A atuação do Banco de Portugal foi “enérgica e assertiva” e permitiu detetar a verdadeira situação financeira do Grupo Espírito Santo, afirmou Luís Costa Ferreira que teve a seu cargo a supervisão do Banco Espírito Santo entre julho de 2013 e outubro de 2014. É uma posição que contrasta com as conclusões da avaliação independente à atuação do Banco de Portugal, liderada por João Costa Pinto, que defendeu na quarta-feira que o Banco de Portugal poderia e deveria ter sido mais enérgico na supervisão do BES.

Revelações do autor do relatório secreto sobre como o Banco de Portugal resolveu o BES e a fatura que ficou no Novo Banco

Costa Ferreira revelou que o Banco de Portugal propôs uma almofada adicional de 500 milhões de euros quando foi calculada a dimensão da recapitalização do Novo Banco após a resolução do BES em 2014. Mas a resposta dada pelo Ministério das Finanças, que não chegou a detalhar, resultou na injeção de 4.900 milhões de euros inicial do Novo Banco. O ex-vice-governador Pedro Duarte Neves confirmou já esta tarde que o pedido inicial foi de 5.500 milhões de euros, o que incluía uma folga face aos rácios que o Novo Banco teria de cumprir, mas admitiu que esse montante iria além do estritamente necessário que é a regra aplicada a ajudas de Estado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A informação foi dada à deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, que quis saber como é o Banco de Portugal chegou aos 4.900 milhões como capital inicial para o arranque do Novo Banco, que ficou com os ativos mais sólidos do antigo BES. A reunião com as Finanças, pasta então tutelada por Maria Luís Albuquerque, realizou-se antes da resolução e com o objetivo de acertar o valor da recapitalização necessária à separação dos ativos maus e bons do banco.

A deputada citou ainda uma ata do conselho de administração do Novo Banco, então presidido por Vítor Bento, na qual se assumia que a dotação de capital inicial era insuficiente, poucos dias depois da data da resolução do BES. E confrontou Costa Ferreira com o reconhecimento de imparidades de 600 milhões de euros pelo Novo Banco nos meses seguintes. O responsável admitiu que terá havido desvalorização dos ativos, lembrando o contexto económico que se vivia.

Costa Ferreira explicou mais tarde que qualquer transferência adicional de ativos com um problema material para o balanço do BES (banco mau) teria imputado perdas de igual montante aos credores incluindo os depositantes não cobertos pela garantia de depósito (que vai até aos cem mil euros). O mandato do Bando de Portugal é para assegurar a estabilidade financeira e impor perdas aos depositantes colocaria esse objetivo em causa. E defendeu que a resolução realizada em 2014 era a única solução possível, “excluindo todas as outras opções que não existiam”. A única alternativa era a liquidação do banco.

Os ativos ditos saudáveis que foram transferidos para o Novo Banco em 2014 têm gerado perdas adicionais. Ao abrigo do mecanismo de capital contingente criado com a venda da instituição em 2017, essas perdas têm sustentado pedidos de capital adicionais ao Fundo de Resolução. A insuficiente capitalização inicial feita na resolução em agosto de 2014 em sido apontada como causa. Costa Ferreira explicou que se verificou entretanto uma maior exigência de rácios que também têm explicado as necessidades adicionais de capital.

Banco de Portugal sabia em março de 2014 que Rioforte estava falida, mas manteve informação em segredo

O diretor de supervisão foi ainda confrontado com o facto de o Banco de Portugal ter sabido desde março de 2014  que a Rioforte, holding do Grupo Espírito Santo e devedora do BES, tinha uma situação patrimonial negativa, mas não avisou o mercado, nem os outros bancos. Costa Ferreira respondeu que essa informação estava sob sigilo e não poderia ser partilhada. O financiamento à Rioforte gerou perdas de 900 milhões de euros na Portugal Telecom e um rasto de prejuízos em vários bancos quando esta holding do GES pediu proteção dos credores em junho de 2014.

Ao longo da audição, Costa Ferreira foi ainda questionado sobre a situação no BESA e os alertas chegados ao Banco de Portugal, em particular um relatório entregue em 2013 pela Espírito Santo Financial Group, a maior acionista do BES, sobre as falhas no tratamento dos créditos em risco e das provisões a constituir pelo banco angolano. O diretor de supervisão do Banco de Portugal respondeu que eram falhas de procedimentos que não permitiam concluir sobre a existência de perdas na carteira de crédito do BESA. E acusou a auditora, a KPMG Angola, de não ter reportado essas perdas ou ter certificado as contas quando não tinha informação suficiente para averiguar a situação dos créditos em incumprimento.

Sobre os conflitos de interesses entre Banco de Portugal e as auditoras, a propósito da sua saída do supervisor em outubro de 2014 para a PwC, na qual foi acompanhado por Pedro Machado. A PwC foi a auditora do Novo Banco que validou os 4.9 mil milhões de euros identificados no balanço original criado em agosto de 2014. Os dois regressaram ao Banco de Portugal em 2017. Costa Ferreira explica que trabalhou com quase todos os bancos do sistema enquanto esteve como consultor em matérias de regulação, afastando conflitos de interesse. Sublinhou que nas contratações entre supervisor e supervisionados é seguida uma regra de cooling of (afastamento) por um período de seis meses.

Foi o exercício “intrusivo e enérgico” do Banco de Portugal que revelou problemas no GES/BES. A culpa foi da gestão

Ao longo de cinco horas de audição, o responsável do Banco de Portugal questionou ainda a “perceção errada” que resulta do imputar de responsabilidades ao supervisor que são da gestão do BES cujos atos foram responsáveis por perdas de 6,6 mil milhões de euros.

Na sua intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Costa Ferreira sublinhou que os factos que levaram à resolução do BES se devem “exclusivamente aos atos dolosos e de gestão ruinosa” conduzidos pela equipa de administração liderada por Ricardo Salgado. E para sustentar esta conclusão citou as condenações do Banco de Portugal que foram já validadas em Tribunal e, segundo as quais, Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires foram considerados responsáveis pela omissão e pela prestação de falsas informações e violação de regras de gestão de conflitos de interesses.

Com base nesses processos de contraordenação, cujas condenações transitaram em julgado e na acusação do Ministério Público, o diretor de supervisão prudencial do Banco de Portugal refere que Ricardo Salgado sabia que prestava “informação falsa para criar uma visão distorcida da Espírito Santo Internacional (holding não financeira do GES)” e que no “seu interesse próprio se afastou” de uma gestão sã e prudente, ao dar instruções para a alteração (falsificação) das contas da ESI. A Espírito Santo Internacional (ESI) esteve na origem do colapso do BES. O banco vendeu aos seus clientes papel comercial desta sociedade que estava tecnicamente falida, situação que foi ocultada nas contas da ESI.

Para Costa Ferreira, a atuação da supervisão foi enérgica e assertiva. Não se deveu a terceiros ou a informação por eles prestada nem ao auditor externo, acrescentou. Considerou ainda que foi graças a um exercício que descreve como tendo características inovadoras e intrusivas que a real situação financeira da ESI — empresa que tinha um passivo oculto das contas — foi conhecida, o ETTRIC (inspeção à situação e capacidade financeira dos principais devedores dos bancos). “Dificilmente posso conceber um exercício mais energético e intrusivo”.

O diretor de supervisão foi ainda questionado pelo deputado do PSD, Alberto Fonseca sobre a conclusão de Costa Pinto de que o Banco de Portugal tinha instrumentos legais para afastar mais cedo Ricardo Salgado. Argumentou que uma intervenção precoce para remover a administração do BES teria um efeito de perturbação num banco sistémico que apenas poderia ser mitigado por um suporte público. E essa possibilidade não existia à data, no quadro europeu para intervenção em instituições financeiras, afirmou.

Ainda sobre a avaliação independente dirigida por João Costa Pinto à atuação no caso BES, e da qual se conclui — segundo os deputados — que o Banco de Portugal sabia de tudo e podia ter atuado mais cedo — o responsável considerou que se tivesse havido contraditório, as conclusões poderiam ter sido outras.