporada e talvez a melhor desde que assumiu o comando dos azuis e brancos: inteligente, organizada, com muita personalidade, a vulgarizar em alguns momentos uma Juventus que se diz candidata à Champions. Depois, tudo mudou e por culpa própria: já com amarelo, Taremi deu um chuto desnecessário na bola e foi expulso, deixando a equipa reduzida a dez na sua pior fase no jogo. Chiesa acertou pouco depois no poste, fez o 2-1 a cerca de meia hora do final dos 90′ mas o FC Porto voltou a ir buscar forças onde não tinha e conseguiu uma histórica passagem frente à Juventus.

Sérgio Oliveira bisou de penálti e livre, Marchesín foi gigante na baliza mas houve sobretudo Pepe. Em dúvida com um problema no gémeo, com o sobrolho aberto durante o jogo, a fazer sinal de que não conseguia aguentar mais, a cortar de bicicleta na área aos 120′. Este encontro em Turim mostrou que só há uma verdadeira equipa portuguesa na Europa, na alta roda da Europa. E essa equipa tem um verdadeiro líder cada vez melhor aos 38 anos.

O encontro começou a um ritmo alucinante, com quatro boas oportunidades divididas entre ambos os conjuntos e um denominador comum (no melhor e no pior) chamado Cuadrado. Logo no segundo minuto, Marega ganhou pela primeira vez a profundidade nas costas de Bonucci, o colombiano ficou a queixar-se de uma falta na área, a bola foi mal cortada para a entrada da área e Uribe encheu-se de fé para um remate rasteiro que saiu ao lado da baliza de Szczesny; na resposta, o mesmo Cuadrado subiu bem pela direita, num corredor que muitas vezes ficou apenas para si pelos movimentos interiores de Ramsey, cruzou de forma fantástica como se estivesse a passar com a mão para o coração da área e o desvio de cabeça de Morata obrigou Marchesín a uma fantástica defesa (3′). Fogo de vista? Tudo menos isso. Ato contínuo, Zaidu ganhou no 1×1 com Cuadrado, cruzou atrasado, Bonucci bloqueou o primeiro remate de Taremi e o iraniano acertou depois na trave de cabeça (7′) e, logo a seguir, na sequência de um livre lateral marcado pelo colombiano na direita, Ramsey desviou de cabeça ao primeiro poste por cima (8′).

Os movimentos interiores dos laterais consoante o lado da bola a juntarem-se aos centrais tendo o reforço do ala a baixar quase como lateral eram fundamentais para ir controlando a Juventus sem bola, numa estratégia que não foi igual à do Dragão em todos os seus capítulos mas que conseguiu ser ainda mais produtiva, tendo em conta a maior capacidade que os portistas tiveram para sair em transições rápidas. Os centrais estavam imperiais, Zaidu gigante, os dois médios centrais não falharam um único passe na primeira meia hora, Otávio conseguia ganhar o espaço entre linhas para sair com bola. E foi numa dessas saídas que o FC Porto conseguiu mesmo adiantar-se, num lance trabalhado pela ala esquerda, que correu a grande velocidade os três corredores até Corona na direita e que teve uma entrada imprudente de Demiral sobre Taremi na área, numa grande penalidade clara que foi transformada por Sérgio Oliveira apesar dos conselhos de Ronaldo ao seu guarda-redes antes da marcação (19′).

A entrada “à Porto” deu vantagem ao conjunto português. Mais do que isso, colocou a equipa cada vez melhor e mais confortável em campo perante um adversário que partia sempre que os dragões saíam em transição para o ataque quase como se o meio-campo fosse uma zona de ninguém perante a falta de agressividade e intensidade sobre o portador e a má ocupação de espaços. E os remates foram-se sucedendo, por Corona, por Otávio, por Zaidu, sendo que apenas o último não foi à baliza. Depois, valeu de novo Marchesín: em mais um dos raros erros no posicionamento defensivo, Morata ganhou nas costas de Wilson Manafá mas o argentino voltou a encher a baliza defendendo para canto (27′). O intervalo chegaria de forma natural com a Juventus a ter mais posse e a tentar encostar mais os azuis e brancos ao seu meio-campo mas a organização coletiva montada por Sérgio Conceição foi gerindo da melhor forma a partida, com mais um remate perigoso a acabar de Sérgio Oliveira (45′).

A vantagem no encontro era uma surpresa apenas para quem não via o jogo. A superioridade na posse da Juventus um dado relativamente esperado. Mas havia um outro dado que mostrava de outra forma a personalidade do FC Porto na primeira parte, ao terminar com mais remates do que os transalpinos (9-7). Uma realidade que, em menos de dez minutos, se tornou uma miragem no segundo tempo. E com muitas culpas próprias à mistura.

Em vez de continuar a apostar no jogo pelos corredores laterais com cruzamento num ataque posicional que era tratado da mellhor forma pela defesa dos azuis e brancos comandada por Pepe, a Juventus foi procurando arriscar mais a profundidade e foi por aí que conseguiu chegar ao empate, com Ronaldo a conseguir soltar-se de Mbemba, a receber de costas para a baliza amortecendo a bola para Chiesa e o internacional italiano a voltar a marcar com um grande remate ao ângulo sem hipóteses para Marchesín (49′). O FC Porto continuava em vantagem mas sofreu um golpe em termos emocionais, ficou ainda mais desconfortável e teve uma espécie de sentença num ato irrefletido de Taremi que, com o encontro parado, viu o segundo amarelo após pontapear a bola para longe (e tinha visto o cartão inicial pouco mais de um minuto depois…) e deixou equipa com dez logo aos 54′.

A partir desse momento, salvo raras exceções como uma bola de Uribe que Marega não conseguiu controlar, o jogo seria disputado em sentido único, com a Juventus a tentar fixar-se no meio-campo portista e o conjunto português sem capacidade de sair como na primeira parte. Mais do que nunca, aquela unidade ao lado do maliano na frente fazia grande diferença porque não só permitia jogar longo para a equipa subir e “descansar” com bola como dava oportunidade para um segundo golo que marcaria a partida. E o cenário pior ficou depois do 2-1 por Chiesa, em mais um grande cruzamento largo de Cuadrado da direita desviado de cabeça ao segundo poste (63′) já depois de ter acertado no ferro numa jogada em que tirou Marchesín da jogada mas não conseguiu encostar para a baliza por intervenção de Pepe (57′). Aproveitando uma fase mais “morna” o FC Porto ainda se aproximou da baliza contrária, com Sarr a tentar a meia distância (82′) e Marega a inventar uma jogada com remate às malhas laterais (85′) mas o prolongamento chegaria com mais um calafrio para Marchesín, num remate de Cuadrado à trave (90′).

O prolongamento começou com muitas faltas e ainda mais faltas teve ao longo de 15 minutos (e mais os dois de descontos): Marega teve a melhor oportunidade após uma fantástica jogada de Corona na esquerda mas o remate de cabeça saiu fraco (99′), Ronaldo ficou a pedir uma grande penalidade num lance com Marchesín (100′), houve muitos protestos dos jogadores portistas a reclamar mais cartões amarelos para Alex Sandro, Cuadrado e Chiesa (e com razão em alguns casos, acrescente-se). A Juventus entrou de forma mais agressiva após o intervalo mas com muito esforço à mistura, com jogadores que quase não conseguiam correr como Sérgio Oliveira, aguentava o jogo que parecia ir para penáltis. Não foi. E não foi por causa de Sérgio Oliveira. Primeiro, ganhou uma falta perto da área com um túnel fantástico sobre McKennie; depois, rematou rasteiro junto ao poste para um golo fantástico que obrigava a Juventus a marcar dois golos para ganhar (115′). Rabiot, na sequência de um canto, ainda fez o 3-2 mas o encontro terminou com Marchesín a defender, Pepe a cortar e o FC Porto a fazer história em Turim.