Especialistas na área das doenças raras juntaram-se num projeto que pretende analisar o impacto da pandemia nestas doenças e fazer recomendações para ajudar a melhorar o diagnóstico, o apoio social e económico a estes doentes e potenciar a investigação.
Estas personalidades nas áreas da saúde, abrangendo a área médica, biomédica, farmacêutica e até as associações de doentes, tentará dar pareceres, ideias, gerar conceitos e estratégias que possam apoiar a Direção-Geral da Saúde e o Ministério da Saúde”, explicou à agência Luis Brito Avô, internista e coordenador do Núcleo de Estudos das Doenças Raras (NEDR) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
O especialista, que faz parte do Comité Executivo deste projeto, sublinhou que o apoio que o grupo de peritos quer aproveitar o facto de a DGS estar a rever a Estratégia Nacional para as Doenças Raras, que terminou em 2020 e está a ser desenhada para os próximos anos, com objetivos definidos até 2030.
“Boa parte dos objetivos foram atingidos, não todos, na saúde talvez seja onde tenham sido mais colocados avanços. Pretendemos colaborar com as entidades oficiais, propor alternativas, propor estratégias”, acrescentou.
Este comité executivo, de que fazem parte igualmente especialistas da Faculdade de Farmácia da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Coimbra, representantes da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e das associações de doentes, vai trabalhar ao longo de todo este ano para poder apresentar as suas recomendações, em jeito de Livro Branco, às autoridades.
Luis Brito Avô lembra que em Portugal se estima que existam entre 600 a 700 mil pessoas portadoras de doenças raras, uma vez que não há um registo único integrando toda a informação. Segundo disse, foram emitidos mais de 7.000 cartões de doença rara, o que corresponde a entre 400 a 500 doenças já registadas
O especialista chama ainda a atenção para a particularidade de Portugal ter a doença mais portuguesa de todas elas – a paramiloidose, também chamada de doença dos pezinhos -, que afeta cerca de 2.000 pessoas.
“Somos o maior foco da Europa desta patologia”, sublinha o internista, explicando que há “variações geográficas significativas” nas doenças genéticas.
Luís Brito Ave refere ainda que as doenças raras são genéticas em 80% dos casos e que apenas 30% destes doentes atingem a idade adulta, sublinhando a falha existente ao nível dos cuidados continuados a estes doentes.
“Há uma falha muito grande em Portugal nos cuidados continuados a estes doentes. Não há unidades alocadas especificamente (…). Há o caso da Casa dos Marcos, gerada por uma associação de doentes e talvez seja a única unidade especificamente alocada para prestar assistência a estes doentes e seus familiares, mas não há uma resposta estatal nessa área”, lembrou.
Disse que do ponto de vista do acesso ao diagnóstico, terapêuticas e apoio por equipas organizadas, Portugal já fez um caminho “bastante razoável”, mas está ainda longe de atingir a cobertura de todos os doentes que se estimam tenham doenças raras.
Reconhece que, apesar de ninguém ter ficado sem tratamento, também os portadores de doenças raras sofreram as consequências da pandemia, com uma quebra no acesso às consultas na ordem dos 18%.
Houve uma afetação geral, não só por causa do confinamento, que obrigou as pessoas a terem menos contactos do ponto de vista social, o que tem efeitos a nível psicológico, mas também com alguns atrasos e adiamentos”, afirmou.
Segundo disse, um inquérito da rede europeia abrangendo 80 países (cerca de 8.500 respostas a nível global, 7.500 delas a nível europeu) revelou que entre 5 a 7 em cada 10 doentes/cuidadores que responderam apontaram dificuldades no acesso às consultas e tratamentos.
“Em Portugal ninguém deixou de ser tratamento, mas houve adiamentos. As pessoas no hospital de dia caíram entre 6 a 7%, porque as regras de afastamento por causa da pandemia obrigaram a ter menos doentes de cada vez, o que provocou adiamentos e atrasos”, afirmou.
Nos centros de tratamento o especialista reconhece que houve igualmente consequências, pois alguns fecharam por causa da pandemia, mas sublinha que muito se conseguiu domiciliar e que, principalmente, “houve um grande impulso do uso das tecnologia para seguir doentes à distância”.
“A teleconsulta funcionou com um desenvolvimento como nunca tinha acontecido”, refere o especialista, sublinhando que a prestação de cuidados em hospitalização domiciliária cresceu cerca de 80%.
“As terapêuticas domiciliárias serão o próximo passo. As experiências por enquanto são muito limitadas — há uma experiência piloto ótima em Guimarães — , (…) seguramente esse modelos irá ser adaptado e replicado”, acrescentou, lembrando que este sistema tem sido implantado em muitos países europeus e “com muito sucesso”.
Reconhece algumas barreiras, entre elas o facto de a maior parte dos doentes serem tratados com medicamentos órfãos, que em Portugal são de dispensa hospitalar, uma situação que com a criação de centros afiliados evita que os doentes tenham de percorrer distâncias tão grandes para conseguir aceder aos medicamentos.
Por outro lado, acrescenta, houve igualmente “um impulso no circuito do medicamento”, pois as prescrições que eram feitas para um mês agora dão para três meses, muitas ações fazem-se agora de forma informática e passou igualmente a ser permitida a compra de alguns medicamentos em farmácia comunitária.
“Foi uma mudança muito oportuna, bastante eficaz e abrangeu milhares de doentes, não só nas doenças raras como noutras”, concluiu.
Este grupo vai reunir quatro vezes durante este ano e prevê apresentar as suas recomendações em fevereiro do próximo ano, quando se assinalar o Dia Mundial das Doenças Raras.
O projeto Ser Raro é conduzido pela consultora dedicada à área da Saúde FDC Consulting, com o apoio da biofarmacêutica Takeda.