O diretor do Museu Geológico de Lisboa, Miguel Ramalho, morreu, esta segunda-feira, aos 83 anos, na capital, disse à Lusa uma familiar.

A irmã Margarida Ramalho, coordenadora científica do Museu de Vilar Formoso, realçou “o empenhado esforço” de Miguel Ramalho na defesa do museu, instalado no 2.º piso do antigo Convento de Jesus, onde está também a Academia de Ciências de Lisboa. Margarida Ramalho disse à Lusa que espera que o museu “continue a sua missão com as características que tem, que é um laboratório de estudo”, referindo o interesse que desperta nos investigadores estrangeiros.

Em janeiro de 2016 numa entrevista à Lusa, Miguel Ramalho lamentou que a instituição que dirigia se encontrasse “esquecida dos poderes públicos, que até a quiseram fazer desaparecer”, tendo realçado a sua importância e atualidade. O responsável trabalhava “pro-bono” e salientou a importância da Geologia em áreas como o ordenamento do território, o reconhecimento de recursos minerais, nomeadamente de fontes de água, e referiu o debate atual sobre o aquecimento global, tendo considerado “essencial” conhecer “a terra que pisamos”.

Na ocasião, Miguel Ramalho afirmou que “houve várias tentativas de fazer desaparecer o museu por parte de entidades públicas responsáveis pela Educação e a Cultura”. O museu detém coleções únicas no país, tendo a segunda mais importante na área da pré-história, logo após a do Museu Nacional de Arqueologia, e expõe mais de 4.000 peças, sendo o terceiro mais antigo da Europa, fundado na década de 1870.

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‘Um museu que ensina’ é o nosso lema”, disse, há cinco anos, Miguel Ramalho.

O museu foi fundado pelo general Carlos Ribeiro (1813-1882), no âmbito da criação da Comissão Geológica do Reino, sob o forte empenho de Filipe Folque. “Somos um museu pouco conhecido, que recebe mais elogios dos visitantes estrangeiros que visitas de nacionais”, afirmou Ramalho, que enfatizou a importância da instituição.

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Presidente da República recorda “figura maior” da geologia nacional

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou a morte do diretor do Museu Geológico de Lisboa, Miguel Ramalho, recordando uma “figura maior” da geologia em Portugal e um “empenhado defensor das questões da conservação” da Natureza.

Também o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, expressou pesar pela morte do diretor, recordando o seu papel na divulgação e valorização do património geológico. “Foi com tristeza que tomei conhecimento do falecimento do Professor Doutor Miguel Magalhães Ramalho, aos 83 anos, a quem tanto devemos na divulgação e valorização do património geológico do país”, refere Eduardo Ferro Rodrigues, na mensagem de pesar a que a Lusa teve acesso.

O presidente do parlamento destaca o “invejável currículo” de Miguel Ramalho na área das Ciências Geológicas, recordando que foi professor assistente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa entre 1959 e 1962, onde, em 1978, apresentou provas de agregação, e de que era professor catedrático convidado.

“No momento em que é conhecido o seu desaparecimento, quero também evocar o seu importante papel no movimento conservacionista e ambientalista, de que era uma das figuras mais admiradas”, destaca ainda a segunda figura do Estado.

Mais de 40 anos de carreira

Miguel Magalhães Ramalho licenciou-se em Ciências Geológicas, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 1959, onde foi professor assistente de 1959 a 1961.  Em 1965, depois de cumprido o serviço militar, obteve bolsas de estudos do Instituto de Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian, e efetuou estágios profissionais e de formação diversa com investigadores especializados na área da paleontologia, em laboratórios franceses, explica a irmã Margarida Ramalho.

No Laboratório de Micropaleontologia da Universidade Pierre et Marie-Curie, em Paris, trabalhou com Jean Cuvillier, e obteve o “Diplôme d’Études Approfondies en Micropaléontologie” (1966), na Société Nationale des Pétroles d’Aquitaine – Centre de Recherches, em Pau, no sudoeste de França, dedicou-se a estudos de microfácies sob a orientação de Raoul Deloffre. Ainda em França trabalhou com diversos investigadores de vários laboratórios de Micropaleontologia.

Grande parte da sua tese de doutoramento, “Estudo micropaleontológico e estratigráfico do Jurássico Superior e Cretácico Inferior dos arredores de Lisboa”, foi preparada no Laboratório de Micropaleontologia da Universidade Pierre et Marie-Curie, tendo-a apresentado em 1972, na Universidade de Lisboa.

Desempenhou funções de Investigador dos Serviços Geológicos de Portugal, cujo Conselho de Gestão presidiu entre 1975 e 1978, bem como de Investigador-Coordenador do Instituto Geológico e Mineiro (que sucedeu aos Serviços Geológicos de Portugal), onde assumiu ainda a direção do Serviço de Cartografia Geológica, entre 1978 e 1992.

Foi vice-presidente do  Instituto Geológico e Mineiro, responsável pela Área Geológica, tendo ainda sido responsável pelos Núcleos da Biblioteca e Publicações, Litoteca e Museu Geológico (1993-2003). Depois de, entre 2003 e 2007, coordenar o Departamento de Geologia, a Litoteca e o Museu Geológico do Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, Miguel Magalhães Ramalho assumiu o cargo de Diretor do Museu Geológico de Lisboa.

A maior parte da sua atividade de investigação científica consistiu em estudos micropaleontológicos, sobretudo de foraminíferos bentónicos e de algas calcárias (sistemática, paleoecologia, biostratigrafia) e análise de microfácies, em formações carbonatadas e mistas do Jurássico Superior e do Cretácico Inferior de Portugal.

Esta linha de investigação, que também foi sendo desenvolvida como apoio à cartografia e à definição estratigráfica das unidades representadas nas cartas geológicas, deu origem a dados utilizados sobretudo pelas companhias de pesquisa petrolífera no país. Os estudos e interesses científicos de Miguel Ramalho abrangeram, igualmente, a paleoecologia e a paleontologia, em geral, e a interpretação de paleoambientes sedimentares marinhos.

“Foi vereador da Câmara de Cascais (1972-1974) intervindo na salvaguarda do património do Concelho, o que lhe mereceu a medalha de Mérito Municipal (2000); foi sócio-fundador e Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos (1985-1987) e Presidente da Liga para a Proteção da Natureza (1988-1992) e fez parte da Direção do grupo português da ProGeo (Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico)”, explica ainda Margarida Ramalho.

As exéquias de Miguel Ramalho realizam-se esta quarta-feira, em Cascais. “Devido aos condicionalismos atuais, vai haver um velório na quarta-feira, a partir das 18h, na Igreja da Ressurreição, em Cascais. A cremação será na quinta-feira, mas é só para família”, disse a sua irmã Margarida Ramalho.