Título: Klara e o Sol
Autor: Kazuo Ishiguro
Editora: Gradiva
Páginas: 360
Preço: 17,50€
Em Klara e o Sol, o aguardado romance de Ishiguro publicado agora pela Gradiva, Klara, a narradora, é uma Amiga Artificial, uma máquina humanoide usada para acompanhar Josie, uma adolescente de 14 anos. A grande premissa do romance será a criação destes robots e o seu efeito na vida quotidiana de uma sociedade.
Os Amigos Artificiais não são tutores nem babysitters. Chamam-lhes amigos, mas são coisas ao serviço, ainda que humanizadas. E Klara é adquirida para acompanhar Josie até que esta vá para a Universidade, numa altura em que a sua solidão é gritante, já que a maioria das crianças tem aulas em casa. A máquina vem, assim, cumprir o papel social de dar companhia humana a uma humana em formação.
Neste cenário traçado por Ishiguro, os trabalhadores são substituídos e a sua mão-de-obra torna-se ineficaz perante a inteligência artificial. Ali, vê-se ainda o contraste das gerações, já que os mais antigos se lembram de como a vida era antes, perante um cenário em que a inteligência artificial se normalizou. A presença dos Amigos Artificiais é de tal ordem que uma personagem se indigna perante Klara: primeiro, ficam com os empregos; depois, com os lugares nas salas de teatro?
E aqui podemos encarar a ideia da obsolescência dos humanos e das máquinas. Por um lado, os mais velhos, que se lembram do mundo de outra forma, parecem anacrónicos face aos novos conceitos e à nova forma de vida, datados num cenário futurista, para além de haver a referida substituição de mão-de-obra por entes robóticos. Por outro, também as máquinas nascem condenadas à efemeridade da sua novidade. Sendo máquinas avançadas, depressa serão substituídas por outro avanço no código. Logo no início do livro, deparamo-nos com isto, já que Klara foi remetida à parte de trás da loja devido à chegada de um modelo mais avançado.
Klara subsiste a energia solar, e é para o sol que se vira em pontos críticos da narrativa, tentando comunicar com o astro. Procurando caminhos no que a comanda, existe, em simultâneo, de forma mecânica e subjectiva, já que a sua interpretações dos factos, planeada, está imbuída do plano de uma abordagem sentimental, humana. O seu ponto de vista, assim, é programado para ser teoricamente humano. Ou seja, sendo uma máquina, está programada para simular a empatia, e chega a acreditar que a tem, já que se acredita provida de várias emoções: quantas mais observa, mais tem disponíveis no seu quadro robótico. Daí que, por parte dos humanos, mesmo que habituados a lidarem com a inteligência artificial, e com o artificialismo da Humanidade criada por humanos, possa vir a ser complicado assumir a melhor forma de tratamento. Uma senhora, ao conhecer Klara, não sabe como tratar uma convidada como ela: aliás, será uma convidada, ou deve ser tratada como um aspirador?
Tudo isto parece promissor, mas a promessa falha. A premissa é rica, e também ela vai ao ar. O autor, que, noutras obras, conseguiu insinuar, deixar o véu, adiar respostas, aqui tem possibilidades referidas ao de leve, outras nem sequer exploradas, e o romance no fim fica a saber a pouco, a cliché de ficção científica sem qualquer avanço ao que já conhecemos. As questões complexas são tratadas com meia dúzia de pinceladas displicentes, os olhares das pessoas são também eles maquinais e ingénuos, e falta a Ishiguro a capacidade saramaguiana de olhar além das coisas, de estar à altura da proposta de mundo que faz. E aqui não apenas há a proposta de um mundo em que máquina e humano se confundem como ainda temos uma narradora original, mas que não atinge além. E a prosa, sem solavancos, também não parece ter qualquer literariedade. Cumpre o propósito de veicular um sentido, mas o sentido nunca se ressignifica em nada, parece uma historinha para entreter. Há um limiar entre o humano e a máquina, entre a máquina planeada para ser humana pelo humano, mas tudo isto é apenas sugestão, tornando-se difícil entender onde acaba o Nobel da Literatura e começa o adolescente sem experiência de escrita.
Sabemos que as máquinas roubam postos de trabalho, sabemos que há desconfiança, mas as implicações de tudo isto têm a profundidade que teriam num filme de domingo à tarde. Com chavão atrás de chavão, cliché atrás de cliché, banalidade atrás de banalidade, a obra não acrescenta nada ao que já temos em ficção científica e inteligência artificial. Num cenário hipotético, futurista, o único desconcerto que o livro traz é a etiqueta da capa que diz que o romance foi escrito por alguém com um prémio Nobel na lapela.