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Arte, altos voos e cromoterapia. Em Paris, a moda tenta salvar o mundo

Este artigo tem mais de 3 anos

O mundo acusa o desgaste causado por um ano de pandemia, mas em Paris as grandes casas apresentaram o antídoto: cores, brilho, formas exageradas e um suspiro pela retoma da liberdade.

A Semana da Moda de Paris terminou esta quarta-feira
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A Semana da Moda de Paris terminou esta quarta-feira

A Semana da Moda de Paris terminou esta quarta-feira

A tónica de muitos dos designers deixou de ser o vestuário confortável ou a versatilidade das peças. Tudo isso está lá, para bem do desempenho comercial da indústria, mas foi do escape que a moda tem o poder de proporcionar que a Semana da Moda de Paris falou.

Durante dez dias (arrancou a 1 de março e terminou esta quarta-feira), fomos convidados a participar na sessão de cromoterapia de Jonathan Anderson para a Loewe, embarcámos no voo rasante da Balmain, vimos (mais uma vez) a arte a inspirar a moda no desfile da Louis Vuitton junto à milenar Vitória de Samotrácia, e vibrámos com a possibilidade de voltar a sair à noite, depois da provocação deixada pela Paco Rabanne. Com o otimismo no topo das prioridades, Paris provou que a moda pode muito bem reacender o entusiasmo face a um futuro incerto.

O momento representa ainda um duplo desafio para os criadores de moda e as suas equipas. Sem público nos desfiles, é preciso engenho e criatividade para que a apresentação de uma coleção não deixe de ser uma ocasião memorável. A Coperni passou no teste com distinção, ao realizar um desfile drive-in, onde os faróis dos automóveis (cada um com dois convidados no interior) iluminaram a passerelle. Impossibilitada de ocupar o Grand Palais, a Chanel foi na direção oposta e gravou o seu desfile no pequeno e charmoso Chez Castel, na Rive Gauche.

Constança Entrudo, Maria Carlos Baptista e Ricardo Andrez apresentam em Paris

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Numa edição onde a moda portuguesa também marcou presença, a Chloé, com a estreia de Gabriela Hearst, aproveitou a calmaria resultante do recolher obrigatório para desfilar no meio da rua, em Saint-Germain-des-Prés. Outros mudaram de ares, como a Hermès que completou o desfile em Paris com duas performances de dança, em Nova Iorque e em Xangai, ou Rick Owens que se rendeu às cores de um dia cinzento no Lido de Veneza, ou mesmo a Miu Miu que levou a coleção para os Alpes italianos. Recorde estes e outros momentos naqueles que foram os 15 momento altos da Semana da Moda de Paris.

Marine Serre

“O que nunca gostei na moda são as tendências”. A declaração de Marine Serre abre caminho para a coleção apresentada há mais de uma semana, no calendário parisiense, mas também resume o trabalho desenvolvido pela jovem designer francesa, que em 2017 ganhou o cobiçado Prémio LVMH. É um facto: Serre não segue tendências, mas sim práticas, e em “Core” mostrou que o reaproveitamento de materiais oferece um leque ilimitado de possibilidades. Lenços de seda foram transformados em túnicas, o couro utilizado é proveniente de stocks parados e os tapetes velhos, vindos dos quatro cantos do mundo, assumiram a forma de acabamentos texturados nas mais diversas peças. Serre aproximou-se de uma abordagem mais pragmática e funcional da moda — pela primeira vez as suas criações destinam-se a homens, mulheres e crianças.

Arnel Ian dela Gente

Chloé

Desde o dia em que foi anunciada como nova diretora criativa da marca francesa, em dezembro do ano passado, que Gabriela Hearst e Chloé soam a match perfeito. O primeiro desfile (que aconteceu no meio da rua) só veio confirmá-lo. A criadora uruguaia pegou na linguagem da maison fundada em 1952 por Gaby Aghion e marcou-a com o seu próprio ADN. Sobre o boémio chique trabalhou numa nova sobriedade e um novo pragmatismo, ajustando as propostas a uma mulher atenta aos materiais e aos detalhes de conforto. Ao mesmo tempo, o lado artesanal, comum às duas partes, saiu sublimado através de malhas, o macramé e o patchwork.

Para Paris, Hearst levou também o lema da sustentabilidade. O efeito marmoreado presente em algumas peças foi criado por Peter Miles com recurso a algas e ovos. Pele de carneiro e couro ecológico foram tingidos sem químicos. A icónica mala Edith ganha forma com o reaproveitamento de antigas edições. Em relação ao inverno anterior, a criadora afirma ter reduzido a pegada ambiental da coleção em 400%.

Chloé

Courrèges

Poucas silhuetas resumem tão prontamente os anos 60. O desfile da Courrèges foi outra das estreias da semana — a casa pode ser histórica, mas o seu diretor criativo acabou de aterrar. Na sua primeira coleção, Nicolas Di Felice mergulhou nos arquivos e resgatou alguns dos clássicos futuristas que fizeram furor na época, do vestido trapézio aos casacos de gola alta, passando pelo vinil que permanece até hoje como uma das imagens de marca da maison. A diferença é que, em 2021, o algodão orgânico e poliuretano usado é de base biológica.

Thomas de Cruz Media

Rick Owens

Longe de Paris, mais precisamente em Lido de Veneza, Rick Owens escolheu uma envolvente deveras apocalítica para revelar uma coleção que, ao fim e ao cabo, até piscou o olho à disco. Com um pontão a servir de passerelle, os primeiros coordenados destacaram alguns dos itens de conforto tão em voga por estes dias — malhas, bodies e casacos acolchoados feitos à escala fantástica que marca o trabalho do designer. A silhueta foi se glamorizando com macacões que deixaram as lantejoulas praticamente coladas ao corpo, ombros imponentes e vestidos com contornos de sereia, sem abandonar, ainda assim, a morbidez que paira sobre o trabalho do criador.

Rick Owens

Coperni

Na impossibilidade de realizar um desfile convencional, a dupla por trás da marca francesa (anteriormente no leme da Courrèges) fez o que pôde: uma passerelle improvisada nos arredores de Paris, iluminada pelos faróis de 36 carros, cada um deles com dois convidados no interior. O resultado foi, claramente, um desfile drive-in, abrilhantado pelas manequins Adut Akech e Mica Argañaraz. Não foi por acaso que a apresentação decorreu numa atmosfera noturna. A coleção, apesar de manter toques de sportswear, rendeu-se a um guarda-roupa à altura das saídas de outros tempos, num claro voto de confiança no futuro.

Coperni

Loewe

“Acho que a moda vai ganhar importância nos próximos tempos, ao fazer as pessoas ganharem confiança para saírem e para voltarem a arranjar-se”, admitiu Jonathan Anderson à Vogue. Um efeito terapêutico que o designer não esperou para começar a explorar. Olhar para a nova coleção da Loewe é, aliás, como entrar uma sessão de cromoterapia. O otimismo da cor foi o primeiro empurrão. O exagero das proporções — presente nas grandes fivelas e borlas que adornam algumas peças — e os detalhes gráficos formam o escape perfeito para a cinzenta realidade que persiste.

Loewe

Hermès

O desfile começou em Nova Iorque, com uma performance coreografada por Madeline Hollander. Seguiu para Paris, onde a casa apresentou a sua coleção para o próximo outuno-inverno.  O tríptico da Hermés culminou em Xangai, onde a também coreógrafa Gu Jiani brindou este programa transcontinental com um número de dança, no único momento que contou com plateia ao vivo. Articular uma mesma apresentação em três fusos horários foi, no mínimo desafiante, mas o esforço ficou documentado pela lente do realizador francês Sébastien Lifshitz. Quanto à coleção, o registo Hermès permanece praticamente intocado, no uso sofisticado dos couros e nas silhuetas alongadas, embora com pequenas inovações em ganga e toques de sportswear.

Filippo Fior

Givenchy

Matthew M. Williams continua a mergulhar a elegância minimalista da Givenchy num estética underground. Num amplo armazém com o chão coberto de água, o designer apostou sobretudo no preto e nos cortes de alfaiataria, embora as texturas e os volumes tenham desempenhado um papel igualmente importante na coleção da próxima estação fria — brincou constantemente com peças oversised ao mesmo tempo que deixava pele à vista e convocou materiais tão diversos ao toque como pelo, couro, metal e pedraria. Não havia plateia a assistir ao desfile, apenas uma primeira fila inanimada, com imagens dos “amigos” da maison: Kendall e Kylie Jenner, Kate Moss, Kim Kardashian, J Balvin, Laura Dern e Anne Hathaway.

Givenchy

Schiaparelli

A maison de Daniel Roseberry vai de vento em popa. Enquanto a marca experiencia níveis de popularidade inéditos, depois do impacto mediático do visual de Lady Gaga na tomada de posse de Joe Biden e Kamala Harris, o criador explora com um à-vontade nunca antes visto a herança surrealista de Elsa Schiaparelli. A joalharia e o absurdo ganham terreno — olhe-se para o vestido de Emma Corrin na noite dos Critics’ Choice Awards e para a pomba da paz que volta a surgir, agora num vestido preto. Roseberry desenvolve (ainda mais) a obsessão por representações do corpo humano. As bocas, orelhas, olhos e seios são indícios de que design e arte têm sido ambos convocados para a nova vida da histórica Schiaparelli.

Daniel Roseberry

Christian Dior

Versalhes mergulhou num conto de fadas obscuro para o desfile da Christian Dior. As narrativas centenárias e as suas personagens inspiraram Maria Grazia Chiuri a criar silhuetas dignas de princesas, mas também a contrapor-lhes cortes e materiais de alfaiataria. Manequins e bailarinos coreografados por Sharon Eyal partilharam a Sala dos Espelhos, envolvidos numa carga dramática. Rosas e maçãs sugiram estampados em alguns coordenados, adaptações de desenhos de Andrée Brossin para a casa Dior, datados dos anos 50. Mais uma vez, Chiuri recorreu ao extenso arquivo da maison para construir uma nova coleção. Mais do que contar histórias do passado, a designer quis refletir sobre a relação com a beleza e com a nossa própria imagem, no presente.

Christian Dior

Balmain

A Balmain não se limitou a filmar o desfile num velho hangar do Aeroporto Charles de Gaulle. A aviação tingiu toda a coleção de Olivier Rousteing a carimbou o passaporte dos fãs da marca com a promessa de voos futuros. Enquanto bússolas e aviões de papel se converteram em acessórios, entre o vestuário foram avistados blusões de aviador, macacões desportivos e vestidos paraquedas em seda. A inspiração utilitária foi predominante e contagiou a mais clássica silhueta Balmain, que desfilou de ombros largos, como sempre.

Balmain

Chanel

A 9 de março de 2021, Virginie Viard trocou o imponente Grand Palais — por excelência, o palco dos desfiles da Chanel — por um ambiente bem mais intimista, do outro lado do Sena. Sem prejuízo para o resultado final, pelo contrário, a mudança resultou numa passagem de modelos (o termo obsoleto é justificado pelo regresso a uma pequena sala de desfiles) emoldurada pelo Chez Castel, um clube noturno fundado nos anos 60, outrora paragem obrigatória de ícones como Françoise Hardy, Amanda Lear e Mick Jagger.

A coleção, ao mesmo tempo que trouxe para dentro de portas o típico guarda-roupa de inverno outdoor da Chanel, com os longos sobretudos, os fatos acolchoados e as calças de esqui, conjugou o primeiro com peças bem mais delicadas, adornadas por cristais e camadas de chiffon. Os dois opostos não só se atraíram como funcionaram brilhantemente, mostrados pela lente da dupla de fotógrafos Inez & Vinoodh, que assumiu a realização do vídeo.

Chanel

Paco Rabanne

Há algo de excêntrico no ato de fazer planos para quando a normalidade regressar e foi dessa brecha em que se projeta um futuro louco, na tentativa de recuperar o tempo perdido e matar saudades da folia, que o designer da Paco Rabanne partiu para pensar toda a coleção do próximo inverno. Julien Dossena chega mesmo a comparar a atual privação à de um jovem adolescente sem permissão dos pais para sair à noite. A overdose de brilho proposta pelo criador surge como provocação — um guarda-roupa construído a pensar nos novos loucos anos 20 e que faz suspirar pelas noites (mais do que os dias) de festa.

Paco Rabanne

Miu Miu

Fotografada nos picos nevados do norte de Itália, Miuccia Prada juntou dois mundos na mesma coleção. De um lado, o vestuário outdoor, aqui praticamente resumido a referências bastante literais aos equipamentos de esqui, e o sortido de peças confortáveis às quais nos afeiçoámos durante o último ano. O resultado são fatos acolchoados à prova de um dia-a-dia longe dos Alpes, malhas robustas e coloridas e ainda peças leves, semelhantes e itens de lingerie.

Johnny Dufort

Louis Vuitton

Coube à Louis Vuitton encerrar o calendário e com um desfile no Louvre. No mesmo sítio onde, há um ano, Nicolas Ghesquière reuniu centenas de convidados, que as manequins percorreram uma das muitas galerias do museu sob o olhar atento das câmaras de serviço (e da Vitória de Samotrácia). Quanto ao diretor criativo, esforçou-se por animar as hostes através de cores e volumes, mas também pôs à prova o atelier da marca, com rendas e bordados minuciosos e pedras incrustadas. Foi sob a mesma visão da moda como um shot energizante que convocou Daft Punk para a banda sonora e a colaboração da italiana Fornasetti, que pintou à mãe os seus famosos rostos sobre peças de vestuário e acessórios.

Louis Vuitton

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