Os nomes Özlem Türeci e Ugur Sahin, dois cientistas turco-alemães que se dedicam ao estudo da doenças oncológicas, não serão tão cedo esquecidos. Fundadores da empresa BioNTech, foram eles que tiveram a ideia da primeira vacina aprovada no mundo contra a Covid-19. Em entrevista à Business Insider, indicam alguns pormenores sobre o desenvolvimento do imunizante e revelam qual foi o momento mais importante nestes meses todos.
Foi em janeiro de 2020 que o casal teve conhecimento do surto de Covid-19 em Wuhan. “Eu tinha lido um artigo na revista The Lancet sobre a doença. Depois disso e de alguma pesquisa estava muito preocupado. Discutimos isso ao pequeno-almoço e foi aí que surgiu a ideia”, lembra Ugur Sahin. “Sabíamos que tínhamos uma tecnologia que podíamos usar para desenvolver a vacina muito rápido”, acrescentou.
Após essa troca de ideias, os cientistas tiveram de convencer a BioNTech da importância do imunizante. Mas garantem que “não foi difícil”: “Falámos objetivamente sobre o que se passava. Havia, com certeza, diferentes níveis de apoio da ideia. Algumas pessoas podem ter dado o consentimento apesar de não estarem plenamente convencidas”.
A partir daí começaram a desenvolver uma vacina através da tecnologia mRNA, o que obrigou o casal a deixar “todo o trabalho” que tinha preparado para realizar em 2020 e que se focava nas doenças oncológicas. “Mudou tudo repentinamente”, recordam.
Também contaram que “desenvolveram dez potenciais vacinas em pouco tempo e depois mais dez. Não sabíamos qual era a correta, porque não sabíamos muito sobre o vírus”. O imunizante que chega ao braço de muitos doentes já “existia em fevereiro”, sendo que, contudo, era “pouco claro a maneira como é que ele funcionava”, sendo preciso “provas clínicas e informações que apenas um estudo em larga escala podia comprovar”.
O momento eureka
Ugur Sahin assumiu que, desde janeiro de 2020, o momento mais importante ocorreu em novembro, quando os estudos da fase 3 da vacina terminaram.”Era domingo. Acordámos cedo e estávamos à espera do resultado de um comité independente”, recorda. “Era o momento da verdade. Sabíamos que tínhamos desenvolvido a melhor vacina, mas não sabíamos como é que o vírus ia reagir”, conta. Mas depois, às 20h, surgiu o resultado: “Sustive a respiração antes de ouvir a voz do outro lado a dizer que o resultado era positivo e que havia uma eficácia de mais de 90%. Foi o momento eureka para nós”.
A motivação de fazer esta vacina era proteger e salvar vidas. Percebíamos como é que o SARS-CoV-2 se transmitia”, afirma Özlem Türeci.
A vacinação na Europa
Confrontados com a lentidão da vacinação na União Europeia em comparação com Israel ou o Reino Unido, os cientistas referiram que “não valia a pena apontar o dedo no meio de uma crise. A melhor coisa a fazer é focarmo-nos em encontrar uma solução e as pessoas com quem trabalhamos na UE são muito criativas a arranjar soluções”. Destacam também a relação “muito construtiva” com a União Europeia e sublinham que “todos os países apresentam diferenças na maneira como trabalham e nas suas estruturas de governação”.
Da Alemanha, onde vivem, o casal revela que, embora alguns atrasos, a “vacinação está a correr bem”, ainda que falte algum “pragmatismo”: “Esse foi o fator que nos ajudou a desenvolver com sucesso a vacina e poderia certamente ser transferido para as campanhas de inoculação”.
Os planos adiados
Especialistas em oncologia, revelam que a vacina da Covid-19 lhes atrasou algum trabalho, mas que não foi um “ano perdido” e que também isso vai ajudar as contas da empresa: “Pela primeira vez estamos a gerar rendimento, que poderemos reinvestir. E podemos fazer muito mais do que tínhamos planeado. Tentaremos uma nova abordagem para a empresa e tentaremos acelerar os nossos projetos”.
Um desses projetos passa por desenvolver uma vacina contra vários tipos de cancro, que deverá ser submetido a provas clínicas em 2024. E asseguram: “Vai haver cancros que no futuro poderão ser eventualmente curados”.
Na entrevista, revelaram ainda que são contra a vacinação compulsiva, que Salim não tem carta de condução (anda de bicicleta para todos os sítios aonde precisa de ir), que a aparente fama não alterou a sua vida, e que, apesar das raízes turcas, já falam alemão entre si e que já tem pouca ligação ao país de origem, cuja situação política preferem não comentar: “Não podemos avaliar isso corretamente”. Da Turquia ficou, no entanto, um amuleto chamado Nazar Boncuk que ambos usam: “É um olho que protege e que afasta o diabo”. “Se o amuleto partir, é preciso um novo. Significa que vai ocorrer algo de negativo”, contam.
Questionada sobre se todos os cientistas precisam de um, Özlem Türeci não responde diretamente, preferindo dizer que os investigadores “precisam de uma equipa e de pessoas os apoiem”. “Não se pode fazer isto sozinho. E às vezes acontece que nos casamos com um colega de trabalho”, conclui.