Morreu Mouette Barboff, antropóloga, escritora e uma das maiores investigadoras da cultura e tradições do pão em Portugal, principalmente, mas também em França e noutros países europeus. A notícia é confirmada pelos filhos da autora de O Pão em Portugal (Scribe, 2017, e Edições Inapa, 2008), uma das suas obras mais conhecidas, através de uma publicação na conta de Facebook da própria Mouette. “Bom dia, nós somos o Boris e o Adrien, os filhos de Mouette. Temos a imensa tristeza de vos comunicar a morte da nossa querida mãe, que faleceu subitamente na passada segunda-feira, dia 22 de março. Muito obrigado por toda a amizade que lhe deram. Um abraço”, lê-se na dita publicação.

Apesar de ser nascida e criada em França, Mouette destaca-se como a principal investigadora e especialista na história do pão e as suas características em Portugal. Foi a tese de doutoramento em Etnologia e Antropologia Social, na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris que a fez mergulhar de cabeça no mundo do pão português. Numa entrevista de 2017 dada à E Taste, Mouette conta que essa tese começou por ser sobre “a arte pastoril no Alentejo” mas que ao visitar esta região do país e perceber que muitas mulheres “ainda amassavam o pão em casa” — algo que dizia há muito não existir no seu país — , ficou fascinada. A partir de 1983 (altura em que começou pela primeira vez a estudar o pão alentejano) começou a desdobrar-se entre França e Portugal um sem fim de vezes para pesquisar sobre outros tipos de pão e não só: “Não queria dedicar-me só à parte do fabrico, mas sobre o ciclo inteiro, desde o cultivo até ao consumo […] acompanhar as sementeiras, as molhas para o trigo, as regas para o milho, as colheitas, as ceifas, as malhadas e depois a moagem dos grãos e, no final, o fabrico do pão.”

Esse período extenso e meticuloso de investigação gerou informação suficiente para “anos e anos” de escrita, de tal forma que a tese de doutoramento acabou por ter 2200 páginas — “fi-lo por gosto e não pela escola”, afirmou a própria na já referida entrevista. O seu trabalho foi dividido ao meio e gerou dois livros, “O Pão em Portugal” e , mais tarde, o “Pão das Mulheres” (Âncora Editora, 2017). Desde os anos 80 até aos dias de hoje dedicou-se a estudar todas as tradições e histórias do pão em Portugal, do Alto Minho ao Alentejo, passando pela Serra da Estrela também.

Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, fundadora e presidente (durante dez anos) da associação científica L’Europe, Civilisation du Paine e fundadora e administradora do site online Les Civilisations du Pain, que pertence à Fondation Maison des Sciences de I’Homme, de Paris. O seu trabalho ao longo de quase 30 anos deu origem a inúmeras exposições, vários filmes documentais, estudos, livros e até exposições como a “Terra Mãe Terra Pão”(Âncora Editora, 2005), que aconteceu no Seixal entre 1995 e 1996. Em 2006, a sua obra “Pains d’hier et d’aujourd’hui”(Éditions Hoebeke, 2006) ganhou o primeiro prémio de Gourmand Awards 2007, galardão que viria a vencer novamente em 2012, na categoria de “melhor livro do mundo sobre o tema Pão” com A tradição do pão em Portugal. A sua obra O Pão em Portugal, de 2008 (reeditado novamente em 2017), é considerado um dos melhores livros de gastronomia em Portugal. Entre cozinheiros, padeiros e seguidores do mundo da gastronomia será para sempre uma das figuras mais importantes da área.

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